Capítulo XIV

Anastásia passou o resto do dia pensando se seria demitida. Se fosse nada poderia fazer, pois tinha que aprender a controlar sua boca, principalmente diante de um membro da família imperial. Dentro dela havia um orgulho por não ter deixado de ser quem era, no entanto tinha que saber até quanto poderia ultrapassar a linha.

A tempestade de neve havia cessado um pouco, fazendo com que pudesse passear pelos jardins do fundo do palácio. A fonte estava congelada, as árvores estavam sem folhas e cobertas de neve, não enxergava nenhum sinal de planta. Respirou fundo enquanto pensava na vida, coisa que sempre fazia quando estava sozinha.

Sentia-se sozinha muitas vezes, tentava se agarrar em alguma lembrança feliz, mas não achava nenhuma. Desejava não ser melancólica, mas acabava sendo na maioria das vezes, e era um sentimento que considerava insuportável. O engraçado é que não conseguia se lembrar do passado, só dos seus sete anos adiante. Seu pai adotivo disse que ela havia perdido a memória com a pancada que tinha recebido, por isso não se lembrava de nada.

Possuía algumas cicatrizes, das quais ela não possuía conhecimento e era frustrante. E o pior de tudo, não tinha nenhuma pista da sua família, só um broche. Deduziu que era uma família rica, aquilo não aparentava ser uma joia falsa, e sim verdadeira. O que a incomodava era saber que provavelmente sua família era rica e a tinha abandonado. Mas também pensou na hipótese de ser fruto de uma relação proibida ou adúltera.

— Srta. Tchecova? — uma voz masculina perguntou atrás dela.

— Sim? — percebeu que era um guarda.

— Um senhor diz ser seu pai e quer falar urgentemente com a senhorita.

— Meu pai? O que ele quer aqui?

— Não sei senhorita. — respondeu sério. — Ele a aguarda nos portões, posso levá-la até ele.

— Claro. Obrigada.

Ela começou a seguir o guarda pelo jardim. Ele foi por um caminho pelo qual ainda não conhecia, e vários guardas passaram por eles parecendo que eles nem existiam ali. Abraçou seu corpo, de repente sentiu um arrepio, como se alguém estivesse observando e querendo fazer algo a ela. O guarda que havia avisado que seu pai estava nos portões do palácio, parou para falar com outro guarda.

— Recebemos ordens de ficarmos vigiando os jardins do fundo.

— Eu sei. — ele indicou com a cabeça Anastásia. — Só vou levá-la para ver o pai que está nos portões.

— Por que não o trouxe para dentro? O homem esperando todo esse tempo lá fora.

— Você sabe que não podemos trazer ninguém para dentro.

— É o pai da dama de companhia de uma grã-duquesa.

— Poderia não ser. Quando ela reconhecer que é o pai dela, ele poderá entrar.

— Está certo. — o outro guarda a observou. — Parece assustada?

— Só estou confusa com a presença do meu pai aqui.

— Pais sempre nos surpreendem. Ontem minha mãe veio aqui trazer um pedaço de torta. Fui perturbado o dia inteiro. — o guarda riu. — Mas a torta estava ótima.

— Como é seu nome? — Anastásia perguntou rindo.

— Nicholas Sokolov, senhorita.

— Anastásia Tchecova. — estendeu a mão. — Por mais que não tenha perguntado. — deu um sorriso e ele estendeu a mão sem graça. — Foi um prazer conhecê-lo. Boa vigia. Vamos...?

— Edik Morozov.

— Não quero meu pai morrendo congelando lá fora.

— Nem eu, eu me sentiria bastante culpado.

Eles riram e voltaram a caminhar. Quando Anastásia se virou, Nicholas também havia se virado e acenou para ela. Somente riu, se virando novamente.

— Não que seja da minha conta Srta. Tchecova, mas cuidado com Nicholas.

— Por que eu deveria tomar cuidado com ele?

— Ele sabe ser sedutor quando quer.

— O senhor acha mesmo que eu...?

— Não acho nada, só estou lhe dando um aviso.

— Senhor, eu só quero ter amigos nesse palácio.

— E por que não procurou antes?

— Não faz muitos dias que estou aqui.

— Nós temos que gravar o nome de todos os funcionários, visitantes, famílias reais que pisam os pés aqui. E o seu eu não me recordava, e é um nome muito fácil devido às circunstâncias.

— Talvez seja por isso mesmo. Ouvem demais, e acaba se tornando um nome irrelevante.

— O nome de uma grã-duquesa ser irrelevante? A senhorita é maluca? — Edik riu. — Eu daria tudo para encontrar essa menina.

— Tem alguma recompensa para quem achá-la?

— Eu poderia subir de posto, deixar ser um simples guarda. Meu sonho é ser tenente.

— Basta você ter um pouco de fé e dará tudo certo, Edik.

— Você está certa, Tchecova.

— Eu sei que estou. — sorriu com satisfação. — Poderia pedir para abrirem o portão para meu pai entrar?

— Claro.

Edik saiu correndo e pediu para os guardas abrirem os enormes portões de ferro com o brasão da família Bulganov. Edik chamou seu pai, que veio andando com uma expressão de dor, o que deixou Anastásia preocupada.

— Sr. Tchecov queira me perdoar por deixá-lo tanto tempo sozinho do lado de fora.

— Eu entendo, deve ser ordens do palácio. — Ygor disse rangendo os dentes.

— Pai. — Anastásia sorriu. — O que o senhor faz aqui? Nádia permitiu vir me visitar?

— Ela não manda tanto assim em mim. — sorriu. — Preciso conversar com você a sós.

— Estou indo para o jardim dos fundos. Foi um prazer conhecê-lo, Sr. Tchecov.

— Igualmente.

Edik saiu, deixando Anastásia e Ygor sozinhos. Ela começou a andar e Ygor começou a segui-la. Ela tirou a neve que estava na cadeira de ferro perto de uma árvore e se sentou, apontando para o pai se sentar também.

— Eu estou realmente curiosa para saber o que o senhor faz aqui.

— Preciso da sua ajuda.

— Eu não sabia que viria tão cedo atrás de ajuda. — ficou séria. — Ainda não recebi meu salário.

— Eu levei um tiro, Anastásia.

— Como? — assustou-se. — Quem atirou no senhor?

— Alguém muito perigoso. Mas não quero deixar você preocupada. — ele gemeu. — Estou sentindo muita dor. Não consigo comprar os remédios necessários para passar a dor.

— O que eu posso fazer? — pegou suas mãos que estavam enluvadas.

— Aqui deve ter remédios de todos os tipos, não tem como conseguir alguma coisa?

— Eu mal comecei aqui, como posso pedir alguma coisa?

— Vou acabar morrendo de tanta dor que sinto. E o pior, está inflamando.

— Não foi em nenhum hospital?

— Você sabe como é complicado hospital público.

— Não importa! — falou alterada. — O senhor pode morrer! Tem noção disso?

— Absoluta.

— Quem pode morrer? — a voz de Dimitri surgiu, deixando-a assustada.

— Vossa Alteza. — Anastásia se levantou e fez uma reverência para Dimitri. — Meu pai com sua teimosia. — deu ênfase na última palavra.

— Vossa Alteza. — Ygor também se levantou e fez uma reverência. — Minha filha não é compreensível.

— Qual o motivo da discussão dos dois? — Dimitri cruzou os braços.

— Ele não quer ir ao hospital cuidar do ferimento.

— Qual o grau do ferimento? — sua expressão ficou preocupado.

— Ele levou um tiro.

— Anastásia. — Ygor a repreendeu.

— O senhor levou um tiro e não denunciou para nenhum guarda?

— É melhor o senhor não se meter nesses assuntos.

— Como... — seus olhos ficaram tempestuosos com a fala do seu pai adotivo.

— Vossa Alteza poderia me ajudar? — Anastásia mordeu o lábio.

— Com o quê? — Dimitri arqueou a sobrancelha.

— Eu sei que existe um hospital do exército. — deu uma pausa antes de continuar. — Poderia dar uma ordem para meu pai ir se cuidar lá?

— O senhor serviu o exército russo no período da guerra? — Dimitri se dirigiu a Ygor.

— Sim, Alteza.

— Guarda Anzor! — o grão-duque gritou.

Um guarda de uniforme preto veio correndo e parou ao lado de Dimitri.

— Esse é o Sr. Tchecov, pai da dama de companhia da minha irmã Natasha. Ele foi do exército no período da guerra. Levou um tiro recentemente. Quero que o leve para o hospital do exército imediatamente. E não comente com ninguém. Estamos entendidos?

— Sim Vossa Alteza. — o guarda respondeu. — O senhor pode me acompanhar, por favor?

— Sim. — virou-se para Anastásia e a abraçou. — Obrigado.

— Agradeça ao grão-duque, eu não fiz nada. — soltou-se do abraço constrangida.

— Obrigado Vossa Alteza. — fez uma reverência desajeitada.

— Não precisa agradecer. Agora vá logo, antes que piore sua situação.

— Claro. Adeus.

— Não deixe de mandar notícias, pai.

— Não deixarei.

Ygor saiu acompanhado do guarda. Pela primeira vez Anastásia não sentiu amargura ao chamar aquele homem de pai. Quando eles sumiram do seu campo de visão, se virou para Dimitri.

— Obrigada por isso, Alteza.

— Eu gosto de você, Anastásia. — sorriu. — Eu faria tudo de novo se precisasse.

Ouvir aquilo fez o coração dela ficar feliz.

— Eu também gosto de Vossa Alteza. — retribuiu o sorriso. — Devo essa para o senhor.

— Vou cobrar futuramente.

— Pode cobrar. — sorriu novamente.

— E, quando estivermos a sós, pode me chamar de você ou Dimitri. — piscou o olho direito, oferecendo um sorriso amigável. — Acho que seremos bons amigos.

Dimitri se sentia muito feliz em ter ajudado alguma pessoa. Sua mãe sempre lhe ensinou a ser bondoso com o próximo, principalmente com aqueles que não tinham uma condição muito boa. Anastásia falava pouco sobre sua infância, e ele tinha a impressão de que ela escondia muitas coisas.

Dimitri ouviu o barulho dos portões sendo abertos, com carros entrando, e logo depois um saindo, que provavelmente era o pai de Anastásia. Ele não sabia que esperava visitas para aquele dia. Seu pai não havia lhe comunicado nada, poderia ser coisa da sua madrasta. Os guardas abriram as portas do palácio para que ele e Anastásia pudessem entrar.

— Você está prestando em alguma coisa do que estou falando? — cruzou os braços. — Não minta, estava longe daqui.

— Estou curioso com a presença desses carros aqui.

— Vocês são da realeza. — ela riu. — São normais visitas inesperadas.

— Olha, não muito. — sorriu. — Elas têm que ser avisadas.

— Oh, claro. Como fui tola.

— Não foi, só não tem conhecimento sobre isso.

— Dimitri. — a voz da sua madrasta surgiu. — Preciso lhe comunicar uma coisa.

— Eu não a suporto. — Dimitri disse no ouvido de Anastásia, o que a fez rir. — Sim, Lara.

— Poderia nos dar licença? — se direcionou para Anastásia.

— Ela vai ficar aqui comigo, Lara. Você não percebeu que ela está em minha companhia?

A czarina olhou com desdém para a menina.

— Uma empregadinha?

— Eu gostaria de lhe dar uma resposta bastante mal-educada, mas minha mãe me ensinou a respeitar os mais velhos. — ofereceu o braço para Anastásia, que logo colocou o dela no dele. — O que querer me dizer, terá que dizer na frente de Anastásia.

— Como queira. — respondeu furiosa, olhando desconfiada para os dois. — Minha...

Suas palavras foram interrompidas quando os guardas abriram as portas, e duas figuras surgiram; uma bela jovem com um vestido azul e um homem loiro bastante alto andavam elegantemente na direção deles.

— Como eu dizia, minha sobrinha Elizabeth e meu sobrinho Phillip chegaram hoje. Eu quis fazer uma surpresa.

— Que surpresa interessante. — Dimitri apertou o braço de Anastásia.

— Titia! — Elizabeth se soltou do irmão e beijou o rosto da sua madrasta para depois abraçá-la. — Quanta saudade eu senti da senhora.

— Eu também, querida. — Lara sorriu.

— Vossa Alteza. — Elizabeth fez uma reverência para Dimitri e Anastásia.

— Alteza. — Dimitri beijou sua mão.

— Você é qual das irmãs Bulganov? Disseram-me que todos eram parecidos, mas não sabia que tanto. — Elizabeth sorriu para Anastásia.

— Ela é dama da minha irmã Natasha. — Dimitri sorriu quando viu a princesa inglesa envergonhada.

— Perdoe-me, eu não sabia. Ela se parece muito com o senhor.

— Eu sei.

— Elizabeth nunca se comporta quando vê algum parente. — Phillip resmungou e beijou a mão da tia. — Um prazer revê-la tia.

— O prazer é todo meu. — Lara beijou a bochecha do sobrinho.

— Não são três beijos que dão na Rússia? — Phillip tirou as luvas. — E a senhorita realmente se parece com o grão-duque.

— Eu vou me retirar. — Anastásia disse para todos, fazendo uma reverência. — Você é maluco, vou matar você. Que vergonha eu passei agora. — disse baixo em seu ouvido.

— Eu não sabia dessa palhaçada. — respondeu no ouvido dela. — Preciso conversar com você mais tarde.

Ela assentiu e saiu pelo salão.

— Vamos tomar um chá?

— Estou morrendo de fome. — disse Phillip olhando em direção para onde Anastásia tinha ido.

— Já mandei preparar uma sala para tomarmos um chá.

— O czar e seus filhos não vêm? — perguntou Elizabeth.

— No momento eles estão ocupados. — Dimitri ofereceu o braço para Elizabeth. — Vossa Alteza conhecerá todos no jantar.

— Estarei ansiosa para isso. — entrelaçou seu braço ao dele.

— Oh, eu também estou.

Dimitri se permitiu olhá-la com mais atenção. Aquele vestido azul tinha caído perfeitamente nela. Seus olhos eram verdes como a grama dos jardins na primavera. E seu sorriso era muito bonito. Eles poderiam se dar bem, ele só esperava que ela não fosse como a tia. Mas ele não poderia dizer nada sobre ela.

Não ainda. 

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