Capítulo 9- Fugitivos
Nyesa- Norteya
Machucada, Celine sentia sua pele sangrar enquanto era enxaguada por duas servas dentro de uma banheira de mármore. Damon as induziu secretamente para cuidarem de Celine após as atrocidades que cometeu, e pagou pelo silêncio delas. O soldado Kevin que foi usado naquele assassinato brutal se encontrava em posição de choque enquanto era persuadido por Damon e manipulado pelo mesmo para manter segredo de todos do que havia acontecido. Duas horas haviam passado desde a morte de Anaik, e desde então Celine não esboçou nenhuma emoção, nenhuma reação, ou sequer disse uma palavra, ela estava morta por dentro.
—Terminamos de lavar seus machucados princesa. —Uma das servas disse molhando os cabelos escuros de Celine, que em seguida foi ignorada pelo silêncio dela.
—O Kulenov pode ser bruto as vezes, é normal, todos os Kulenov são! Você terá que se acostumar a isso querida. —A outra serva afirmou.
Celine pela primeira vez depois de muito tempo transformou o olhar fixo e morto, em um nervoso e penetrante.
—Você é mãe? —Celine sussurrou.
—Sim princesa, tenho dois filhos.
—Espero que eles morram para você sentir a dor que estou sentindo! —Celine disse pausadamente com uma voz forte.
—Princesa eu...
—Não venha me dizer com o que devo me acostumar, quando na verdade não sabe pelo que estou passando. Se eu pudesse..., mandava matar seus filhos!
—Mas não pode, não é? Você não tem poder algum aqui, não manda nem em si própria. Todos caminham pelas ruas de Nyesa comentando o quão inútil e descartável você é! Nem de princesa as pessoas te chamam, eles te consideram um peso, um animal.
—Uma oferecida quer dizer o que eu sou?
—Oferecida? Perdão?
—Quanto Damon te pagou? Quantas moedas de ouro custaram o seu silêncio?
—Imagino que não seja algo necessário de vossa...
—Cala a porra da boca e não diga o que eu tenho ou não que fazer, nunca mais! —Celine gritou e em seguida a golpeou com um tapa em sua cara.
—Viu só... —A serva abaixou a cabeça e abriu um sorriso. —Você já é um deles! Uma Kulenov!
A princesa se levantou da banheira ainda nua, caminhou até a porta, se cobriu com um lenço de lã, e olhando para as servas saiu do cômodo sem dizer nada.
Mais tarde no mesmo dia Damon reuniu toda a população da cidade para um aviso. O castelo real tinha vista para o principal centro de comércios do reino de Nyesa, que em seu meio havia um jardim de rosas brancas acompanhadas de pinheiros pequenos. Do alto, em um espécime de sacada, o Kulenov observava seu povo se reunindo.
Damon estava usando uma capa preta de couro que ganhou de sua mãe dias anteriores aquele, e um conjunto de roupa de pele de urso. Em sua mão estava um cajado de metal, e na outra uma peça de roupa pequena.
—Reuni-os aqui hoje para uma triste notícia! —Damon começou a dizer em voz alta. —Meu filho, Anaik, o herdeiro de Nyesa, morreu! —Em seu rosto, Damon deixava escorrer falsas lágrimas. —Meu pequeno garoto, minha criança inocente estava sofrendo de uma gripe forte. Eu tentei de tudo, eu tentei salvá-lo, mas nós o perdemos. Por isso em homenagem a ele, nomearei meu dragão com seu nome, agora o conquistador dos céus se chama Anaik!
Ele estendeu a roupa pequena e gritou em saudação, logo após todos aplaudiram e parabenizaram a atitude de Damon. De uma torre lateral, Celine assistia tudo chorando, enquanto se arranhava em meio a uma inquietude e uma dor conturbada.
Quando Celine voltou a caminhar pelos corredores em direção ao seu quarto foi bruscamente puxada para um cômodo a parte.
Do outro lado um homem fechou a porta e os trancou em uma pequena despensa que estava escura.
—Calma, não vou te machucar! —O homem disse.
—Quem é você? —Celine perguntou largando-se dos braços do homem.
—Sou Kevin, Kevin Hamisen. —Ele disse acendendo uma vela. Quando a luz se estabeleceu no lugar, revelou-se o soldado de cabelo raspado de Damon, que o acompanhou no assassinato de Anaik.
—Você é...
—Sim. Sou o soldado de Damon, líder da guarda real, preciso que me escute.
—Sai de perto de mim! —Celine disse em tom elevado.
—Eu não vou te machucar, eu quero te ajudar, me escute por favor! Eu vi, eu estava lá, e quero que saiba que não concordo com nada daquilo.
—E o que isso vai mudar? Já aconteceu, e você ficou parado olhando. —Celine disse.
—Sim, por isso quero te ajudar, para me redimir. Vou te tirar desse lugar!
—O que? Ficou maluco? Não viu o que aconteceu quando tentei fugir?
—Mas agora você terá a mim, confia em mim..., por favor.
—Como quer que eu confie na pessoa mais fiel ao Damon? Me deixe ir embora e acabe com isso.
—Celine, eu prometo que irei te ajudar se me permitir. Eu sou fiel a minha família, não a Damon. Minha linhagem é de natureza ser servente aos Kulenov, mas não quero deixar de estabelecer meus princípios. Eu o odeio tanto quanto você, e quando o vi mentindo para todos daquele jeito, sem nenhuma mágoa de ter matado o próprio filho..., eu decidi que tinha que agir! —Kevin disse e em seguida segurou as mãos de Celine. —Eu só quero te ajudar!
—Como..., se coloque no meu lugar, como quer que eu confie em você depois de tudo que passei aqui, você só viu uma das centenas de coisas que Damon faz a mim!
—Eu sei, por isso garanto que não irei te decepcionar, eu só quero ajudar, eu juro!
Celine soltou as mãos dele e se virou de costas.
—O que pretende fazer para me tirar daqui?
—Eu comando todos os guardas desse castelo, e os que espreitam as ruas. Eu sou a única pessoa que pode te ajudar a fugir sem que a capturem novamente. Eu sei do que Damon é capaz de fazer com você, pelo menos parte de tudo.
—Eu, eu não sei.
—Confie em mim. Se quer mesmo sair daqui é a única chance. Arrume o que tiver que levar, e me encontre na cozinha do castelo ao amanhecer de amanhã. —Kevin saiu do cômodo e seguiu pelos corredores.
Voltando ao seu quarto Celine só conseguia pensar no que Kevin a propôs. Ela poderia mesmo confiar naquele soldado? Celine ainda não sabia, mas tinha certeza de que não aguentaria mais um ano naquele lugar. Sem perceber, deitada na cama, ela adormeceu, e sonhando com seu filho não queria mais acordar.
No sonho, ela se encontrava em um jardim de rosas vermelhas, mas não como aquelas de que tinha trauma por estarem no seu casamento forçado, mas sim rosas semelhantes ao seu pingente, o presente de Kanor. Enquanto segurava o pingente nas mãos ela avistava seu filho brincar na terra. Anaik estava mais velho, e aquilo acalmava o coração dela. Rindo ela começou a se divertir com ele, e mesmo no fundo sabendo que aquilo não era real, ela aproveitava fazendo cada segundo valer anos.
—Meu amor, acorde. —Uma voz se repetia ao fundo de seu sonho. —Acorde!
Acordando e abandonando o sonho, Celine se deparou com Damon sentado em seu lado. Rapidamente ela se sentou e afastou-se dele.
—Calma, está tudo bem. Vim te acordar para o jantar, já está tudo pronto.
Ela permaneceu calada, fazendo uma feição de ira.
—Você sabe que não fiz aquilo por mal, não é? Eu te amo, e não quero te perder, só fiz aquilo para te provar que aqui é seu lugar, e sempre será! Você é o amor da minha vida Celine, e eu sou o seu, devemos ficar juntos para sempre, minha princesa. —Ele se aproximou e beijou a testa de Celine. —Agora se arrume, estaremos te esperando para comer. —Ele abriu um sorriso e saiu do quarto logo após.
Vestindo um vestido velho, ela sentiu uma mágoa no coração e começou a pensar na proposta do soldado Kevin.
Quando chegou ao salão de jantar encontrou Alitranna e seu irmão sentados a mesa.
—Celine! Sente-se querida, estávamos te esperando. —Alitranna disse. —Soube sobre seu filho, eu sinto muito, as doenças tiram o que é de melhor de nós! Mas tenho certeza de que um novo herdeiro há de vir!
—Agradeço Alitranna. —Celine mentiu enquanto se sentava à mesa.
—Tenho notícias boas. Seu irmão da capital, Thomas Ascarian, completou um ano de idade.
—Thomas?
—Sim, amei o nome. Dizem que é um garoto lindo. E sabe o melhor? Seu pai já o consagrou herdeiro do trono.
—O que? —Celine fechou a mão rapidamente e seu coração começou a acelerar.
—Todos nós já imaginávamos isso, imagino que você também, apenas se concretizou. Ele será um bom rei no trono de Norteya. —Alitranna sorriu e tomou um pouco de vinho.
—Nós estamos de luto irmã, suponho que Celine não se importa com notícias da capital! —Damon disse a interrompendo.
—Nós estamos Damon? Nós? —Celine o olhou fixamente.
—Sim meu amor, é meu filho também ora! —Ele pegou uma faca com a mão escorada na mesa e apertou, garantindo que Celine percebesse.
—Sim..., foi uma perda lamentável. Bom, eu estou sem fome, vou descansar. —Celine se levantou da mesa sem comer nada e caminhou até seu quarto. Quando chegou voltou a chorar como todos os dias e todas as noites. Trocando sua roupa se preparando para dormir ela se decidiu, iria fugir com Kevin.
Ao adormecer, ela voltou a sonhar com seu filho. Em sua mente, ela imaginava que um dia iria sentir a paz que sentiu ao tê-lo em seus braços, o seu amor de mãe estava se florescendo a uma esperança de que um dia sua vida iria melhorar, que um dia iria encontrar Kiana e saber de tudo que aconteceu, que um dia iria ser a rainha de Norteya e governar honestamente como sua mãe sempre a ensinou que seria, e que um dia poderia encontrar Kanor novamente para se desculpar por ter sido a causa da morte de sua mãe.
O sol nasceu e as aves começaram a sobrevoar as torres altas de Nyesa. Comerciantes e cozinheiras começavam a sair de suas casas para seus trabalhos. Na capital Ascarian o rei Logan organizava uma cerimônia de comemoração a consagração de seu novo filho. Em Hakyan, bruxos e bruxas tentavam prever o futuro da guerra, e os mineradores já começavam a extrair os principais elementos usados nas armaduras dos soldados de Norteya.
Celine se levantou da cama, trocou de roupa, amarrou seus longos cabelos, arrumou uma bolsa com algumas roupas e acessórios, e abriu a porta do quarto. Do lado de fora não avistou nenhum guarda no corredor, então saiu e andou até as escadas. Quando desceu avistou algumas servas seguindo para o salão principal, e seu caminho era contrário. Ela esperou que passassem, e seguiu para os corredores da cozinha.
Passando pelos corredores ela se escondia a cada esquina para ninguém a avistar. Perto de seu destino, ela sentiu algo a puxar, a impossibilitando de continuar.
—Celine? O que faz aqui? —Uma mulher loira de penteado formal disse com uma voz calma.
—Alitranna? Eu...
—Que bolsas são essas? Para onde está indo?
—Eu..., eu vou doar algumas roupas para o comércio da cidade! —Celine disse tentando a convencer.
—Roupas? Suas roupas são formais e todas em excelente estado! Você é a mulher do líder desse reino, o que o povo vai pensar quando doar essas roupas?
—Eu...
—Você está tentando fugir, não é? —Alitranna a interrompeu.
Celine a encarou e não disse nada.
—Está bem, vá, siga seu caminho!
—O que?
—Não irei te impedir de nada, mas saiba das consequências! Muita coisa pode acontecer com sua saída de Nyesa.
—Não sei o que dizer.
—Fique calada então, e siga! Parta antes que Damon perceba, garanto que não irei dizer nada.
—Obrigada.
—Não agradeça.
Alitranna se despediu e subiu as escadas abandonando Celine. Quando passou alguns segundos parada, Celine decidiu continuar e ignorar o que tinha acabado de acontecer, e continuou caminhando pelos corredores até chegar a um arco de pedra.
No arco de pedra que era a porta da área culinária do castelo, Kevin Hamisen estava a a esperando.
—Você veio! —Kevin disse a abraçando.
—Saiba que não confio em você, apenas sei que essa será a minha única oportunidade! —Celine afirmou.
—Tudo bem, já é o bastante. —Ele sorriu e fez um sinal para que o seguisse.
Eles passaram por toda a cozinha e caminharam até a uma porta traseira do castelo. Quando saíram desceram as escadas de uma torre que dava ao lado exterior do jardim central. Em alguns metros caminhando, chegaram a ruas vazias escondidas, longe da cidade, que levavam para fora de Nyesa.
—Que caminho é esse? —Celine perguntou enquanto caminhavam.
—O único caminho para sair de Nyesa sem olhos curiosos. Alguém te viu indo para a cozinha?
—Não. Garanti que ninguém me visse. —Celine mentiu.
—Ótimo. Teremos que caminhar até uma pequena vila, lá encontrarei um cavalo para sairmos de Nyesa.
—Para onde iremos necessariamente? —Celine perguntou tentando confiar no homem.
—Te levarei até a capital, você decide o que fazer quando chegar lá.
—Por que está fazendo isso por mim?
—Eu disse..., não sou uma pessoa ruim, não nasci para apoiar as decisões de Damon Kulenov, eu sou único. Decidi que quero te ajudar, e vou te ajudar. —Kevin disse olhando nos olhos dela.
—Obrigada Kevin! —Ela sorriu, depois de dias sem esboçar aquele sentimento.
Os dois caminharam durante toda a manhã. Quando chegaram na pequena vila, Kevin comprou um cavalo, e nele amarrou as bolsas de viagem.
—Agora não precisará cansar suas pernas! —Kevin sorriu.
—Finalmente, andamos por quantas horas, umas oito? —Celine montou no cavalo e se arrastou para trás.
—Agora demoraremos menos, mas teremos que ser mais cuidadosos, a esse ponto Damon já percebeu sua ausência, não duvido que da minha também.
—Princesa Celine? —Uma voz veio de algumas árvores a frente.
Kevin tirou uma espada das costas e a segurou com força.
—Princesa? O que faz aqui? Não devia estar no castelo? —Era um homem velho, acompanhado de uma carruagem.
—Estou em uma viagem! —Celine olhou para Kevin e fez um sinal para ele abaixar a espada, mas foi ignorada.
—Afaste-se homem! —Kevin gritou apontando a espada.
—Só estou confuso, não quero incomodar!
O soldado Hamisen correu em direção ao homem, o empurrou na grama, e em segundos o matou com cortes em seu peito.
—O que você fez? O QUE VOCÊ FEZ? —Celine gritou desesperada.
—Ele ia contar para alguém e essa pessoa iria contar para outra, e ainda hoje Damon saberia por onde passamos.
—Ele..., ele era inocente.
—Você tem que entender que muitos inocentes precisarão morrer para que você consiga sair daqui. E apesar de tudo, a carruagem dele será útil.
—Ele era só um possível comerciante, não precisava disso!
—Acredite em mim Celine, precisava, agora vamos. Quero chegar na próxima cidade ainda hoje.
Deixando cair algumas lágrimas Celine entrou na carruagem e cobriu as duas janelas laterais com lençóis, enquanto Kevin prendia o cavalo na mesma.
Passados alguns dias eles finalmente chegaram na cachoeira Hitorya passando por todas as cidades que foram destruídas pelo dragão de Damon. Ultrapassando a divisória de Nyesa e Ascarian eles cruzaram a cachoeira, e saíram do reino, sem serem vistos por mais ninguém.
—Mais quantos dias até chegar à capital? —Celine perguntou saindo da carruagem.
—Uma semana, estamos quase.
—Não perguntei isso durante todos os dias, mas não sai da minha cabeça, e quanto a você?
—O que quer dizer?
—O que vai ser da sua vida? Damon irá querer te matar tanto quanto eu.
—Não quer minha presença? Irei te acompanhar até onde for.
—Mas esse é o problema não sei para onde ir, não posso ir até meu pai, e há uma guerra acontecendo! Só sei que preciso achar uma amiga, ela é tudo que tenho.
—Por isso confie em mim para te proteger. Irei te ajudar a encontrar essa amiga, tem ideia de onde ela possa estar?
—Não! Ela está desaparecida a cinco anos.
—Iremos encontrá-la não se...
Um som estrondoso veio dos céus e assustou os dois. Rugidos desciam as nuvens e sobrevoam no ar. Quando eles olharam para cima, avistaram o dragão vermelho de Damon voar pelo céu com rapidez.
Damon estava em direção a capital, montado a seu dragão Anaik, com sangue frio e sem se cansar ele persistia vibrado com o intuito de tomar o trono de Norteya. Em menos de três dias, com paradas rápidas para se alimentar e passar a sede, ele chegou ao castelo real.
A população se assustou ao ver o dragão sobrevoar os céus, sinos de alerta foram tocados em várias cidades principalmente perto do castelo. Pessoas corriam nas ruas em desespero pelo medo do que estava acontecendo. Ninguém pôde detê-lo
Em frente ao castelo Damon desceu do dragão e ordenou a presença do rei, e em alguns minutos o mesmo saiu pelo portão.
—Rei Logan, que bom ver o senhor! —Damon começou a gargalhar.
—O que quer Damon? Por que diabos veio aqui montado no dragão? Você ficou maluco?
—Sua filha fugiu.
—O que?
—Lembra do nosso trato..., não lembra, meu rei?
—Como assim fugiu? Aquela menina não consegue matar uma mosca. COMO VOCÊ DEIXOU QUE ELA FUGISSE.
—Você confiou na ingenuidade dela e me prometeu o trono se eu a perdesse.
—Não irei te entregar o trono Damon, se é isso que quer dê meia volta e vá embora! Você já possuí Nyesa em mãos.
—Eu a amo, eu nunca amei ninguém como amo sua filha Logan!
—Vá embora Damon não irei repetir!
—O trono é meu.
Damon subiu no dragão e gritou novamente estendendo uma espada.
—O TRONO É MEU!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top