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𝓩onzo de amor, Bruno corria as mãos pelo corpo de Nora, incansável.
— Nossa, Bruno, tudo isso era saudade? Assim você me mata!
Um pouco mais tarde, seus dedos corriam igualmente em frenesi, mas agora noutro vício, a tela do celular:
"Com o robô ganha-se tempo e precisão e é possível escanear duas estátuas numa só noite, sendo que pelo processo de fotografia manual levar-se-ia a noite inteira para processar um só profeta. Digitaliza-se à noite porque é necessária iluminação constante, não obtida à luz do dia.
"As imagens irão integrar um museu virtual, permitindo gerar cópias e garantir a preservação. Pode-se inclusive acompanhar o desgaste que o profeta sofre ao longo do tempo, fazendo outra imagem daqui a meses ou anos, para comparar com as de agora.
"A digitalização faz parte do projeto Memorial Congonhas – Centro de Estudos da Pedra e do Barroco, uma iniciativa do Iphan, implementado em parceria com a Prefeitura de Congonhas e a Unesco no Brasil".
Devido à nova tecnologia, era possível imprimir em 3D uma estátua inteira, em detalhes. E uma réplica dessas, com o devido preparo de envelhecimento, passaria aos olhos de um leigo como sendo a original, de maneira inequívoca.
— E foi assim que salvamos o documento "Q".
— Não posso acreditar, Bruno. E por que você não me contou nada?
— Nem eu sabia! Jorge pensou em tudo e o fez às escondidas, aliado aos delegados Belo e Basílio. Tínhamos todos que acreditar que o códice jogado no forno era o verdadeiro, principalmente o Padre Germano.
— O idiota não teve nem a curiosidade de olhar o papiro.
— Na verdade, não houve tempo, essa é que é a verdade. Ele foi pego de surpresa. Agora, eu me pergunto: onde é que está o Domingos, Nora?
— A você, posso dizer. Nesse exato momento, jantando com tia Laura e tio Belo. Fico imaginando a felicidade dela.
— E como Domingos tem vivido, esse tempo todo? Com que recursos?
— Sabe, meu pai o fez também herdeiro de sua fortuna. Respeitei a decisão.
— E será que vamos poder retomar nossas vidas, dentro da normalidade?
— Não sei...
Padre Germano estava preso, mas vivo. E Javier solto. Bruno cria serem eles os dois últimos baluartes a sustentarem as tradições conservadoras da Ordem, mas quando caíssem, tudo o que restava ruiria junto.
O dedo de Bruno continuava a puxar as mensagens, mas seus olhos desviavam vez ou outra para Nora, cujo nome Gômer, em hebraico, significava "completa, perfeitamente delineada".
"De fato, ela é tudo isso", pensou.
— Eu te amo, Nora.
— Eu também, Bruno.
E dali para os lençóis macios foi apenas um átimo de segundo.
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Padre Germano recebeu sua comida, contrariado. Recuperado, após a cirurgia que retirara a bala do abdome, aguardava a Audiência de Custódia numa cela. Deu duas garfadas e tomou um gole do horroroso suco:
— Que porcaria!
Passado algum tempo, suas faces ficaram azuladas, um engasgo tomou conta de sua garganta e com respiração ofegante, entrou em convulsão. Logo tombou, morto. A autópsia relevaria como causa-mórtis: envenenamento por cianureto de potássio. Do pescoço, a medalhinha em ouro da Ordem seria surrupiada, antes mesmo que tirassem seu corpo da cela.
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Do outro lado do mundo, Javier Loyola hospedara-se num luxuoso hotel na Itália. Ria, satisfeito, pois para ele "Q", um mal sorrateiro e silencioso como a hipertensão, que poderia destruir um organismo sem que ninguém percebesse sua ação, estava destruído para sempre.
Enquanto descansava no quarto, na recepção assinava o livro de hóspedes um tal de Berk Reis, brasileiro, naturalizado turco, nascido em Montes Claros, Minas Gerais.
Berk instalou-se primeiramente em seu quarto e depois subiu dois andares, onde inutilizou as câmeras de segurança, ficando à espreita do jantar de Javier. Quando o garçom chegou, Berk o dominou facilmente, imobilizando-o e tomando seu lugar. Três batidas à porta, Javier atendeu:
— Ah, o jantar...
— Boa noite, senhor. Coloco onde?
— Sobre a mesa, por favor.
Berk caminhou até o local indicado e depositou a bandeja, enquanto Javier sentava-se na cadeira, aguardando o serviço de quarto. Ao erguer a tampa de inox, os olhos arregalados do espanhol pousaram sobre uma arma, cujo metal prateado reluziu assustadoramente. Berk tomou-a à mão, dando um passo atrás.
— Quem é você? — perguntou Javier, levantando-se e recuando para junto da cama. — O que quer de mim?
— Sou seu pior pesadelo: Domingos Casqueira, em carne e osso!
— Você está vivo?
— Sempre estive!
— Aquela maldita me enganou.
— Não, você apenas acreditou no que queríamos. — E apontou-lhe a arma. — Chegou sua hora. Peça perdão a Deus e encontre-se com o diabo: no inferno! — E sem qualquer outra palavra, sumariamente atirou. Javier caiu morto, sobre o alvo lençol. Domingos arrancou-lhe a medalha da ordem, arrematando:
— Para a caridade! — E sobre a cama largou um bilhete, onde estava escrito: "O machado está posto à raiz das árvores. Toda árvore que não der bom fruto, será cortada e lançada ao fogo".
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"O evangelho perdido, a lendária 'fonte Q', que muitos julgavam não existir, teve reacesa a discussão em torno de si, depois que um antigo códice foi misteriosamente encaminhado ao Museu Copta do Cairo. Segundo especialistas, o documento pode significar a desconstrução da trajetória de Jesus no mundo, requisitando ao Cristianismo um ressignificar de suas próprias crenças e talvez um voltar de olhos analíticos para seus seculares dogmas. 'Q' não se trata somente da ponta de um novelo, ele é o próprio novelo."
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