Capítulo Único
— Está tudo bem, senhor?
A questão pegou de surpresa o homem sentado no banco do parque.
— Perdão?
Ele demorou a tomar ciência da garota à sua frente. Ela era jovem, tinha a pele clara e olhos verdes que emanavam preocupação.
— O senhor não me parece bem — ela disse —, precisa de ajuda?
"Não tanto quanto vocês." O pensamento fez um calafrio percorrer a espinha do homem.
— Estou bem — ele respondeu. — Obrigado por perguntar.
A garota ignorou a tentativa de encerrar a conversa e tentou escolher palavras que não faltassem com respeito.
— É que seus olhos estão tão tristes — ela continuou. — Além disso, está meio quente para usar um cachecol.
O homem sorriu com este último comentário. Realmente o seu cachecol destoava daquela tarde cálida de verão. Mas o que mais ele poderia usar, sendo ele quem era?
Vendo que a garota não desistira tão facilmente, o homem resolveu seguir com a prosa. Naquele ponto, já não havia mais nada o que pudesse fazer.
— Você me pegou, mocinha. Não estou muito bem, mas não acho que você possa me ajudar.
— Não saberá se não me contar o que passa.
A resposta veio tão rápida que o homem ficou sem palavras. A sinceridade da garota o lembrou da Primavera e um novo sorriso se desenhou em seu rosto. Talvez aquela conversa fosse a única coisa boa que aconteceria naquele dia.
— Me pegou de novo — ele disse. — Mas que indelicadeza a minha, você se dispôs a perguntar se estou bem e eu a tratei com desdém. Me desculpe.
— Desculpas aceitas. — A garota se sentou no banco ao lado do homem. — Agora me conte o que está fazendo aqui sozinho no parque?
O homem achou engraçado como a pergunta deveria ter sido feita na direção oposta. Ele percebeu que a preocupação da garota dera lugar à curiosidade e isso sempre o impressionava. Como os jovens tinham a capacidade de perdoar e mudar de humor tão rapidamente. Isso o fez questionar se ele fora de fato a escolha correta para a missão.
— Aproveitando meus últimos momentos — ele respondeu.
— E por que já vai embora, não gostou da cidade?
O ímpeto da garota às vezes incomodava as pessoas, mas não incomodou o homem.
— A cidade é muito bela, mas a razão da minha partida é outra. — Ele franziu a testa. — "Um dia e nem um minuto a mais," esse foi o acordo. Por isso não posso ficar mais tempo.
— Um dia é pouco tempo para conhecer a cidade. — Ela cruzou os braços, indignada. — Foi um péssimo acordo. Eu também ficaria triste se fosse o senhor.
A ingenuidade encantadora da garota fez o homem sorrir novamente.
— Para ser sincero, não é por isso que estou triste. — Ele desviou o olhar para o horizonte. — Eu tinha uma missão a cumprir. Uma missão muito importante. Mas não fui capaz de cumpri-la. E agora tenho que voltar e explicar para os outros o que aconteceu.
— E quem são esses outros?
O homem abriu a boca para responder, mas parou quando percebeu que ainda não tinha se apresentado. Seria impossível falar dos outros sem falar de si mesmo.
— E mais uma vez eu estou sendo indelicado. Estamos aqui conversando e eu sequer me apresentei. — Ele estendeu a mão para cumprimentar a garota. — Eu sou o Inverno, muito prazer.
Ela retribuiu o gesto, mas não sem antes fazer um comentário.
— É um nome incomum, senhor.
— É porque não é meu nome. — Ele arqueou a sobrancelha. — É quem eu sou.
A frase deixou a garota confusa.
— Inverno, como a estação? — ela perguntou.
— Não "como" a estação. "A" estação.
Desta vez foi ela quem ficou sem palavras, e isso não era muito comum.
— Então os outros aos quais o senhor se referiu antes são as outras estações? — ela perguntou.
— Exato — ele disse com um meio sorriso. — A primavera é muito parecida com você, sabia? Sincera, alegre e sempre fala o que pensa. Impossível não gostar dela.
Os olhos da garota brilharam. O Inverno percebeu seu interesse e continuou:
— Já o Verão é um pouco mais velho, mas não muito. Ele é expressivo e espirituoso e vive se gabando de sua beleza. — O Inverno gesticulou imitando o Verão se exibindo, o que fez a garota rir. — O Outono, por sua vez, é mais calmo e passa a maior parte do tempo com seu violino. Ele não gosta muito de conversar com as outras estações. E para ser sincero, acho que é melhor assim.
Desta vez os dois riram.
— E o senhor? — a garota perguntou.
Com um suspirou pesado, o olhar do Inverno se encheu de tristeza novamente.
— Eu — disse apontando para si mesmo — sou o mais velho de todos. "O mais sábio," como eles costumam dizer. Mas infelizmente minha sabedoria não ajudou em nada hoje.
Mil perguntas surgiram na cabeça da garota, mas ela não conseguiu decidir qual fazer. O Inverno percebeu sua hesitação e logo disse:
— Vá em frente, pode rir se quiser. Todos com quem conversei riram de mim. "Velho louco," eles disseram.
A frase fez a garota fechar a cara.
— Não acredito que disseram isso. Que falta de educação!
E com isso a tristeza do Inverno foi logo embora e ele soltou uma gargalhada. Esperava tudo menos essa resposta. Fazia tempo que não ria daquela maneira.
— Concordo que não foi nada educado. Mas aqueles engravatados lá... — Ele apontou para o outro lado do parque. — Não compartilham da mesma opinião.
No outro lado do parque havia um grande prédio espelhado. Carros pretos estacionados. Seguranças por todo o lado. Bandeiras de diversos países hasteadas. E algumas pessoas que pareciam fazer parte de um protesto.
A garota sabia exatamente para onde o Inverno havia apontado e logo concluiu o que ele viera fazer ali.
— O senhor veio para o encontro das Nações Unidas.
— Nações Unidas — ele repetiu baixinho em tom de ironia. — Sim, eu vim para o tal encontro. Mas eles deveriam se chamar de Nações-que-gostam-de-falar-mas-não-gostam-de-ouvir.
A garota riu e perguntou:
— Mas o que é tão importante para que o Inverno venha em pessoa falar com eles?
— É sobre a tal missão da qual falei antes. Aquela que não consegui cumprir. Mas não sei se consigo lhe explicar sobre ela sem antes contar a nossa história... e isso pode tomar um tempinho.
— Pois estou mais do que disposta a ouvir sua história. — Os olhos da garota cintilavam. — E prometo que não interromperei com mais perguntas, já que não temos muito tempo.
A empolgação dela arrancou mais um sorriso do Inverno. "Talvez se a Primavera tivesse vindo..."
— Bem... por onde começo? — Ele coçou o queixo. — Você já ouviu falar de Leporem?
A garota rolou os olhos para cima tentando puxar da memória de onde ela conhecia o nome. A lembrança veio num estalo.
— É o cometa que está passando pela Terra, não é? — ela disse. — Acho que vi alguma coisa na TV ontem à noite.
— Para vocês, é um cometa — o Inverno continuou. — Mas na verdade, Leporem é uma entidade muito poderosa do universo. Ela passa pela Terra a cada 138 anos e em um único dia, dá a volta na órbita do planeta. Neste dia, um de nós, as estações, ganha vida e pode caminhar livremente entre os humanos.
— Legal, então é assim que funciona. — Ela colocou a mão no queixo, pensativa. — Eles não disseram isso na TV. Mas continue, estou interrompendo de novo.
"Acontece que Leporem, além de poderosa, é obcecada pelo equilíbrio. Milhões e milhões de anos atrás, as estações não eram como vocês as conhecem hoje. Nós brigávamos constantemente entre nós pelo direito de reinar sobre Terra. Não havia a divisão que há hoje. Às vezes a mesma estação dominava o planeta por anos. Às vezes apenas por alguns dias. Leporem não gostava nada disso."
"Então, uma vez em que estava em nossa órbita, ela resolveu mudar as coisas. Usando seu poder, ela inclinou o eixo de rotação da Terra. Com isso, as estações foram divididas. Quatro meses no Norte. Quatro meses de descanso. Quatro meses no Sul. E descanso novamente. Assim ficou o ciclo e assim está até hoje. Com isso, nossas brigas acabaram, o equilíbrio foi estabelecido e a vida começou a prosperar no planeta."
— Uau! — O fascínio da garota era visível. — Continue, por favor, quero saber o que isso tem a ver com a missão.
E o Inverno continuou:
"Tudo estava bem até alguns anos atrás. Apesar das coisas que os humanos fizeram contra si mesmos em sua história, nada nunca havia prejudicado o planeta. Mas isso mudou de um tempo para cá. Com suas fábricas, carros e consumo exacerbado, o equilíbrio tem sido cada vez mais prejudicado. A temperatura da Terra está subindo, as calotas polares estão derretendo, florestas sendo queimadas e espécies inteiras estão sendo dizimadas. Leporem não ficou feliz com o que viu."
"Ela ameaçou tomar uma ação imediatamente, mas nós a convencemos a dar uma chance aos humanos. Gosto de usar meu dia na Terra para conhecer mais sobre a essência humana e sua cultura. Mas desta vez, vim com a missão de alertá-los sobre o perigo que estão correndo. Daqui 138 anos, Leporem irá voltar e não gosto de pensar no que ela fará se as coisas não estiverem melhor."
Um silêncio desagradável tomou conta do lugar, mas foi logo quebrado pela garota.
— E aqueles idiotas da ONU nem se deram ao trabalho de ouvir. — Ela estava claramente irritada. — E ainda dizem que querem ajudar as pessoas.
O inverno colocou a mão no ombro da garota, tentando consolá-la.
— Acho que foi muito ingênuo de nossa parte achar que os líderes mundiais me ouviriam. Nós temos mandado avisos constantes, mas todos eles têm sido ignorados. Furações, maremotos, ondas de calor... — Ele contava nos dedos cada um dos desastres. — Tentamos tudo o que estava ao nosso alcance.
— Foram avisos bem duros — a garota disse cabisbaixa.
— Eles foram, eu admito. Mas nem se comparam ao que Leporem pode fazer. — O Inverno balançou a cabeça. — Se você visse o que ela fez com os dinossauros.
Os dois ficaram em silêncio novamente, desta vez por mais tempo. A garota observou o movimento no parque e ficou indignada com a indiferença das pessoas com o que estava acontecendo.
— Está decidido — ela quebrou o silêncio. — Eu vou pessoalmente me encarregar de passar sua mensagem para frente. Não é certo o que estamos fazendo com o planeta e temos que parar. Eu vou completar a missão!
O Inverno não conseguiu esconder a surpresa. Mesmo sendo tão jovem, ele viu na garota uma determinação que nunca havia visto em ninguém. Por um momento ele realmente acreditou que ela conseguiria. Seu coração foi tomado por uma sensação boa como há muito tempo não sentia.
O dia havia sido um desastre, mas aquela simples conversa havia mudado tudo. Era por isso que ele gostava dos humanos, sempre o surpreendia. Fazia a espera de séculos pelo dia na Terra valer a pena. "Esperança," ele pensou. Foi o sentimento que tomou conta de seu coração. Mal via a hora de contar para as outras estações sobre seu dia na Terra e sobre a jovem...
— Agora que percebi, não perguntei seu nome.
— Meu nome é Greta. — A garota sorriu. — Greta Thunberg.
— Foi um prazer conhecê-la, Greta Thunberg. Espero que tenha sucesso na nossa missão.
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