Capítulo XII
Tudo que Vladimir pensava no momento era quebrar todas as coisas que surgisse em sua frente. Sua mão não parava de sangrar e doer, mas naquele momento ela era o menor dos seus problemas. Ele sabia que não deveria ter explodido daquela maneira na frente dos filhos, mas não pôde evitar. Lara havia conseguido dissipar sua felicidade e bom humor com poucas palavras, como sempre.
Todos os funcionários que passavam pelos corredores do palácio olhavam assustados para a mão do czar que estava sangrando, e murmuravam o que poderia ter acontecido para a mão estar naquele estado. O camareiro do czar apareceu no corredor, e quando percebeu a mão sangrando, se assombrou.
— Vossa Majestade, o que aconteceu?
— Nada de importante. — respondeu secamente. — Não precisa se preocupar.
— Isso pode ter uma infecção, Majestade. Posso pedir para que o médico venha vê-lo.
— Não será necessário. — tranquilizou o homem.
— Tem certeza, Majestade?
— Tenho Alexei, realmente não precisa se preocupar. — Vladimir respirou fundo. — Está dispensado.
— Como quiser. — fez uma reverência. — Com sua licença Majestade.
— Pode ir.
Alexei saiu pelo corredor apressado. Todos os camareiros e damas haviam sido trocados, exceto o dele. Mas Lara insistiu em contratar um auxiliar para que Alexei tivesse folgas maiores, pois servia a família imperial há muito tempo com exímia dedicação, devoção e capricho. A ajuda dele foi fundamental para os tempos difíceis em Peterhof no passado. Vladimir agradecia a Deus todo dia por ter colocado um homem tão diligente em sua vida.
Resolveu olhar para a palma da sua mão. Estava uma coisa lastimável, e ainda tinha alguns filetes de porcelana, que tirou devagar e jogou dentro de um vaso que ornamentava o corredor. Sorriu ao pensar que se sua mãe estivesse presente naquele momento, daria uma bronca por ele ter feito isso e mandaria cuidar da mão imediatamente.
De repente, a dama de Natasha surgiu no corredor com um olhar perdido e distraído. Ela tinha o mesmo jeito de Sasha quando estava andando distraída, mas tirou esses pensamentos da cabeça, não podia alimentar falsas esperanças, confiaria na Polícia Militar Especial que estava procurando por Anastásia. Mas aquela garota tinha algo semelhante com sua família, algo que nem mesmo ele poderia explicar. Ela levantou a cabeça e se assustou ao ver o czar a observando.
— Vossa Majestade. — fez uma reverência, olhando para sua mão logo em seguida. — Sua mão...
— Está sangrando? Eu sei.
— E o senhor não vai cuidar da mão? — perguntou.
— Claro, mas não agora.
— Não quer que eu limpe e cuide para o senhor?
— Essa não é sua função no palácio.
— Eu não me importo, já cuidei de alguns ferimentos Majestade.
— Certo, vou aceitar sua ajuda. A mão está começando a latejar, e está começando a me incomodar. A senhorita poderia me encontrar no quarto da minha filha.
— Qual filha, Majestade?
— Anastásia.
Ele percebeu o olhar triste dela quando mencionou o nome. Provavelmente sua filha já havia contado a história para ela. Já era natural a tristeza se instalar em um local quando se falava sobre o sumiço de Anastásia Bulganova. Ele queria muitas vezes esquecer o passado, mas ele vinha atormentar todo dia, e seu coração dizia que ela estava viva, perdida em algum lugar.
— Vou buscar as coisas para cuidar da sua mão, Majestade. Volto em poucos minutos.
— Você sabe onde fica o quarto?
— Natasha me explicou como funciona o sistema das portas e suas iniciais.
— Oh, claro. Pode ir.
Ela assentiu e saiu apressada pelo corredor.
Intimamente, não queria que ninguém de fato cuidasse da sua mão naquele momento. No entanto, precisava saber quem era aquela menina tão semelhante aos seus filhos. Sempre tinha um pouco de esperança quando surgia alguém tão parecido com eles.
Queria ele que fosse aquela menina.
∑
Anastásia voltou com uma bacia com água quente, toalhas limpas, e curativos para cuidar da mão do czar. Feodora havia ajudado a lhe dar as coisas necessárias e comentou que todos no palácio estavam assustados com a cena do czar vagando pelos corredores com a mão sangrando, e que ninguém sabia o motivo. E contou que alguns comentaram que houve uma briga no café da manhã, porém ninguém sabia o motivo da discussão. Anastásia apenas ouvia o que ela dizia e assentia com a cabeça, pois nunca gostou muito de fofocas.
Enquanto subia as escadas, avistou a czarina no salão de baixo andando cabisbaixa, como se estivesse triste ou cansada de alguma coisa. Provavelmente os boatos entre os empregados estivesse certo: houve uma discussão mais cedo.
Quando a czarina a encarou, teve medo do seu olhar de ódio sobre ela e acelerou seus passos. Aquela mulher definitivamente lhe dava medo. Começou a andar pelas portas até achar "AB", e entrar no quarto. Ele estava sentado em uma poltrona azul celeste, parecia bastante reflexivo enquanto olhava algum desenho. Olhou por cima do desenho para ela, oferecendo-lhe um sorriso fraco, que retribuiu.
Colocou a bacia em cima de uma mesa que estava vazia, os curativos ao lado e mergulhou a toalha na água, indo logo em seguida onde estava o czar. Ajoelhou-se no chão, pegou sua mão com cuidado, passou a toalha com cuidado na ferida, e em nenhum momento ele puxou a mão com dor. Alguns cortes eram profundos, outros mais superficiais. Quando a toalha ficou totalmente suja, se levantou e pegou outra limpa para continuar o trabalho.
— Anastásia, por que veio trabalhar aqui? — o czar quebrou o silêncio entre eles.
— Eu achava que seria bom para mim, e eu nem sabia que conseguiria uma vaga tão boa. — respondeu. — Embora eu ache que só ganhei a vaga por causa de Sua Alteza, Dimitri
— Conhece meu filho? — arqueou a sobrancelha.
— O conheci de uma maneira bem estranha. — levantou-se para pegar os curativos na mesa. — Ele me perseguiu na estação do trem e chamou meu nome. Eu quase morri com o susto que ele me deu. — deu uma risada. — Hoje a situação parece muito engraçada, mas no dia não foi nada interessante.
— Então você é a garota da estação?
— Ele falou sobre isso com Vossa Majestade? — perguntou impressionada.
— Ele ficou bastante impressionado com a senhorita, principalmente com sua aparência.
— O que tem minha aparência?
— Não percebeu a semelhança com meus filhos?
— Não muito Majestade. — Anastásia mordeu o lábio. — Isso incomoda?
— Ainda não conversamos sobre isso, mas creio que não. Acho que somente a minha mulher.
— Sua Majestade não parece nutrir muita simpatia por mim. — terminou de fazer o curativo. — Tenho medo dela.
— Ela não gosta da pessoa com quem se parece. — riu com amargura. — Essa família é cheia de problemas, e eu não queria que isso acontecesse frequentemente. Mas a cada dia as coisas pioram, e eu não sei o que fazer. Agora estou atormentando uma jovem. Percebe? Estou ficando maluco. — encostou-se na poltrona e pegou o desenho novamente. — Esse é um desenho da minha filha, tenho poucas lembranças dela aqui. Não deixei que modificassem nada, somente limpassem o quarto. Ela gostava muito de azul, por isso tudo aqui é azul e dourado. Ela não gostava muito de bonecas, ela gostava brincadeiras ao ar livre. Amava cavalgar com seu pônei quando tinha cinco anos, sempre achei muito arriscado. — respirou fundo. — A vida é tão injusta.
— Papai, sabia que o encontraria aqui. — Dimitri entrou no quarto e fechou a porta logo em seguida. — Anastásia veio cuidar da sua mão?
— Veio. Uma gentileza da parte dela.
— Essa é a garota...
— Ela me contou.
— Papai aqui está muito frio, por que não pediu para acenderem a lareira?
— Eu não estava com cabeça para isso.
— Entendo. — aproximou-se do pai e olhou para Anastásia que já havia se levantado e estava arrumando as coisas. — Ele deu muito trabalho?
— Não, Alteza. — sorriu. — Tenho que ir, Natasha vai precisar de mim.
— Acho melhor ficar no seu quarto descansando, é um conselho que você deve seguir. Qualquer coisa ela te chama. — disse Dimitri.
— Concordo com Dimitri. — Vladimir repousou as mãos no colo. — Obrigado por tudo, Anastásia.
Ela fez uma reverência e saiu com as coisas na mão. Andou os longos corredores assobiando uma música antiga que havia ouvido algum dia. Uma mão segurou seu braço com força.
Era a czarina.
— Você é traiçoeira, mas não me engana.
— Não sei o que Vossa Majestade quer dizer com isso.
— Eu não sei o que planeja nesse palácio, mas eu vou descobrir. — soltou o braço de Anastásia.
— Eu quero apenas trabalhar Majestade.
— Deixe-a em paz, Lara. — uma voz masculina desconhecida disse.
— Alexander, você não tem nada a ver com isso.
— Não desconte seus malditos estresses na garota. — ele se virou para Anastásia e fez um "o" com a boca quando a viu. — Pode voltar para o que ia fazer.
Anastásia saiu apressada descendo as escadarias, nem se importou com os pingos de água que estavam caindo da bacia. Ela não sabia como, mas tinha achado uma inimiga. Uma inimiga poderosa, que ela não sabia o que tinha feito para aquela mulher odiá-la tanto. Mas, aquele garoto havia salvado sua vida das garras da mulher, provavelmente era um Bulganov, a semelhança era notável. Ele parecia ser uma pessoa boa, assim como Dimitri.
Afastou os pensamentos do que tinha ocorrido e caminhou de volta para seu quarto com a bacia ainda em mãos.
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