Capítulos 7 e 8
[Manuela]
7 - Maluquete & Periguete
Agora, imagine uma quarentona com um megahair loiro que, com certeza, deve ter custado mais de dois mil reais. Imaginou? Agora imagine todo aquele cabelo batendo na bunda. Imaginou? Um quilo de maquiagem na cara. Sempre usando roupa bem justinha (não deixando nada à imaginação).
Agora, imagine uma daquelas dançarinas turbinadas de banda de forró, só que com o dobro da idade. Imaginou?
O Paladino publicou recentemente que Maluquete & Periguete andavam se pegando por aí... (Eu vi com os meus próprios olhos: os dois aos beijos, saindo do auditório). Eles não me viram e, por isso, eu podia me divertir em chocar a diretora. Ela queria o sangue do Paladino!
O Maluquete, não ficava atrás. Gastava preciosos minutos, no início de cada aula, falando mal do misterioso perfil que denegria as respeitáveis imagens - dele e de seus colaboradores.
Na boa, Maluquete & Periguete se mereciam - aqueles dois arrogantes. Aí... Podiam formar uma dupla sertaneja: Maluquete & Periguete, ou Periguete & Maluquete. Acho que daria um ótimo título para o próximo post do Paladino.
A diretora Periguete era... Metida pra caramba! Achava-se superior à maioria das pessoas que não vestissem marcas de grife, como ela. Tá certo que eu adorava moda; curtia e entendia do assunto; e pegava no pé da minha irmã porque se vestia como uma largada. Mas jamais desvalorizei uma pessoa pelo que ela tinha, ou deixava de ter, em seu armário.
Óbvio que a diretora me tratava muito bem... E tratava minha irmã muito mal. Feito lixo mesmo.
Acontece que só eu podia pegar no pé da Sandra; afinal, sou a irmã dela.
Mas, daí, uma pessoa de fora ter a ousadia de se meter com ela... Isso é outra história.
Meus irmãos e meu cachorro - só eu podia pegar no pé deles. Ninguém mais.
Meu sangue fervia só de ouvir a Periguete me elogiar e nos comparar. Quanta ousadia! Eu não tinha nada a ver com aquela bruaca, que colocava medo em todo mundo a sua volta só porque tinha gostinho pelo poder. Ela se achava grande coisa: "eu sou a diretora".
E daí, sua mané? E daí?
Era nojento de ver como a educação da diretora mudava de acordo com o que ela enxergava na aparência das pessoas, e não nos atos. Uma vez, eu a flagrei tratando muito mal uma senhora obesa, vestida com simplicidade, que chegou à recepção do IPC para falar com ela. Mediu-a dos pés a cabeça e disse: - Fala logo, que eu estou no meio de uma reunião importante e meu tempo é escasso. (Leia-se: o meu tempo não é para receber pessoas desimportantes, como você). Acontece que a mulher que se vestia com tanta simplicidade representava nada mais, nada menos, que o Ministério da Educação - um órgão muito acima do poder da própria diretora. Ela se deu mal, com sua falta de educação baseada na aparência das pessoas.
O Paladino teve muito a dizer sobre isso, em seus posts. Fiz até uma meme pra ela. Peguei um dos vídeos de formatura, em que ela adora discursar, enchendo a boca para falar de "Educação". Separei a cena em que a madame leva as mãos à cintura (não completou o gesto porque se lembrou das unhas vermelhas enormes e postiças). Mas o gesto serviu para eu colocar o movimento para frente e para trás, enquanto o balãozinho da meme aparece com a fala: Meu tempo é escasso, meu tempo é escasso; você é desimportante, você é desimportante.
O colégio todo riu para caramba. Quanto à diretora... Não preciso nem dizer que ficou furiosa. Escutamos os berros pela porta entreaberta de sua sala.
Cam descobriu que a bruaca era formada em orientação educacional, com mestrado em línguas, isto é, supostamente, tinha uma formação humanista!
Que nada...
Ela saía desfilando pelo pátio da escola, em suas botas de saltos finos, altíssimos e calças jeans colantes, remexendo o popozão siliconado e fazendo inveja à Porcina, de "Roque Santeiro", com sua atitude extravagante. Eu ficava esperando que fosse gritar "Minaaaaaa!!!" a qualquer momento. Bem, para falar a verdade, ela gritava "Sandraaaa!!!" e o meu sangue fervia.
A diferença entre a personagem da novela e Adriana Avilar era que Porcina não era má. Havia uma boa mulher, simples e direta, por trás de toda aquela pose. A arrogância servia apenas para se defender do mundo. Mas Adriana Avilar não era simples, nem humilde. Vinha de uma família rica, e realmente se achava a última bolacha do pacote.
Daí, eu me vingava dela pelas costas, fazendo umas montagens interessantes e postando as fotos...
Tenho que reconhecer que a Cam era uma hacker de primeira, então, até agora, nossa querida diretora só podia sapatear no salto. Jamais conseguiria descobrir quem eram os estudantes por trás de o @Paladinodaverdade.
---
Por falar em Cam...
Olhei para o relógio pela terceira vez. Ela estava atrasada. Mais atrasada do que eu.
De repente, avistei Sandra e Bruno virando a esquina. Fiz sinal para eles e subi as escadas. Sandra fez que não entendeu. Eu agitei os braços para que me esperasse no ponto, então entrei no hall e fitei o interior do prédio.
Estava deserto e mergulhado na penumbra. Como Cam não estava em parte alguma, eu fui atrás dela.
O vigia apareceu na entrada, mas me deixou seguir em frente.
---
Fiquei com medinho de ir lá sozinha, depois do que me aconteceu no recreio com o Tico e o Teco. No entanto, Sandra e Bruno não podiam pegar o ônibus sem mim. Essa era uma das condições inegociáveis de nossa mãe. Nós tínhamos que voltar todos juntos. Como fazer isso, sem a Cam?
Assim, eu avancei pelo anexo, sozinha. Mas não fiquei sozinha por muito tempo. Sandra me alcançou, trazendo Bruno no colo.
-Aonde você vai? - ela me questionou. - Temos que ir pra casa e Bruno está morrendo de fome.
-Fome - ele murmurou mal-humorado.
-A gente já vai! - tratei de garantir. - Só vou até o vestiário, apressar a Cam. Por que não esperam no ponto de ônibus?
-Num quelo - disse Bruno. - Quelo ficá cocê.
Sandra revirou os olhos, pois não gostava que nosso irmão manifestasse abertamente sua preferência por mim.
-Tá, vamos logo - resmungou Sandra,
Bruno levantou o olhar inquiridor e cutucou Sandra com o dedo.
-Razzzinzzzzaaaa.
Eu virei o rosto para esconder um sorriso.
---
[Manuela]
8 - Brutal
Aquele colégio era todo errado, na minha opinião. Tá certo que tinha o melhor ensino, com alguns dos cursos profissionais mais bem conceituados de todo o país, mas o prédio em si era assustador quando ficava assim, deserto, com as luzes apagadas... Parecia um necrotério de seis andares, ao invés da tradicional e simpática casa rodeada de parques e pátios, que era a minha concepção de escola. Quer dizer, a minha concepção de escola, saída dos filmes da sessão da tarde.
Eu ficava imaginando se havia muitos colégios como aquele, por aí, mas acredito que não.
Enquanto caminhávamos pelo "necrotério de seis andares", nossos passos ressoavam no corredor limpo e silencioso. Olhei de relance para Sandra. Ela parecia totalmente à vontade, murmurando coisinhas fofas no ouvido de Bruno. Os dois vocalizavam como duas focas. Quase revirei os olhos.
De repente, Bruno virou-se todo na minha direção, com os braços esticados, e Sandra teve que reconhecer a minha presença no mundinho cor de rosa dos dois - com evidente relutância. Eu segurei a mãozinha de meu irmão e senti um aperto no peito. Mas, quando ele sorriu pra mim, foi como se todo aquele corredor se iluminasse, mesmo na penumbra.
Saímos do outro lado do prédio, por um caminho coberto, e alcançamos o anexo dos esportes, onde ficava a quadra multiuso. (Da penumbra para o dia ensolarado e depois, de volta à penumbra...) Precisávamos atravessar a quadra para alcançar as escadas que levavam à piscina, no subsolo - e, por tabela, aos vestiários.
-Tem certeza de que ela já não foi embora? - resmungou Sandra, cansada de carregar o Bruninho. Ela o fez deslizar pelo corpo até o chão e voltou a andar, agora mais devagar, puxando-o pela mãozinha.
-Bruno! - eu chamei. Ele olhou para mim, expectante. - Como é aquela palavrinha que você aprendeu hoje, de manhã?
O sorriso de Bruno se ampliou. - Razzzizzaa!
Eu ri, junto com ele. - Ranzinza! Isso mesmo!
-Engraçadinhos e idiotinhas, os dois - resmungou Sandra.
Bruno continuou rindo e saltitando. Estava encarando tudo como uma aventura, é claro. Até esqueceu de que estava com fome. A única coisa capaz de deixar o meu irmão ranzinza era o estômago vazio.
Ele apontava animadamente para os armários dos alunos, ao longo do corredor do vestiário. De repente, avistou o adesivo de uma borboleta. Sandra e eu trocamos um olhar de entendimento. Aquele era o armário de Dulce. A garota com pretensões a se tornar a garota mais popular da escola. Capaz de fazer qualquer coisa para isso.
Eu tinha uma pequena, mas significativa coleção de adjetivos para ela: cobra, salafrária, insuportável, dedo duro e olheira da diretora.
-Vem, maninho... - disse Sandra, abaixando-se para pegá-lo no colo; o que Bruno evitou, pois estava mais interessado no adesivo. - Essa borboleta é tóxica - ela explicou, num sentido evidentemente dúbio. Sandra também não gostava de Dulce.
-Tóchica! - repetiu Bruno alegremente. - O que é tóchica?
-Se vira agora, mana - murmurei, avançando pelo corredor, enquanto Sandra se detinha para lhe explicar algo inexplicável. Bem... Algo inexplicável até que Bruno crescesse um pouco mais e começasse a distinguir a "toxidade" dos mais velhos.
-Eu acho que a Cam te deu o bolo - Sandra ergueu a voz, tentando puxar Bruno pra longe do armário da Dulce.
-Claro que não! - respondi, sem olhar para trás. - Ao contrário de você, Cam gosta de passar o tempo comigo.
Entrei no vestiário, guiada pelo som da água do chuveiro... E parei, chocada. Um choque que atingiu minha alma, antes de ser assimilado direito pelo cérebro. Pensando bem... Acho que foi o vermelho que me paralisou de uma maneira visceral. Todo aquele vermelho, derramado no chão... Em torno de um corpo caído.
E imóvel.
-Coitada dela, então... - Sandra estava dizendo, referindo-se ao meu comentário anterior. Sua voz vinha de trás, soando surreal em meus ouvidos, como se estivesse saindo de uma caixa acústica. Ela silenciou quando percebeu que eu não me mexia. - Aí... Manu? - ela me chamou, num tom nervoso.
Continuei olhando para a figura caída no chão do chuveiro, nua e ensanguentada. De repente, Bruno gritou: - Vamo vê a Cam! - e saiu correndo em disparada, sem que Sandra pudesse detê-lo.
Ele pretendeu me ultrapassar para entrar no vestiário, mas o meu instinto foi mais forte, e meus reflexos, mais rápidos. Saí do meu estado de estupor e consegui agarrá-lo, antes que pudesse ver o que eu estava vendo. Girei o garoto na direção de Sandra.
-Leve-o daqui e chame o vigia. - Vendo que ela me olhava de olhos esbugalhados, eu disse: - Depressa!
-Por quê? -Sandra bateu o pé e procurou Bruno com os olhos, chamando-o num tom urgente: - Vem cá, querido! -Aproximou-se de nós dois e, enquanto gesticulava para o menino, comentou: - Você tá me assustando! Não tem graça!
Mas eu já não prestava atenção a ela, porque não queria acreditar no que estava vendo. - Só vai logo! - E empurrei Bruno para os seus braços.
-Iuppiiii! - ele fez, achando que estávamos brincando.
Não esperei para ver se Sandra seguia as minhas instruções. Entrei no banheiro, sentindo um calafrio percorrer a espinha. As sombras se intercalavam com a luz, nos trechos onde as lâmpadas estavam apagadas. Eu procurei o interruptor, e levantei os botões.
Então, todo aquele vermelho "gritou" ao meu redor.
O chão estava molhado numa mistura de água e sangue. A água transbordava do chuveiro ligado para fora da baia. Um dos bancos estava tombado de lado, ali perto, como testemunha silenciosa de uma luta corpo a corpo.
Eu me aproximei da pessoa caída, imóvel, virada de barriga para baixo, o rosto mergulhado no sangue e na água. Eu já sabia de quem era o corpo antes de ver o seu rosto.
Endireitei as costas, com a respiração saindo aos borbotões - pensei que fosse hiperventilar ou desmaiar a qualquer momento. Caminhei devagar para o chuveiro onde a água ainda caía em abundância.
Atrás de mim, escutei um som desarticulado de pavor. Sandra não partiu, como lhe ordenei. Claro. Seria esperar demais... Ela avistou o corpo, então correu para fora, agarrando Bruno no caminho. Escutei seus passos sumirem a distância, enquanto eu mesma tinha meus pés colados no chão.
Desliguei o chuveiro e voltei a olhar para o corpo nu e machucado. Daquela posição, dava para ver parte do rosto, com o nariz mergulhado naquela mistura sanguinolenta. Não havia dúvida de que fosse Cam.
Algo me dizia que ela estava morta, mesmo assim, corri para junto dela e virei o seu corpo com cuidado, para que não se afogasse. Seu lindo rosto estava todo dilatado e deformado. As pálpebras tão inchadas, que eu mal podia reconhecê-la. De repente, Cam mexeu um pouco a cabeça. Sua respiração saía fraca e com chiado.
-Me ajude - pensei ter ouvido o som sair de seus lábios ensanguentados.
Eu me sentei no chão para ampará-la, sem saber direito se poderia tocá-la sem feri-la ainda mais. Nas aulas de primeiros socorros, sempre diziam que a gente não deveria mexer no corpo, por causa de possíveis fraturas. Mas se eu não fizesse isso, ela iria se afogar na mistura de sangue e água.
Cam gemeu.
-Meu Deus, Cam, meu Deus!- meu coração galopava no peito. - O que fizeram com você?!
Usando o dedo indicador, ela escreveu com o próprio sangue no chão de ladrilhos: Marcos...
Eu olhei para ela, incrédula.
-Marcos fez isso a você?
Ela fez que sim, com a cabeça e escreveu: + 3
-Ele e mais três caras? - eu repeti em voz alta.
Ela fez que sim, de novo, e apagou. Eu me desesperei, porque não sabia se estava viva ou morta. Puxei-a para longe da poça vermelha e corri para pegar uma toalha. Achei a que ela deixou pendurada na baia e tentei cobri-la o melhor possível. Nesse meio tempo, o vigia apareceu, acompanhado do zelador.
---
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top