Capítulo VII
Era madrugada quando Ivan ouviu uma batida forte em sua porta. Olhou para o velho relógio de madeira que estava em cima do seu criado mudo, e xingou várias vezes ao perceber o horário. Provavelmente era Ygor bêbado que veio em sua casa reclamar da família, como sempre fazia quando bebia vodca de mais.
Levantou-se da cama, ainda resmungando e desceu a velha escada de madeira. A cada degrau que descia, rangidos altos eram notáveis; sabia que tinha que consertar aquela escada, antes que acontecesse alguma coisa com ele. Quando finalmente chegou a porta e abriu, encontrou seu amigo e cúmplice com a expressão preocupada e assustada.
— Droga Ivan! Demorou tanto para abrir essa maldita porta!
— Se você não percebeu, ainda é madrugada. Entre, antes que congele aí fora.
— Você não está entendendo Ivan! — Ygor abaixou a cabeça. — Anastásia sumiu.
— Anastásia sumiu? — Ivan alterou a voz. — Que porra aconteceu para ela ter fugido, ou fazer pensar que ela fugiu?
— Era o aniversário dela, sabe disso. Brigou com Nádia quando ela disse que era para parar de trabalhar. Depois, saiu e se trancou no quarto, e quando saiu disse que ia ao emprego. Mas até agora não voltou, e ela nunca fez isso.
— Vai ver ela está irritada e com raiva de vocês. Entre logo na merda dessa casa.
— Estou desesperado. Você sabe que a família Bulganov está na cidade novamente. — Ygor entrou na casa e começou a colocar lenha na lareira.
— Você acha que isso não me preocupa? Que diabos vocês estavam pensando em afrontá-la, sendo que agora ela é maior de idade?
— Culpa de Nádia. Eu sempre disse a você que as coisas um dia fugiriam de controle, mas acha que é Deus! Simplesmente acha que pode mudar o destino e a vida das pessoas.
— Eu nunca achei nada disso! As coisas fugiram do meu controle agora. Aposto que cada guarda, polícia, deve ter uma foto minha guardada.
— Certamente que sim.
— Estou na beira do inferno. — Ivan sentou em sua velha poltrona.
— O problema é que arrastou minha família para a beira do inferno também.
— Você bem que gostou do dinheiro que lhe ofereci também.
— Eu precisava do dinheiro, Ivan. — Ygor acendeu a lareira. — Minha filha estava doente na época.
— Eu sei, eu sei. Desculpe-me.
— Não há desculpas agora. O que adiantou aquele tratamento caro, para depois ela morrer fuzilada por ser cúmplice do assassino da czarina e o sequestro da grã-duquesa.
— Na melhor das hipóteses ela deve estar em Moscou.
— Duvido muito, ela não tinha mais dinheiro. E a passagem que havia comprado, Alena achou e deu para Nádia que rasgou furiosa.
— Você não me disse nada disso.
— Eu sei, mas isso agora não importa. Ela sumiu.
— Não posso procurá-la, mas você pode.
— Eu tenho medo do que posso vir a acontecer.
— E eu não tenho? — massageou a cabeça. — Odeio essa aflição que me invade só de pensar na fúria de Vladimir.
— Deveria ter pensando nisso antes de matar a mulher dele e ter sequestrado sua filha. Não acha?
— Cale-se, assim me faz ficar mais nervoso e aflito.
— A intenção é essa mesma, seu idiota!
— Volte para sua casa, fique com sua família e me deixe em paz, por enquanto.
Ygor saiu da casa de Ivan sem dizer absolutamente nada, uma decisão acertada. Por dentro, Ivan estava fervendo de raiva e nervoso. Amaldiçoou Nádia e Alena com todas as suas forças, devido a suas loucuras de perseguir e maltratar a menina.
Respirou fundo e pegou uma caixa de cigarros que estava em cima de uma mesa pequena de madeira. Acendeu o cigarro em uma brasa da lareira, deu o primeiro trago demoradamente e deu um sorriso sem graça para si próprio. Ria da sua própria desgraça e miséria. Jogou o cigarro na lareira e subiu as escadas novamente.
Quando chegou ao seu pequeno quarto, abriu a gaveta do seu criado mudo e tirou uma pintura antiga. Era Sasha Bulganova sentada em seu divã com Anastásia ainda bebê. Ela tinha um sorriso feliz e olhava fixamente para a filha no colo. Uma lágrima caiu de seu olho e beijou a pintura.
Fechou os olhos e sonhou com o fatídico dia.
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Dimitri jogava xadrez com Alexander, enquanto Nikolai lia um livro de Alexandre Dumas. Tatiana e Ivana conversavam sobre alguma coisa que liam nos livros e voltavam à leitura novamente. Natasha estava no quarto ainda dormindo, o que era comum, pois era a irmã que mais dormia.
Olhava atentamente o tabuleiro, mas nunca conseguia ganhar do seu irmão, que ria com satisfação, pois sabia que ia ganhar a partida mais uma vez.
— Xeque mate! — Alexander riu satisfeito.
— Não jogo mais nunca com você. — derrubou as peças no tabuleiro. — Parece o mago do xadrez.
— Na verdade, você é ruim mesmo. — o irmão riu mais uma vez. — Deveria melhorar.
— Não tenho tempo para essas coisas.
— Está com medo de nunca ganhar de mim? — Alexander o encarou desafiando-o. — Eu nunca iria esperar isso de você.
— Na esgrima eu sou melhor, Alex.
— Sempre têm que competir mesmo? — Tatiana chegou olhando para os dois com um olhar severo, mas os lábios denunciavam seu divertimento com aquilo tudo.
— Claro, mas é uma competição saudável sem intuito algum de agressão. — Alexander afirmou.
— Duvido muito. — a irmã disse ironicamente. — Por onde anda Irina? Temos que escolher nossa dama de companhia hoje, até agora não apareceu.
— Ela sabe que estamos nessa sala de lazer?
— Sabe. Eu pedi a uma criada para dizer a ela.
— Onde será feita a entrevista das candidatas? Terei pena delas, coitadas. — Dimitri riu.
— Dimitri sempre inconveniente. — Natasha entrou na sala com seu robe azul marinho com o brasão da família Bulganov. — Eu encontrei Irina. Ela pediu para nós irmos ao salão dos fundos, onde ficam os empregados. Lá será a entrevista. E pediu para os meninos irem também, pois terão que escolher os camareiros.
— Eu não fui informado sobre isso. — Nikolai revirou os olhos. — Dimitri ou Alexander escolham por mim. Obrigado.
— Eu ia pedir isso. — Alexander encarou Dimitri. — Você, como mais velho, vai escolher.
— Eu mereço. — Dimitri revirou os olhos. — Irei infelizmente a esse castigo.
— Não seja dramático, Dimitri. Menos, bem menos. — Tatiana puxou o livro de Ivana.
— Poxa, Tatiana! Você sabe ser insuportável. — Ivana puxou o livro de volta. — Escolha a dama para mim, eu vou continuar lendo.
— Eu acho que Tatiana e Dimitri sendo os mais velhos, devem escolher. Concordam irmãos? — perguntou Natasha.
— Sim! — responderam os irmãos em uníssono.
— Vamos, Tati. Esses preguiçosos só querem se divertir. — Dimitri puxou a irmã e a levou para fora da sala.
Andaram por vários corredores, desceram várias escadas, até chegar ao destino que queriam. O salão dos empregados era luxuoso, assim como o resto do palácio. Havia um vasto corredor e muitas portas, provavelmente o quarto deles, e no final do corredor ficava uma porta que dava para o jardim dos fundos do palácio.
Irina se encontrava sentada na mesa com vários contratos, caso alguma pessoa fosse contratada. Quando Dimitri e Tatiana sentaram-se à mesa junto a ela, quis se levantar para fazer uma reverência, mas Dimitri a proibiu com um gesto de mão.
— Bom dia, Irina. Cadê nossas candidatas e candidatos?
— Bom dia Alteza. Estão esperando para serem chamados, posso?
— Claro. — Dimitri respondeu.
— Que entre Anastásia Tchecova.
Uma jovem de cabelos longos e negros adentrou o local, vestida com roupas velhas e sujas. Quando ela levantou a cabeça, Dimitri levou um pequeno susto, que Irina e Tatiana notaram. Era a mesma moça da estação de trem, era óbvio. Ele nunca esqueceria aquele rosto. Principalmente aqueles olhos azuis tão intensos como os da sua mãe. A moça, ele notou, tinha uma expressão confusa.
— Você é a moça da estação de trem? — Dimitri a encarou.
— Sim. E o senhor aquele que correu atrás de mim?
— Exatamente.
Ela deu um sorriso sem graça, ele notou, e sorriu também.
Finalmente achou a moça da estação, ele só não esperava que de maneira tão inusitada, na sua própria casa.
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