Ensaio fotográfico...
O sol estava quente, o vento morno e suave colidia de encontro com a minha face. Deitado sobre a relva fresca, cujo orvalho da madrugada persistia entre as folhas da grama, apesar do calor típico de um dia de verão. Meus cotovelos doíam bem como Meu rosto, principalmente os músculos responsáveis por manter o sorriso fixo em meus lábios. Quando aquilo iria terminar?
– A luz ainda não está boa... – Dizia a voz dele e em resposta a seu comentário o cenário mudou, a luz solar foi tapada por uma nuvem que o cobriu parcialmente. Era assustador e fascinante como tudo se moldava à vontade dele. Aquilo tudo não passava de um cenário... Mas era tão real! Não estava em um estúdio, nem mesmo estavam por trás de alguma tela verde a qual é utilizada para aplicar os efeitos especiais posteriormente na edição. Não. A relva era real, o sol também...A casa branca de dois andares, logo atrás da colina aonde estava deitado, igualmente parecia solida e tangível! Tudo parecia tão real e paradoxalmente irreal, como o fato de estarem em um local totalmente desconhecido, sem nenhum ser humano a não ser ele e seus subordinados. E lógico...Os outros "modelos". Não podia esquecer deles.
– Sorria mais 112! Quero ver seus dentes brancos! – Mandou ele. A mulher que estava a poucos centímetros de onde eu estava forçou o sorriso, podia ver que sua bochecha tremia, suor escorria de sua fronte.
Ela não vai conseguir...
– Eu disse para sorrir! – A voz dele indicava que estava perdendo a paciência.
– Eu estou tentando fazer o máximo que posso! – Explodiu a mulher, lágrimas verteram dos seus olhos – Se ao menos me deixasse descansar... Um pouco de água...
Droga! Fique calada!
Ele soltou um grande e dramático suspiro.
– Está vendo? – Disse ele para um dos seus subordinados – Foi por isso que sou contra os ditos direitos humanos e trabalhistas. Se damos uma regalia sequer eles sempre irão pedir por mais e mais!
– Eu só... – Choramingou a mulher, ela olhou para mim suplicando por ajuda, mas eu não ousei diminuir meu sorriso, tão pouco as crianças que ali estavam. Ninguém queria ser alvo da fúria dele.
– Eu só...Eu só... – Ele imitou o choramingar da "modelo" – Não consegue nem manter um sorriso! Eu só pedi por isso! Um simples sorriso! Quero fazer a minha foto perfeita! Nem isso você consegue fazer e ainda exige água? Descanso? Como ousa?
– N-não! Eu retiro o que eu disse...Eu... Eu vou sorrir...Viu? – Nisso ela sorriu, as lágrimas borravam a maquiagem feita pelos subordinados. Seu nariz escorria, seus lábios tremiam assim como o seu corpo.
– Ai... – Eu pude ver ele massageando a testa com pesar. Ele era um homem vestindo um elegante smoking branco que contrastavam com seus longos cabelos negros e sua tez cinzenta. Sim! Cinzenta, como fosse uma mistura estranha de uma pele morena pálida e sem vida. Contudo, não era isso que realmente causava inquietação, como um aviso silencioso e subconsciente que algo estava errado naquele ser, eram os seus olhos... Olhos totalmente negros sem nenhum vestígio de íris e esclerótica ou mesmo a pupila. Tudo era puro chumbo opaco – Estão vendo como eu sofro?
Inqueriu aos seus subordinados, espectros de sombra que lembravam vagamente uma forma humana. Esses seres brumosos deslizavam pelo campo arrumando os equipamentos fotográficos, cuidado da maquiagem e trazendo xícaras de chá para ele. Não falavam, não parecia exprimir nenhuma emoção... Nem sabia se de fato eram vivos!
– Por favor! Prometo me comportar! Me desculpa...
As suas súplicas foram interrompidas por um estalar de dedos dele e uma rápida torção da cabeça da mulher.
Creak.
Ouvir os ossos quebrarem em meio ao cantar de pássaros ao fundo era extremamente apavorante. A criança, uma garota, soltou um grito. Segurei a sua pequena e fria mão, ela não era minha filha, mas seu papel na foto era ser a filha perfeita. Ela não era a primeira criança trazida ali... Podia aguentar a morte de adultos, mas as das crianças causavam maior impacto.
O corpo da mulher tombou inerte no chão, um filete de sangue escorria de seus lábios. Os subordinados se aproximaram e a arrastaram como fosse um saco de batatas podres.
– É tão difícil encontrar bons modelos... – Reclamou ele novamente massageando a cabeça – Será que estou errado em tentar fazer o meu trabalho? Uma foto perfeita é só o que desejo! Tragam a próxima modelo!
E assim como ele ordenou apareceu uma nova mulher, semblante moreno, vestindo o mesmo figurino da mulher anterior. Ela olhava confusa para os lados.
– O que... Eu estava no metrô...E...
– Bem-vinda, 113! – Exclamou ele de forma cordial – Você foi escolhida para participar de um ensaio fotográfico de proporções épicas... Se sinta agraciada por essa oportunidade única! Essa foto irá ficar gravada na história!
Enquanto ele falava os espectros arrastaram a ainda surpresa mulher para junto de mim e das crianças.
– Eu não dou nem uma hora para ela ser descartada... – Sussurrou o garoto, se não me engano o número dele era 15, esses números correspondem a ordem de seu aparecimento ali, os 14 garotos "perfeitos" anteriores a ele foram descartados tal como a mulher 112... Aquele garoto já existia quando eu (número 67) apareceu no "estúdio dele". Imagino que o garoto não tenha mais que 10 anos, mas já presenciara muitas mortes e isso pode ter o afetado ao ponto de começar a fazer apostas sobre os próximos "modelos" que ali materializavam.
– Quando isso vai acabar? – Sussurrou trêmula a garotinha, seu número era 301, infelizmente garotinhas perfeitas tinha um alto índice de falecimento naquele ensaio fotográfico.
– Logo, logo. – Prometi, percebi que o garoto 15 deu um uma risada de escárnio.
– O que está acontecendo? – A mulher 113 nos mirava, pavor começou a substituir a sua expressão confusa e perdida de momentos atrás – Onde estou? O que são essas coisas?
Antes que pudesse responder os subordinados a empurraram de encontro ao solo, forçando na posição orientada por ele.
– Vamos tirar uma foto. – Respondeu o garoto número 15 – Digamos que será uma foto de matar!
O garoto gargalhou, a garota 301 fungou contendo o choro.
– O que? – A mulher 113 franziu o cenho, aborrecida.
– Ele não está mentindo... – Informei em um tom de pesar – Só sorria...Se queres continuar viva.
– Você só pode estar brin...
Ele se cansou de esperar. Bateu palmas e as nuvens se abriram, as folhas das arvores se agitaram mesmo sem vento aparente. O sol se moveu, bem diante de nossas cabeças, mudando o ângulo da luz que decaia sobre nós. A mulher observou tudo isso com a boca aberta... Não havia nada a ser dito em relação a tudo aquilo.
– Agora sim. – Sorriu ele segurando uma câmera digital em suas mãos – Sorria, querida 113...
A mulher sorriu. Agradeci internamente pelo fato, ela era esperta...Isso significava que iria sobreviver...
Por quanto tempo? Essa era a verdadeira questão.
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