Capítulo 12- O Distrito Calabra

Fronteira

Kanor Xaoha se encontrava em um êxtase de emoções. Seus membros não respondiam a sua mente, suas pernas tremiam ao sentir o frio do ar, sua boca ressecava aos poucos em uma sequência de cortes. Ele não conseguia parar de pensar no que havia acontecido, e no que estava para acontecer. Sentia uma grande tristeza tomando conta de si. Seus olhos estavam marejados e ele se esforçava para não chorar na frente dos outros. Ele tinha uma luta pela frente, um caminho a ser percorrido, um difícil caminho. Apertando seu braço ele pensou em tudo em que desejava conquistar, em todo sofrimento que terá que suportar, em todos os sacrifícios que virão.

Terminando de subir a cachoeira mágica usada como saída de Dankanar, Kanor sentiu seus olhos apertarem. O sol fundiu-se a sua pele e ele sentiu um calor o dominar. Kanor estava de volta ao seu verdadeiro lar.

Namôra Danamark e os cinco jovens de Dankanar terminaram de subir e pisaram sobre a superfície pela primeira vez, suas emoções estavam a flor da pele. Os cabelos brancos de Namôra balançavam ao vento enquanto ela olhava para o céu aberto pela primeira vez em anos. Seus olhos encheram de lágrimas, e ela sentiu uma leveza em seu coração.

—É tão bonito! Tudo é muito lindo! —Namôra se encantou.

—Não é como as histórias que ouvimos. —Um dos jovens disse.

—Não, é ainda mais bonito! —Namôra respondeu.

—Assim que me senti quando vi Dankanar pela primeira vez! —Kanor riu.

—O céu é enorme, Kiari iria amar ver isso! —Namôra exaltou enquanto tirava seus sapatos para sentir a neve. —Você disse que Jaroak é repleto de desertos!

—Jaroak é do outro lado da fronteira, estamos do lado de Norteya. Temos que atravessar a ponte. —Kanor respondeu. —Mas ainda assim teremos que caminhar bastante até chegarmos aos desertos de Jankiari.

—Será que alguma mulher irá se apaixonar por mim aqui? —Um dos jovens disse.

Este jovem era Lafroy Lumas. Lafroy é um jovem de dezoito anos com cabelos brancos, que contrastam com sua pele morena. Ele tem uma estatura baixa e uma figura arredondada, o que o faz parecer mais jovem do que realmente é. Sua personalidade é gentil e inocente, com uma alma compassiva e generosa. Seus olhos alaranjados brilham com a curiosidade de um aprendiz. Ele não tem habilidades em combate e mal sabe manejar uma espada, mas sua natureza otimista o impulsiona a querer aprender.

—Namôra você trouxe uma criança para uma guerra? —Kanor se indignou.

—Lafroy não é uma criança, só é estúpido. —Namôra avaliou o jovem de cima a baixo.

—Eu estou ouvindo. —Lafroy abriu um sorriso forçado.

—Sabe ao menos lutar? 

—Só tive uma aula com a Namôra, e me inscrevi aos treinamentos de batalha pois achava ela gostosa. —Lafroy afirmou.

—É sério Namôra? —Kanor a olhou de canto.

—O que é? Não tinha opções, nem todo mundo quis arriscar a vida para te salvar Kanor. Se não fosse por mim você estaria levando no rabo agora.

—Como quiser. Vou considerar que o garoto possuí sangue azul e todas as habilidades que vocês de Dankanar adquiriram. —Kanor disse passando as mãos em seu cabelo.

—Certo. —Namôra olhou o jovem com um olhar sarcástico.

—Agora vamos andando, nossa viagem vai ser longa até chegarmos a primeira cidade de Jankiari! —Kanor comandou.

A concepção de vida e morte em Xaoha sempre foi uma incógnita para todos que já respiraram o ar fresco do continente. Todos aqueles que vivem suas pacatas vidas sobrevivendo nas terras Xaohanas possuem algo em comum, o medo. No distrito Calabra, pertencente ao reino Hakyan de Norteya, essa concepção é muito maior.

Os Pântanos de Hakyan são uma vasta área pantanosa que se estende por quilômetros a fio em Norteya. Esse ambiente úmido e lamacento é um dos mais perigosos e inóspitos da região. É aqui que o Distrito Calabra foi instalado, em meio aos canais sinuosos e lamaçais escuros que se formam na paisagem.

O Distrito Calabra é um lugar sombrio e perigoso, habitado por homens cruéis que se aproveitam da miséria dos moradores para dominar e controlar. O comércio de escravos, o tráfico de mercadorias e a violência são as principais atividades no distrito, que é conhecido por suas ruas estreitas e escuras, onde a lei é definida pelos criminosos mais cruéis, e bruxos mais poderosos. As casas são construídas sobre estacas, acima do nível da água, mas mesmo assim a umidade e a escuridão são constantes. O povo de Calabra vive em meio à sujeira e à podridão, e a esperança é um luxo que poucos podem pagar.

Celine Ascarian e Kevin Hamisen seguiam uma viagem em direção a Calabra, na esperança de encontrar Kiana Mormont ainda viva. 

Eles seguiram em direção ao sul, passando pelas montanhas geladas de Norteya, com a neve batendo em seus rostos e as árvores retorcidas ao seu redor. Depois de dias de viagem, eles chegaram a uma densa floresta, onde tiveram que enfrentar uma fome dolorosa, e um frio incomodante.

Após atravessar a floresta, Celine e Kevin chegaram a uma cidade pequena, onde tiveram que se esconder em becos e se disfarçar para evitar serem reconhecidos pelos soldados do rei Damon. Eles conseguiram encontrar um estábulo para o cavalo e comprar provisões para a viagem, mas tiveram que fugir às pressas quando descobriram que os soldados estavam procurando por eles.

Os próximos dias de viagem foram ainda mais difíceis, com Celine e Kevin enfrentando tempestades e chuvas torrenciais enquanto atravessavam riachos e rios. Eles passaram por aldeias e cidades abandonadas, onde as casas estavam queimadas e os campos estavam desolados, devido a guerra. Finalmente, eles chegaram ao distrito Calabra, um lugar sombrio e perigoso, onde os homens eram cruéis e a lei não existia.

Celine e Kevin se esconderam em um beco escuro, e deixaram o cavalo preso a uma estaca, tentando descobrir uma maneira de encontrar o líder do distrito e descobrir informações sobre a amiga de Celine, que havia sido vendida como escrava. Agora, eles estavam escondidos em uma praça suja, planejando sua próxima jogada.

—Nós estamos quase lá, Kevin. Nós vamos encontrar a minha amiga e tirá-la daqui.

—Eu não sei, Celine. Este lugar é perigoso demais. Nós não deveríamos estar aqui. —Kevin diz olhando ao redor.

—Nós não temos escolha, Kevin. Eu não posso deixar minha amiga sozinha nesse inferno. Nós vamos encontrar um jeito de sair daqui vivos, eu prometo. Viajamos por um motivo. Eu preciso protegê-la do mal que meu pai a causou.

—Você a ama muito, não é?

—Mais do que tudo nessa vida. Eu preciso dela.

Os dois foram surpreendidos e interrompidos com a chegada rápida de um homem encapuzado, segurando uma faca nas mãos. Ele golpeou Celine e a agarrou por trás, colocando a faca em seu pescoço.

—Olá amigos!

—Solta ela agora filho da puta! —Kevin saca sua espada e a leva em direção ao homem.

—Não vou machucá-la se me derem o que eu quero.

—O que..., o que você quer? —Celine disse pausadamente. 

—Me deem o cavalo.

—Não mesmo! —Kevin gritou.

O homem pressionou a faca ao pescoço de Celine, fazendo um pequeno corte. 

—O inferno vai adorar receber essa putinha!

—Tá bom..., leva ele seu merda! —Kevin bufou e levantou a espada em sinal de rendimento. 

O ladrão soltou Celine e a jogou no chão, rapidamente ele deslaçou o cavalo e montou.

Em um salto rápido, Kevin pulou em direção ao homem e o jogou no chão, derrubando-o do cavalo. Kevin apertou o cabo de sua espada e a fincou fortemente no peito do homem, que começou a sangrar muito, sujando tudo ao redor.

—O inferno vai adorar te receber!

—Kevin! —Celine se assustou.

—Ele merecia. 

Sem que pudessem impedir, o cavalo ainda solto correu do beco e os abandonou.

—Era tudo que precisávamos mesmo! —Kevin ironizou.

—A gente recupera, fica tranquilo. Agora a vida daquele homem não!

—Ele ia te matar Celine. Ele mereceu.

—Mas não matou. Eu quero confiar em você Kevin, mas tenho medo, medo de acordar morta por você! 

—Eu sou um soldado princesa, soldados são feitos para matar. Se fosse de minha índole consolar todos aqueles que matei, gastaria grande parte do meu tempo, e nós não temos tempo! Irá morrer, quem precisar morrer! Irei matar, quem precisar que eu mate!

—Só não quero ter medo de você!

—Confie em mim, minhas palavras não bastam? Eu jurei a você que irei te proteger, e assim será!

—Pois me prometa que irá assassinar somente aqueles que eu ordenar!

—Celine...

—Prometa!

—Eu prometo. 

Ela fez um gesto com a cabeça e sorriu. 

—Eu sinto coisas boas vindas de você Kevin Hamisen, e quero acreditar na minha intuição.

—Pois faça dela sua verdade! —Kevin disse calmamente.

Eles fixaram o olhar um no outro por um instante, e em seguida seguiram caminhando.

Encontrar Kiana, e poder a abraçar, confortaria o coração de Celine, e a acalmaria depois de tanto sofrimento e transtorno. Essa tarefa em questão não seria fácil, visto que para a encontrar teriam que enfrentar os perigos do distrito Calabra. Seu corpo as vezes tremia quando se lembrava do momento em que matou seu pai, mas nenhum remorso ou arrependimento era perceptível.

Os dois esperaram até que um comércio local abrisse, e entraram no estabelecimento. A loja era um quiosque de bebidas alcoólicas baratas. O local era revestido a uma madeira fraca e rachada, com prateleiras laterais centrais a janelas quebradas. Atrás de um balcão estava um homem velho de cabelos cinzentos e barba relativamente pequena.

—Em que posso ajudar? —O velho se levantou.

—Estou à procura de uma pessoa que foi vendida ao mercado de escravos de Calabra. Sabe por onde começo?

—Bom..., sou um mero vendedor de vinho ruim, não posso te ajudar com isso nem mesmo se eu quisesse! Porém, apesar dos pesares, conheço a pessoa certa para te ajudar, mas para seu azar é uma das pessoas mais cruéis e inacessíveis de Calabra. —O velho resmungou. —A bruxa mãe!

—Bruxa mãe? Qual seria o nome dela? —Kevin indagou.

—Bruxas e bruxos de Calabra não possuem nomes, mas sim títulos que os revigoram em seu ímpeto misterioso e dominador. Isso os faz subir em uma hierarquia injusta e melancólica aqui! A bruxa mãe é uma espécie de rainha para os bruxos, por isso ela comanda todo o comércio de escravos, ameaçando os vendedores pelo seu poder, e conquistando tudo o que pretende conquistar.

—Sabe onde posso encontrá-la?

—Ora, essa pergunta poderia se basear em uma forma de suicídio! —Ele riu. —A bruxa mãe e seu império, por assim dizer, se localiza no lugar mais perigoso de Calabra, o lago dos duendes, estabelecido no centro dos pântanos do distrito. Aqueles que um dia tentaram cruzar o pântano em direção ao lago morreram, acabando com suas infelizes vidas. A bruxa mãe possui o poder que tem por um motivo, o difícil alcance. Uma bruxa isolada em um lago, comandando grande parte do distrito, cometendo crimes diariamente, não seria tola em viver perambulando pelas ruas. Ninguém além dos bruxos viu seu rosto ou sua estatura, pode ser qualquer pessoa nesse lugar.

—Ótimo, vou ser a primeira a vê-la. —Celine concluiu. —Eu não desisto fácil senhor, espero que essa bruxa saiba disso.

—Ó querida, nenhum de seus argumentos e vontades são mais fortes que o poder dos bruxos. Você já vivenciou alguma vez? Já ficou de frente a um bruxo e o desafiou? Ao menos é de Hakyan? Se não, não sabe o que está falando, ou a gravidade de suas pretensões.

—Lago dos duendes, não é? —Celine ignorou suas falas e continuou.

—Exato. De qualquer forma, te desejo boa sorte, mesmo não sendo suficiente.

—Obrigada senhor. —Celine agradeceu.

—Não vamos beber nem um pouco? —Kevin ironizou.

—Vamos antes que seja tarde. —Celine sorriu o olhando.

—Lembrem-se..., todo bruxo possui seu preço maior que sua vontade! —O velho disse baixo. 

Deixando o senhor, eles saíram da loja e seguiram caminhando pelas ruas de Calabra.

Celine e Kevin caminhavam com pressa pelos pântanos do distrito Calabra, desviando dos arbustos espinhosos e saltando sobre os riachos turvos. A cada passo, sentiam o cheiro fétido dos pântanos e o barulho das criaturas que espreitavam na escuridão. Kevin, com sua espada, se mantinha alerta para qualquer ataque inesperado, enquanto Celine tentava esconder sua repulsa ao seu redor.

Eles passavam em vários bares a procura da dona em que o velho afirmou saber o caminho até o lago, mas até então nenhum era o certo.

Celine sentia um medo profundo a cada passo que dava, mas sabia que tinha que continuar. Eles procuravam o lago dos duendes, mas não sabiam o caminho. Enquanto caminhavam, Celine observava o lugar horrorizada com tudo o que via. Ela não conseguia acreditar que alguém pudesse viver naquele lugar tão sombrio. Ela se perguntava como as pessoas poderiam ser tão cruéis e viver daquela forma. A cada instante, a visão dos corpos dos mortos e das cenas de violência que passavam diante de seus olhos a deixavam mais atordoada.

Como Celine passou muito tempo fora da capital, durante sua fase de adolescência, ninguém a reconhecia como a princesa filha de Logan, mas sim como qualquer cidadã de Hakyan.

Entrando a um bar, olhares analisadores e instigados seguiam os dois enquanto adentravam o local. Em um balcão estava a dona do bar, Paimont Silivar, uma mulher adulta de cabelos loiros, magra, vestida a um conjunto de couro sujo e uma touca rasgada.

—Olá, boa tarde senhora! —Kevin cumprimentou.

—O que vão querer? 

—Nós não viemos para..., queremos informações! —Celine disse.

—Informações? Que tipo de informações? Sou uma vendedora, não uma informante!

—A senhora é dona deste bar? 

—Não sou senhora, e sim sou dona, por qual motivo a pergunta?

—Estamos à procura de uma mulher que presenciou o lago dos duendes!

—Vão embora. —Paimont se virou e começou a limpar copos com um lenço.

—Senhora..., desculpe, moça precisamos da sua ajuda! É de grande importância, eu posso garantir! —Celine suplicou.

—Não vão conseguir o que querem, não se tiver relação ao lago dos duendes. —A mulher disse de costas.

—Estou à procura de uma amiga, ela foi vendida como escrava aqui em Calabra. Apenas uma pessoa poderia me informar onde ela está, a...

—Bruxa mãe! —Paimont tornou-se de volta a eles. —Desistam, antes que seja tarde!

—Por favor, eu imploro. Você é tudo que temos, e nada do que falar, ou qualquer um falar, me impedirá de continuar a procurando. Por favor!

A mulher bufou e respirou fundo.

—Tudo bem, venham comigo. 

Ela fez um sinal para que o seguissem, logo após os dois saltaram o balcão e entraram em uma cozinha. 

—Quero que fiquem cientes de que irão morrer, e se não morrerem, irão carregar um fardo enorme pelo resto de suas vidas! —Paimont voltou a dizer. —Calabra já é perigosa por si só, mas o lago dos duendes, é o inferno de Xaoha.

—O que tem de tão ruim nesse lugar? 

—É o lar dos bruxos cruéis, e bruxos são impiedosos diante a seus poderes. Estejam preparados. Quando viajei até lá, viajei na companhia dos meus pais na esperança de conseguir uma cura para a doença de minha mãe. Um bruxo obrigou que meu pai estrupasse, ele a fez ficar mais doente ainda com um feitiço, e durante o ato ele teve que a esfaquear várias vezes, tudo isso com uma corda em meu pescoço, ameaçando a minha morte. Eu tinha apenas dez anos, e ele disse que se eu matasse meu próprio pai poderia ir embora. Meu pai deixou..., deixou eu o esfaquear até a morte, enquanto repetia várias vezes que me amava. O problema do lago dos duendes não são monstros, ladrões, animais selvagens ou até mesmo duendes, mas sim bruxos e bruxas. 

—Eu sinto muito! —Celine a consolou.

—Bom, é passado, temos que lidar com o passado.

—Como pretende nos ajudar? Senhora...? —Kevin indagou.

—Paimont Silivar, e já disse que não sou uma senhora. Vocês são?

—Sou Kevin Hamisen e essa é Celi...

—Celia Pront. —Celine o interrompeu mentindo seu nome.

—Certo, Celia e Kevin me sigam por favor.

Paimont cruzou toda a cozinha e abriu uma porta de fundo, saindo para um quintal.  O quintal velho e seco está coberto de grama morta e folhas marrons, quebradiças sob os pés. O ar está repleto de poeira e a sensação de abandono é palpável. Uma árvore morta, com galhos retorcidos, paira sobre a cena como um espectro sombrio. A cerca de madeira que circunda o quintal está caída em vários lugares, deixando espaços para a entrada de animais indesejados.

No fundo do quintal, fica uma casa antiga e decrépita. Suas janelas são cobertas de poeira e teias de aranha, e suas tábuas rangem a cada passo. A porta da frente está enferrujada e mal se mantém fechada, rangendo sinistramente ao menor sopro de vento.

—Entrem e me esperem nessa casa. O caminho só é descritivo se eu os guiar até lá. Quando anoitecer e eu fechar meu bar, levo vocês até o lago.

—Como podemos confiar em você? —Kevin a reprimiu.

—Como vocês mesmo disseram, eu sou tudo o que têm! —A mulher abaixou a cabeça em um comprimento e saiu do quintal voltando ao bar.

—Tem certeza de que é o único jeito? —Kevin se virou para Celine.

—Qualquer oportunidade é o suficiente para que eu encontre Kiana viva. E eu vou encontrá-la!

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