Capítulo II
Ivan olhava escondido mais uma vez Anastásia sair da casa vizinha e ir em direção ao seu trabalho. Seu corpo estava curvado, não sabia se por causa do peso das roupas, ou por cansaço. Poderia ser as duas coisas perfeitamente bem; era sempre a primeira a sair para trabalhar, e a última chegar.
Foi para cozinha beber um copo de vodca e lembrar mais uma vez do passado. Em alguns momentos, sua consciência gritava dizendo a grande merda que ele havia feito com a mulher que dizia tanto amar. A verdade é que muitas vezes ela também dizia que aquilo nunca tinha sido amor, apenas uma obsessão egoísta.
E inveja.
Não podia negar o sentimento de inveja que existia dentro dele. Vladimir sempre tinha tudo na vida, enquanto ele não tinha nada. Todas suas conquistas eram ofuscadas com o mínimo que o czarevich fizesse. Inicialmente ficava triste, mas aquela tristeza evoluiu para o sentimento de ódio.
Voltou para a sala e se sentou em sua poltrona velha, fechou os olhos e começou a lembrar daquele dia fatídico mais uma vez.
Alexandra Bulganova estava linda com seu casaco de pele correndo atrás de sua filha caçula Anastásia. As duas riam bastante, e Ivan não avistava nenhum dos guardas da família imperial, o que era bastante curioso, pois duvidava bastante que Vladimir não quisesse a esposa e a filha em segurança, ainda mais sabendo que ele estava possuído por uma fúria e paixão avassaladora. O maior desejo dele era matar Sasha e fazer Vladimir sofrer bastante, mas em seus planos eles não incluía a grã-duquesa caçula. Por um descuido, fez barulho onde se encontrava escondido atrás da moita, e Sasha logo olhou em sua direção. Ficou assustada e tentou correr, mas sua roupa era muito pesada, fora que estava acompanhada da sua filha; nunca abandonaria a garota. Sem pensar, Ivan mirou na região do peito dela, disparando sete tiros. Quando caiu morta na neve depois de alguns segundos, Anastásia estava olhando assustada para o corpo inerte da czarina, chorando muito. Logo notou que Anastásia havia levado um tiro de raspão, e em sua súbita loucura, caminhou até elas, dando uma coronhada na menina e a carregou para longe do palácio.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo seu amigo e vizinho, Ygor Tchecov. Conheceu aquele homem quando estava no exército, era um exímio atirador, tinha ensinado absolutamente tudo para Ivan. Se não fosse por ele, não teria uma ótima mira.
Quando a filha dele, Alena, ficou doente, Ygor implorou para que pudesse ajudá-lo financeiramente. Não negou a ajuda, mas havia deixado claro que em algum dia precisaria da ajuda dele. Pelo desespero, concordou. Ivan sabia que se seu amigo pudesse voltar ao passado e quebrar o acordo, teria feito. Bastava ver em seus olhos o enorme medo de algum dia tudo ser descoberto pelo czar.
— Bom dia meu amigo! O que traz você aqui?
— Anastásia Bulganova, mais conhecida como Anastásia Tchecova. — Ygor entrou na casa e fechou a porta.
— O que tem ela? — Ivan perguntou assustado.
— Todos esses anos a menina lá em casa, sem memória, e tenho certeza que ela esconde algo de nós. — Ygor apoiou o braço na poltrona. — Tenho medo dela recuperar a memória, achar o pai e o passado. Vladimir matará a mim e minha família, Ivan.
— Como ela vai suspeitar de algo? Até hoje ela não recuperou a memória, e não será agora que vai.
— Admiro sua confiança, mas tudo pode acontecer. Mentiras nunca se apagam, elas até podem sumir, porém, surgem para serem pagas com juros.
— Não seja melodramático, Ygor. A coronhada e a batida da cabeça dela na pedra foram o suficiente para ela nem se lembrar dos irmãos, quanto mais os pais e aquele dia.
— Não sei aonde encontra tanta confiança. — passou a mão nos cabelos loiros, ficando grisalhos. — Toda vez que olho aquela menina e a semelhança com os Bulganov, me desperta medo e arrepios. E o sentimento de culpa me domina todos os dias quando acordo.
— Eu não tenho culpa... — Ivan foi interrompido com um grito do amigo.
— Maldito seja você, Ivan! Você é a pessoa com mais sangue frio que eu conheço! — alterou-se ainda mais. — Matou a mãe daquela menina! — apontou em direção a casa dele. — Matou uma mulher inocente com sete tiros! Deixou sete crianças órfãs por mero capricho e desilusão amorosa! Era um grão-duque riquíssimo, poderoso, nada lhe faltou Tchaikovsky. — empurrou Ivan com raiva. — Era amigo e primo do czar, e foi se apaixonar pela mulher dele e se transformou em um alucinado. É um cuzão de merda!
— Não me torture mais, Ygor. Eu me culpo todos os dias. — sentou-se na poltrona. — Mas eu não sei...
— Não sabe o quê? — o homem deu um murro na parede. — Que você é louco?
— Ainda desconheço meus sentimentos sobre essa menina. — Ivan encarou Ygor. — Ela é linda, e lembra Sasha de uma maneira impressionante.
— Você nunca vai chegar perto dela, está me entendendo? — encarou o homem furiosamente.
— E quem pensa que é para me proibir de algo, Tchecov?
— Querendo ou não, sou o pai adotivo dela, seu imbecil! — Ygor sentou na outra poltrona. — Nádia a trata muito mal, com raiva da vida que levamos escondidos por causa desse maldito segredo em que fomos envolvidos.
— Nádia nunca tratou ninguém bem, Ygor.
— Com Anastásia é pior. — olhou para a janela. — Só não beira o ódio, porque Anastásia é uma boa garota.
— O aniversário dela está perto. Lembro-me do dia em que ela nasceu, Vladimir e Sasha irradiavam felicidade, e eu me corroía de inveja.
— Você é muito doente, Ivan.
— O que vão fazer para ela em seu aniversário?
— Nunca fizemos nada, ela no mínimo acharia suspeito, não?
— Acharia. Eu tenho algo de Sasha para dar a ela.
— Nada de ouro ou pedra preciosa, estamos entendidos? Tivemos que dar fim naquele maldito colar que estava com ela quando a trouxe. — Ygor revirou os olhos. — Ainda vai me deixar louco.
— É um colar.
— E como seria esse colar?
— De ouro com uma esmeralda.
— Não escutou nada do que eu acabei de dizer?
— Diga que é falso, e que nunca deu nada a ela. — Ivan retirou o colar da calça. — Invente qualquer coisa, mas dê a ela. E não venda.
— Sou louco de vender algo que venha daquele palácio Bulganov? — Ygor pegou o colar. — Ela vai gostar do presente.
— Eu sei que vai.
— Adeus, Ivan.
— Adeus, Ygor.
Ivan observou pela janela Ygor voltando para sua casa e começou a pensar em toda sua conversa com o amigo. Odiava concordar com ele, mas estava totalmente certo sobre suas atitudes e palavras. Já tinha concepção que não era mais um ser humano comum, e sim, um monstro frio.
O problema só aumentava quando não conseguia se arrepender de absolutamente nada. Nada.
Era bastante frustrante não sentir um mínimo de culpa possível.
Provavelmente, quando Anastásia descobrisse toda a verdade, odiaria todos daquele lugar e faria Vladimir, seu pai, puni-los por tudo aquilo. Principalmente ele.
Ivan colocou mais vodca em seu copo e bebeu até dormir.
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