Capítulo XX

Anastásia havia recebido uma carta escrita por sua mãe adotiva durante seu desjejum. Nádia comunicou que seu pai estava bem, e milagrosamente agradeceu pela ajuda dela. Ficou satisfeita e feliz por Ygor estar melhor e se recuperando bem. Voltou a tomar sua sopa tranquilamente e colocou a carta ao lado do seu prato. Feodora sentou-se ao seu lado logo em seguida, falando sobre a nova turbulência na família Bulganov.

— Gregori disse que a czarina está grávida.

— Isso não deveria ser bom? — Anastásia tomou mais da sua sopa.

— Deveria, eu acho. Mas tudo nessa família me deixa no mínimo confusa.

— Sério? Acho tudo aqui muito claro.

— Porque convive mais com eles, somente por isso. Pergunte aos outros empregados, vão dizer o mesmo que lhe digo.

— Digo-lhe que vocês têm uma imagem muito precipitada deles. Essa Lara não transmite algo bom para quem está próximo dela, entende?

— Entendo perfeitamente. Lembro a maneira como ela olhou para você. Era um olhar de desprezo, nem a conhecia ao menos. Ela odeia qualquer coisa que venha da czarina falecida. Chega a ser terrível.

— Acho que esse filho pode amolecer o coração dela.

— Possui um coração muito bom. — colocou a mão na de Anastásia. — Ninguém aqui tem fé nela, acho que nem ela mesma.

— Pois deveriam ter. — levantou-se e pegou o prato já vazio. — Não adianta reclamarem o tempo todo do temperamento da czarina se ninguém tem fé dela melhorar, nem que seja minimamente. Fica um ar estranho no palácio o tempo todo. É ruim até para nós empregados. — Anastásia colocou o prato na pia. — Ela precisa ser mais amada. Talvez a culpa seja não somente dela, mas do marido também.

— Ninguém jamais ousou dizer isso do czar. — Feodora falou espantada.

— Bem, eu ouso.

— Acha mesmo que é culpa dele?

— Acho. É tão nítido que ele ainda ama a falecida esposa.

— Isso sempre foi nítido para todos.

— Imagine que seu noivo tivesse uma noiva que morreu. Depois ele começou a namorar você, noivou e casou. De repente, ele começa a falar sobre a falecida noiva, como ela era e o quão ele a amava. Isso deve ser totalmente frustrante. Deus, eu não desejo isso para ninguém. — voltou a sentar ao lado da amiga.

— Não deveria voltar para o quarto de Natasha?

— Sim, mas eu tenho que guardar essa carta no meu quarto antes do meu regresso ao quarto da grã-duquesa.

— Eu guardo para você.

— Tenho que pegar uma coisa para mostrar a Dimitri.

— Dimitri? — Feodora cruzou os braços.

— Sim, irmão de Natasha.

— Parece até que são melhores amigos pelo grau de intimidade que vejo você tratando eles.

— Eles são bons comigo, permitiram o uso do primeiro nome quando não estivéssemos próximos de alguém. — ficou ruborizada.

Feodora lançou um olhar desconfiado para Anastásia, depois deu um pequeno sorriso.

— Posso ir com você até seu quarto?

— Claro.

Elas foram em direção aos corredores dos quartos dos empregados. Anastásia abriu a porta do seu quarto e as cortinas, pois mais cedo não teve muito tempo. Organizou umas roupas que estavam no chão, e Feodora começou a arrumar a cama.

— Isso aqui está uma verdadeira bagunça. — reclamou com Anastásia.

— Não sou bagunceira, mas acordei atrasada hoje. Tive uns sonhos ruins.

— O que tinha nesses sonhos ruins? — começou a afofar o travesseiro.

— Um homem querendo me matar, mas ao mesmo tempo ele dizia que me amava. — coçou a nuca. — Ele tinha uma voz ameaçadora.

— Deus é mais. Reza antes de dormir?

— Não.

— Comece. Ajuda bastante.

— Obrigada pela dica. — sorriu e colocou a carta dentro da gaveta. — Agora preciso achar o que eu procuro. — Anastásia começou a vasculhar dentro das roupas o broche. — Eu deveria ter colocado em um lugar melhor. — tateou mais as roupas até achar. — Finalmente achei!

— O que tanto procura? — perguntou curiosa.

— Esse broche. — mostrou para Feodora.

Feodora ficou pálida de repente, como se tivesse visto algum fantasma em sua frente.

— Onde... — gaguejou. — Onde encontrou isso?

— Sempre esteve comigo. — respondeu carinhosamente, pois tinha um amor por aquela joia que poderia revelar seu passado.

— Não consigo entender. — colocou as duas mãos na cabeça.

— O que não consegue entender? — Anastásia perguntou confusa.

— Como você tem esse broche.

— Eu sou adotada, Feodora. Esse broche é a única pista da minha família.

— Espere aqui, vou chamar Irina. Essa hora ela deve estar na cozinha.

— O que tem Irina com isso tudo? — perguntou ainda mais confusa.

— Apenas espere aqui.

Ela saiu correndo do seu quarto. Ela nunca havia visto sua amiga tão assustada daquela maneira. Como se o mundo estivesse prestes a acabar, e só ela podia salvar todos. Deu de ombros, e foi terminar de arrumar a cama, esperando o retorno de Feodora com Irina.

— Não estou entendendo todo esse seu nervosismo, Feodora. — Anastásia ouviu a voz de Irina vindo do corredor. — Espero que seja algo realmente importante.

— Muito mais do que a senhora possa imaginar. — respondeu Feodora.

Demorou poucos segundos para que elas adentrassem o quarto.

— O que tem a Srta. Tchecova? — Irina a olhou com curiosidade.

— Mostre a ela o que me mostrou. — a mulher disse nervosamente.

Anastásia pegou da gaveta o broche novamente e o levou até Irina. E a governanta do palácio começou empalidecer, olhando-a assustada.

— Santo Deus. Por favor, responda-me, onde encontrou isso? — perguntou pausadamente.

— Sempre esteve comigo.

— Como assim?

— Eu sou adotada, Irina. Não sou uma legítima Tchecov. Esse broche é uma pista da minha família. Gostaria de entender o que está acontecendo. — seu coração batia de forma descontrolada. — Eu não roubei nenhuma joia do palácio.

Irina e Feodora fizeram uma reverência diante dela.

— Por que estão fazendo isso? — perguntou assustada.

— Você é Anastásia Bulganova, a grã-duquesa perdida. — respondeu Irina.

Ivan estava morrendo de fome no seu esconderijo, mas aprendeu durante seu treinamento no exército russo a ter resistência em situações como aquela. Todo dia ele pensava nas diversas maneiras de matar Ygor e sua família. Ele desejava vingança a todo custo. Aquele maldito Tchecov praticamente deu sua cabeça para o czar Bulganov, e ele iria pagar muito caro por aquilo.

Todo dia pensava em uma maneira de sair daquele lugar para voltar para aquele bairro maldito no qual havia vivido durante todos aqueles anos. E ele iria primeiro na casa dos Tchecov dar um jeito neles, principalmente na insuportável da Nádia Tchecova. Por causa dela, todos seus planos foram destruídos. Por causa dela, Anastásia havia fugido e tinha ido parar no palácio Peterhof junto ao czar e sua família.

Ivan não conseguia decidir de quem ele tinha mais raiva, mas Nádia estava ganhando de Ygor em disparado.

Estava tendo delírios por causa da fome que sentia, e sempre via o fantasma de Sasha Bulganova andando em seu esconderijo com seu olhar morto e sangue por todo seu corpo. Era algo torturador para ele, que chegava a gritar para que ela se afastasse dele. Sentia medo toda vez que tinha aquelas alucinações, e pedia a Deus para livrá-lo daquilo, apesar de todos seus pecados imperdoáveis. Mas Deus queria castigá-lo, disso ele tinha total convicção.

Estava sentado, tremendo de frio e novamente Sasha veio em suas alucinações.

— Irá pagar por tudo que fez a mim e minha família. — sua voz melancólica surgiu. — Ivan Tchaikovsky, terá um fim terrível.

Ele tampou os ouvidos, mas as palavras delas não saiam da sua mente.

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