Capítulo Dezesseis: Labirinto
Intensas chamas inflamavam-se de forma delimitada em uma lareira, sendo possível ouvir estalos do fogo no consumo das lenhas devido ao predominante silêncio. Elas eram a única fonte de luz a iluminar a aconchegante sala de estar naquela noite fria que estava sobre a capital inglesa. Ali, bem assentado na poltrona com a perna cruzada, Eduard estava lendo um livro sob aquela luz bruxuleante, que trazia descanso à sua vista. Erguendo a cabeça, olhou para um relógio acima da lareira. Já era tarde, sendo quase onze da noite. Ele fechou o livro, levantou-se e o devolveu à estante tomada por outros livros; começou a caminhar pela a sua mansão, sozinho, indo a um determinado lugar de sua residência.
Eduard chegou ao seu quarto já devidamente trajado para dormir, mais uma vez sem a sua esposa, que ainda estava em viagem em Berlim. Deitando-se na cama, apagou o abajur do criado-mudo e fechou seus olhos após se ajeitar no colchão. O repouso sequer levou um minuto quando o cientista abriu novamente seus olhos. E, quando menos era esperado, ele já estava com seus dois pés calçados no chão, deixando o quarto.
Ele fora ao seu escritório particular da mansão. Lá, abriu uma das gavetas da mesa e pegou em mãos nada mais e nada menos do que aquela carta anônima, mandada a ele na empresa.
Mais uma vez, Eduard andava pela mansão, retornando à sala de estar. Ele parou diante da lareira ainda com chamas, observando aquele fogo faminto por mais lenha, ou algo que poderia inflamá-lo mais. Sua mão lentamente tirava a carta do bolso, que foi erguida à altura dos olhos do observador, Eduard. Ele ponderou, até jogar a carta na lareira para ser devorada pelo fogo. Nada sobrou. Parecendo mais aliviado, Eduard deu às costas à lareira.
Ele subia tranquilamente a luxuosa escada principal para voltar ao quarto, acessando o corredor do segundo andar, quando se deparou com uma pessoa bem à sua frente, quase se esbarrando nela.
– Luiza? Já voltou? A essa hora da noite? – Encheu-a de perguntas desprovidas. Ela nada dizia, apenas o olhando séria. – Por que não me avisou antes? Eu iria lhe buscar.
– Sabia que não podia confiar em você, Eduard. Eu sei de tudo.
– Por que está dizendo isso, querida? – questionou, franzindo as sobrancelhas. – Não estou compreendendo.
– Eu sei de tudo, Eduard!
Luiza partiu para cima dele, que a segurou nos seus dois pulsos para evitar as agressões físicas. Eles estavam próximos à beirada da escadaria.
– Para com isso, Luiza! O que deu em você?
– Eu sei de tudo!! De tudo!! Você jamais terá o meu perdão, Eduard. Nunca mais!
Ela começou a se debater com mais força para se desvencilhar da defesa em segurá-la exercida pelo seu marido.
– Para, Luiza!!
Eduard acabou trocando de posição com ela naquela batalha física. Naquela troca, ele acabou por aplicar força contra Luiza, que se desequilibrou com uma passada em falso e despencou violentamente de escada abaixo, sem chance de defesa. Ela chegou ao solo completamente inconsciente, com o seu corpo estirado de barriga para cima.
– Luiza!
Eduard desceu ligeiramente.
Ele agachou-se para se certificar do estado dela naquele momento. A notícia inicial era bastante ruim. Ela não estava respirando. O desespero já queria tomar conta de seu ser quando ele sentiu a presença de uma terceira pessoa. Erguendo vagarosamente os olhos, teve mais uma surpresa: sua esposa e ele estavam aos pés de Juliana, que estava parada com olhares vivos à cena, o encarando. O pai permaneceu calado olhando para a filha, ainda atônito.
– Você matou a minha mãe por esconder a verdade dela – disse a filha, séria.
Aqueles olhares azuis acompanhados pelas fortes palavras de Juliana intimidavam-no ao sentir uma forte energia negativa. De repente, a sua visão aprofundou-se sobrenaturalmente no tom azulado dos olhos de sua filha como se estivesse sendo tragado à mente dela, para o infinito.
Eduard suspirou sobremaneira.
Quando abriu os olhos, ele se viu em seu quarto, na mesma posição que se deitara. Sentando-se na cama, ele certificou-se que não havia ninguém mais sobre ela senão ele próprio, concluindo que a sua esposa não estava lá. Na verdade, ele tivera um rápido sonho provocado por alguns momentos com os olhos exaustos fechados.
Ali ficou, tentando entender a situação.
Amanheceu. Steven entrava à portaria do prédio onde morava com um saco de pães quando o recepcionista lhe chamou. Ele parou e retornou para dar a atenção.
– Desculpe-me em lhe atrapalhar, Sr. Kate, mas tenho isso para você.
O funcionário deu-lhe um envelope pardo. Steven o olhou surpreso.
– Sabe quem me enviou?
– Para ser honesto, não. Na verdade, encontrei esse envelope em cima do balcão quando eu me ausentei por alguns instantes daqui. E há o seu nome nele. Talvez, a pessoa não quis esperar, e o deixou aqui.
Ele virou o envelope, e realmente viu o seu nome e sobrenome escritos com letras de forma, todas maiúsculas. O mais estranho era que não havia as diretrizes comuns de uma correspondência, como remetente e destinatário, muito menos um selo. Lembrava muito a carta que Nathaly recebera.
– Muito obrigado, amigo.
Steven guardou o envelope no bolso e continuou a andar, com desconfiança daquela correspondência anônima. Quem o conhecia? De que se tratava aquela carta? Decerto, essas seriam as questões levantadas em sua mente.
Na cozinha, Clara estava terminando de preparar a mesa para o café da manhã, como sempre, se empenhando como governanta.
– Que café cheiroso. Confesso que a minha fome duplicou agora. – Steven falou ao entrar, colocando os pães sobre a mesa. Sua esposa sorriu ao seu comentário. – Cadê a Nathaly? Ainda não veio à mesa.
– Ela deve estar se arrumando. Ou ensaiando para um seminário na universidade.
– Bom, é melhor eu ir chamá-la. Ela pode se atrasar.
Em seu quarto, Nathaly estava andando de um lado para o outro do cômodo enquanto segurava uma folha escrita com a sua delicada caligrafia, repetindo o que ela mesma anotara. Ela estava realmente ensaiando para a sua apresentação na universidade. Dando um intenso suspiro, encarou o teto por alguns segundos, e fechou seus olhos ao abaixar sua cabeça.
– O nervosismo não lhe trará resultados, filha. Confie em sua capacidade.
Nathaly olhou para trás, vendo seu pai segurando a porta aberta pela maçaneta.
– Sim, pai. Eu sei. Mas... ultimamente eu não estou conseguindo focar em quase nada. Minhas notas recentes mostram isso. Um declínio sem fim.
Steven se aproximou de sua filha, que novamente se encontrava encarando o chão.
– Nathaly. Olha para mim – pediu Steven. Ela obedeceu, o olhando triste, sem brilho naqueles olhos encantadores. – Isso não é por causa do acúmulo dos estudos, e sim por causa de John, não é mesmo?
Ela tentou resistir à pergunta de seu pai, desviando seu olhar para o lado.
– Sim, pai – confessou. – Já faz dias que ele não veio mais aqui, e nem notícias tenho dele...
– Entendo, minha filha. Mas acho que ele está precisando de tempo para assimilar a situação. Veja que... foi um grande impacto para o seu... amigo. Ele não lhe abandonou – disse o pai, sendo otimista. – Mesmo que ele não venha lhe entender, não se preocupe. Haverá outra pessoa no lugar dele, que irá lhe compreender.
– John era a minha única esperança de compreensão, pai. Eu... me sentia segura com ele. Mas parece que tudo se perdeu. Não sei como irei lidar com isso daqui para frente – argumentou Nathaly, rebatendo. – Além do mais, não haverá mais ninguém no lugar dele. Ninguém vai me aceitar para amar. Realmente serei como um ameaça por causa dos meus dons, que não conseguirei escondê-los. E assim serei sozinha com eles. E...
Seu pai apoiou o dedo indicador sobre os lábios dela, em gesto de silenciá-la.
– O seu complexo novamente quer ganhar vida em você, Nathaly. Não deixe isso matar os seus sonhos. Não deixe absolutamente nada lhe vencer. – Ele repousou suas mãos nos ombros dela, olhando-a firmemente. – Lembra quando nós tivemos aquela conversa antes de você ir ao baile com o estudante Ryan? Lembre-se que há uma mulher em você. Você vai superar tudo, porque você é uma mulher forte, independente dos seus dons. E sempre será. – Sorriu para tentar animá-la. – Agora vamos tomar um café rapidinho para ninguém se atrasar.
Nathaly concordou com a cabeça.
Eles encaminharam-se à porta. Steven abriu-a para dar passagem à filha, que passou cabisbaixa; ele saiu na sequência, fechando a porta.
Nathaly subia as escadarias infindáveis da universidade com extrema pressa. Raphaela apareceu logo atrás, indo atrás dela, que apenas olhava para baixo, sem encarar ninguém ao seu redor.
– Nathaly. Nathaly.
Raphaela enfim a alcançou. Elas pararam entre os degraus.
– Está fugindo de mim? Ou querendo me fazer perder mais quilos onde não há?
– Não, Raphaela. Estou apenas focada na apresentação do trabalho de hoje. Só isso – disse Nathaly, ignorando o comentário humorado.
– Não é verdade. Você ainda está muito abalada por causa de John.
– N-não quero mais falar sobre isso, Raphaela. Por favor. Tudo que eu sinto por ele e a minha atual situação já contei a você. – Ela olhou de canto por lhe faltar coragem de encarar a amiga, estando bastante fechada, retraída. – Desculpa.
Nathaly deu às costas, continuando a subir na mesma proporção dos passos, apressados. Sua amiga não retomou a sua subida. Ficou ali parada, refletindo com um grande pesar pelo o sofrimento de sua melhor amiga Nathaly. Aquela não era a pessoa que Raphaela conhecera, que tinha grande brilho nos olhos, notável à quem a olhasse. Era muito preocupante, pois estava difícil em recuperar o que se perdeu nela.
Após se trocar no banheiro com o uniforme da empresa onde trabalhava, Steven entrou na sala de funcionários para deixar a sua roupa com que viera no armário; abriu-o e, quando ajeitou a sua roupa para guardá-la, aquele envelope pardo caiu do bolso da calça. Naturalmente, ele o pegou do chão, deu uma nova olhada e logo guardou-o junto com suas coisas. Quando deu alguns passos para deixar a sala, parou à porta; olhou em relance para o seu próprio armário. O misterioso envelope o chamava cada vez mais forte. Então, Steven decidiu regressar e reabriu o seu armário para pegar a correspondência anônima. Ele abriu a aba bem fechada, tirando a folha dobrada de dentro. Por fim, a folha foi desdobrada, e a leitura de um texto em carta começou a ser feita com extrema atenção do leitor destinado. Sua expressão ora tranquila dava lugar à gradual surpresa conforme se aprofundava no conteúdo. Finalizando, ele ficou incrédulo no que acabara de ler; ao tirar seus olhos sobre a folha lida, semicerrou-os em reação de indignação.
Ele trancou o seu armário sem pensar muito, e saiu em passos firmes da sala em que estava.
Fortes aplausos disseminavam toda a classe em forma de reconhecimento à mais uma apresentação realizada em aula. A sonoridade diminuía aos poucos em preparo para a próxima apresentação de trabalho.
– Muito obrigado, meus alunos. Podem voltar aos seus lugares – disse o novo professor de Biologia da turma de Nathaly, sorridente. Ele os aguardou tomar seus lugares para dar continuidade. – Bom, agora... Vamos ver o próximo grupo a apresentar... – Ele deu uma olhada em sua ficha – Grupo da Srta. Kate. Por favor, se posicionem diante da classe.
Era a vez de Nathaly, com seus componentes de grupo. Como se estivesse carregando um fardo em suas costas, ela levantou-se de sua cadeira, indo à frente da sala com o seu grupo. Ela não conseguia encarar os seus colegas telespectadores, olhando para o chão, enquanto ouvia sua colega de grupo abrir o seminário.
As vozes estavam bem distantes em sua mente, em formas de ecos, a ponto de praticamente sumi-las em seu consciente. Ela desligou-se do ambiente. Quando resolveu erguer seu rosto para, enfim, olhar para turma, Nathaly avistou o seu amigo John entre os colegas, nas últimas carteiras. Ele a olhava serenamente e sem piscar os olhos. Parecia estar bastante interessado na apresentação. Nathaly deixou-se ser conectada visualmente com ele, uma sintonia muito forte, sendo notório no dilatar das pupilas de seus olhos verdes. John alargou os lábios em sorriso sorrateiro. Aquilo a fez ter a mesma reação dele, mas a felicidade repentina acabou por ser dominada por uma aflição, levando-a à dura realidade que encheu seu coração de tristeza. Tristeza que foi determinante para que ela ouvisse uma voz.
– Nathaly?
Ela olhou para o lado. Era uma aluna do grupo, tentando falar com ela.
– É a sua vez – disse-lhe, esboçando aquele sorriso para disfarçar.
Nathaly viu que todos da sala a olhavam em aguardo e, muito provavelmente, munidos por boas expectativas, já que ela era muito reconhecida por sua intrigante inteligência. Desviando o seu olhar para o fundo, ela não via mais ninguém, senão uma cadeira vazia deixada por algum aluno ausente, ou faltante. A pessoa de John era o fruto de seus devaneios. Infelizmente.
– Está tudo bem, Srta. Kate? – perguntou o professor, que recebeu o olhar de sua aluna.
– Está sim, professor. Está tudo bem.
– Continuemos, então. – O professor sorriu simpaticamente.
Ela respirou fundo, sendo suficiente para arejar seus pulmões e, talvez, preencher o vazio e tirar o aperto que havia em seu peito. Ao menos naquele instante, em sua importante apresentação.
Eduard estava exercendo o seu trabalho cotidiano em sua mesa executiva. Sequer um sinal em reflexo ao que passara na última noite era demonstrado por ele. Era como se nada houvesse acontecido naquela noite conturbada; ou se não, estava apenas tentando desviar, ignorar, seus pensamentos do ocorrido. Era uma incógnita. Ele ouviu a maçaneta da porta de sua sala abrir, e levantou-se prontamente para receber alguém.
– Sr. Butzek?
Após chamá-lo, sua secretária deu passagem para Steven adentrar à sala presidencial.
– Muito obrigado – agradeceu Eduard, olhando simpaticamente para a funcionária.
Ela sorriu e logo se retirou, fechando a porta.
– Sr. Kate. Estou mais uma vez honrado com a sua rara visita.
Eduard dirigiu-se sorridente até o seu visitante, como se estivesse avistando ouro, estendendo-lhe a mão para cumprimentar. Steven manteve-se quieto, e sequer foi recíproco ao cumprimento. Ele apenas olhou friamente para aquela mão receptiva do empresário alemão, à procura de um aperto.
– Aconteceu alguma coisa no trabalho? – perguntou Eduard, mantendo sua simpatia. Porém, abaixou a mão, após o recuso de cumprimentos.
Em uma rápida ação, Steven surpreendentemente desferiu um soco nele. Como estavam próximos da mesa, Eduard se apoiou violentamente sobre ela após ser agredido, fazendo-o derrubar muitas coisas de sua superfície, inclusive aquele próprio porta-retrato recordatório ao lado da família, que teve o seu visor trincado. Ele levou o dorso de sua mão à lateral da boca para certificar-se de um possível sangramento, mas não chegou a ter.
– Acabou a sua falsidade, Eduard. Agora sei que os seus favores prestados eram para fazê-lo estar o mais próximo possível da minha família, para explorá-la – disse Steven, estando bastante sério.
Eduard permaneceu na mesma posição sobre a mesa, filtrando o que ouvira de Steven. Levou alguns segundos para que ele se endireitasse e resolvesse encará-lo.
– Eu não entendo, Sr. Kate. Eu não sei sobre o que está falando. Quem lhe convenceu dessas barbáries, meu amigo?
– Não interessa quem ou o que! E não me chame de amigo. – Impaciente, Steven agarrou Eduard pelas golas do terno, puxando-o para si. – Você não vai mais explorar a minha família. Você não chegará perto de nenhum de nós mais. Principalmente... da minha filha.
– Por favor, Sr. Kate. Acalme-se. Seu estresse pode lhe...
– Me matar? Saiba que eu não morrerei por sua causa – completou Steven, o interrompendo. – A propósito, como você tem certeza disso? Será que isso não é mais uma prova de que você tem nos explorado?
– Não é exploração, Sr. Kate. Eu só quero lhe ajudar, e ajudar a sua família também. Tudo em nome da minha profissão e da relação entre as nossas famílias, e da minha filha Juliana, amiga da sua filha. Peço-lhe que se acalme. Por favor.
– Mentiroso! Não duvido nada que você também usou a inocente amizade entre as nossas filhas para se aproximar com interesses, e não pelo o que você disse. Vejo em seus olhos que a sua consciência sabe que tudo é mentira. – Ele continuava olhando firmemente nos olhos de Eduard. – Me demito do seu joguinho a partir de hoje. Voltarei à Manchester para não ver mais a sua face, e mantê-lo distante da minha família.
Steven largou-o com agressividade, dando às costas e já indo à porta. Já não havia mais cabimento em estar ali.
– E o seu tratamento? A universidade e futuro da sua amada filha? Isso tudo deve ser um mal-entendido, Sr. Kate, e você está colocando tudo a perder. Ouça-me.
Ele parou diante da porta, e sua boca se remexia por ranger os dentes internamente, se segurando para não ter mais uma explosão de raiva; suspirou, e se virou para o cientista apontando o dedo em ato de acusação.
– Você é o próprio mal-entendido, Eduard. E não lhe interessa o que o fruto de nossa inimizade poderá trazer de agora em diante. – Pausou enquanto encarava o cientista alemão. – Importe-se em cuidar da sua família, e eu cuido da minha. Apenas lhe desejo que sua filha saia do coma.
Steven continuou a encará-lo por mais alguns segundos, e deixou a sala. Eduard ficou inerte, parado em seu lugar, devido ao ocorrido, aparentemente assustado. Quando enfim retornava ao seu posto, viu toda a mesa bagunçada e o porta-retrato trincado no chão. Ele o pegou, levando-o à altura de seus olhos. O seu rosto olhando diretamente para a fotografia era parcialmente refletido sobre aquele visor demarcado pela queda; seus olhos voltaram-se para o lado de Juliana na foto em família, e ela parecia olhar e sorrir para ele ao invés de ser um mero registro fotográfico. Aquilo deve ter mexido com ele. Entretanto, não era possível saber o que exatamente estava se passando em sua cabeça naquele momento, mas o episódio desagradável tido em sua sala executiva trouxe-lhe alguma preocupação.
Luzes se acenderam com apenas o tocar de um único interruptor, iluminando todo um ambiente. Eduard adentrou ao quarto onde sua filha estava, e ficou ao lado de sua cama, a olhando. Enquanto pensava, mantendo os olhos em Juliana, os bipes das máquinas soavam em seus ouvidos. Seus pensamentos pareciam ter entrado em conflito ao segurar com mais força no ferro da cama, com as duas mãos; até que ele tirou as mãos do ferro e saiu do quarto com alguma decisão tomada.
Malas estavam em um dos canteiros da cozinha, trazendo uma parcial desorganização no cômodo principal de uma residência. Abrindo a porta com toda a sua delicadeza, Nathaly entrou em seu lar com a cabeça baixa, e se surpreendeu ao ver todo aquele cenário. A sua mãe apareceu carregando mais uma mala e posicionando-a junto às outras.
– Mãe? O que está acontecendo?
– Voltaremos à nossa casa em Manchester, Nathaly.
– O que? Mas por quê?
– Eu ainda não sei, minha filha. O seu pai apenas apareceu de repente já pedindo para arrumar as nossas malas. Eu tentei perguntá-lo, mas ele não quer me falar. – Clara olhou para aquele mesmo canteiro, com certa tristeza, e apontou. – Aquela é a sua mala, filha.
Nathaly ficou sem palavras. O que antes já estava em um gradual declínio enquanto não esquecia-se do episódio com John, agora tudo estava se desfazendo por completo diante de seus olhos, como uma montanha formada por gelo, que aos poucos se despedaça mediante ao clima atípico, até que o aquecimento terrestre a faz cair em ruínas, desmanchando-se de uma só vez. Seria mais uma retrocessão à vista em sua vida.
– Não. E-eu não posso voltar à Manchester. – Nathaly suplicava quando viu seu pai trazendo outra mala pronta. Ela foi até ele. – Pai...
– Não se preocupe, Nathaly. Daremos um jeito de transferi-la na universidade. O seu sonho será realizado da mesma forma. Além disso, entregarei este apartamento, o meu tratamento e outras coisas mantidas ao Sr. Butzek – disse Steven, interrompendo-a. Ele estava bastante agitado ajeitando as malas naquele canteiro. – Está tudo bem, filha.
– Pai.
Steven não resistiu ao segundo chamado, agora mais suave, de sua filha, que mostrava preocupação por toda aquela situação mal explicada por ele próprio – e ele evidentemente sabia da respectiva gravidade que estava ocasionando em sua família –, e parou o que estava fazendo, ainda de costas a ela em ato de reflexão, ou para desacelerar a sua agitação e pressa. Ele se virou para ela, e testificou a preocupação esperada em seu olhar verde.
– Aqui, eu pude superar situações e formar novas amizades, estando bem habituada em Londres. Eu não posso mais passar por um novo retrocesso em minha vida. – Não bastando, Nathaly chegou mais perto do pai, ainda o olhando com aqueles olhos cristalinos. – Eu não sei o que está lhe levando a fazer isso tudo, mas, por favor, deixe-me ficar.
Com as mãos apoiadas na cintura, Steven suspirou encarando o chão. Erguendo sua cabeça, deu uma olhada para a sua esposa antes de olhar novamente para Nathaly.
– Você quer ficar em Londres por causa do seu amigo John, não é mesmo? Bem, era o esperado.
Nathay olhou rapidamente para baixo antes de respondê-lo. Ela tentava esquecer a John para se livrar do sofrimento ainda provocado pelos sentimentos que tinha por ele, e que agora a falta da reciprocidade a esses sentimentos era iminente com a descoberta de seu segredo guardado por muito tempo ao longo da amizade, mas tudo parecia contribuir para trazer o jovem soldado às suas lembranças, e tentar ocasionar mais tristeza. A sua reação em abaixar de forma rápida o olhar chegou a ser compreensivo.
Ela respirou fundo e olhou-o, alimentando determinação ao que iria falar.
– Não, pai. Não é por causa dele. Lembra da conversa que tivemos hoje mais cedo? Você disse que já sou uma mulher. Eu já posso assumir responsabilidades sozinha, pois você mesmo me disse que sou forte como mulher, e não por causa dos meus dons. O meu futuro é o que importa agora – disse ela. – Se for preciso, eu dou um jeito de trabalhar de alguma forma para manter as despesas por aqui.
Houve um silêncio, para apreensão de Nathaly.
– Mas... – Steven se segurou, impedindo a si mesmo de revelar alguma coisa – Está bem, minha filha. Você pode ficar. E não precisará se preocupar com trabalho. Eu farei o possível para vê-la formada. Foque em seus estudos.
– Obrigada, pai – agradeceu, sorrindo timidamente. – Agora me conte, pai... O que aconteceu? Por que vocês vão voltar à Manchester?
A pergunta foi direto à verdade que Steven guardava dentro de si. Demorando em sua justificação, ele olhou para as suas duas mulheres da casa, mãe e filha, deu um profundo goto e cedeu espaço à omissão para responder:
– Aquela mesma empresa que trabalhei por anos me chamou de volta. E... eu aceitei. Foi isso.
Mãe e filha se olharam, estando surpresas com uma verdade que elas mal sabiam que era falsa. Mas poderiam estranhar.
Clara tomou à frente.
– Por que demorou tanto para me falar isso, Steven?
– Por favor, querida. Não estou com a cabeça para explicar os detalhes. Foi algo repentino, e isso me deixou desgastado.
– Então, deixemos para voltar amanhã. Você não tendo condições para dirigir até lá. – Clara aproximou-se de Nathaly, a abraçando de lado. – Vamos aproveitar o restante do dia para ficarmos com a nossa princesa.
Steven via aquela cena assentindo a si mesmo com a cabeça. Mas aquilo não o fazia ficar despreocupado. Sua filha ficaria naquele apartamento, trazendo-lhe receios e conjecturas.
Jennifer estava bem sentada em uma das cadeiras da mesa de sua cozinha, com as pernas cruzadas, e usando um blazer feminino para se aquecer do típico frio londrino que se sobressaía naquele final de tarde; sobre a mesa, havia uma xícara de café, que foi suspendida pela mão de Jennifer e levada à sua boca para tirar-lhe mais um pouco da quantidade da bebida preta, e também estava o livro de Física aberto. Os olhos castanhos da norte-americana estavam passando cautelosamente por cada linha dos textos quando ela parou de ler e o fechou; ergueu sua cabeça e olhou para frente, começando a pensar em algo a ponto de pegar uma folha solta em branco para anotações em meio ao livro didático e começar a escrever. Terminando, via-se dois nomes gravados no papel: Thomas e Suzanna White. Sim. O nome de seus pais. Ela estava novamente pensando neles, onde seus olhos fraquejaram-se, inundando-os em poucas lágrimas, mas não sendo o suficiente para que escorressem pelos seus canteiros. Fechando os olhos e levando a mão ao peito, algo lhe trazia conforto, como nunca antes, como se houvesse alguém próximo a ela dando força. Então, ela abriu os olhos já com a fisionomia mudada.
Ela chamara Raphaela ao seu apartamento. A jovem alemã atendeu ao pedido, que chegou e estava à mesa da cozinha, também bem servida com um café. Dando o último gole, ela colocou a xícara vazia sobre o pires.
– Bem, acho que você não me chamou apenas para provar do seu café, que por sinal é muito gostoso – disse Raphaela.
Jennifer sorriu sorrateiramente, olhando para baixo. Raphaela ficou apreensiva, principalmente quando viu a sua amiga direcionar o olhar daquela forma. Jennifer tirou seu livro debaixo da mesa, o colocando sobre a sua superfície.
– Eu decido me inscrever para o exame em sua universidade.
Raphaela cresceu os olhos com aquela ótima notícia, levantando-se da cadeira.
– Que ótimo, Jennifer! – disse ela, alegrando-se. – Estou muito feliz por isso. Tenho certeza que Nathaly ficará feliz também, apesar de ela não estar tão bem...
– O que houve com ela? – Jennifer se levantou de sua cadeira.
– John, o amigo dela, acabou descobrindo os poderes dela naquele episódio do Big Ben. E até agora ele não reapareceu para vê-la – explicou. – Mas vamos deixá-la assimilar tudo isso primeiro. Se nós ficarmos muito em cima, iremos só atrapalhar.
– Sim – concordou. – Mas muito obrigada por me ajudar, Raphaela. Eu devo muito a Nathaly, mas a você também.
Raphaela, em seu jeito muito simpático, abriu os braços enquanto sorria. Jennifer entendeu aquele recado, que a convidava para um abraço. Ela foi e a abraçou sem muito jeito, pois não era o seu costume, ainda havia aquela raiz de seu comportamento extremamente fechado; mas, aos poucos, se sentia mais relaxada.
Sobre o ombro de Raphaela, Jennifer sorria timidamente, enquanto a jovem alemã não escondia a sua felicidade sobre o ombro dela.
A noite chegara. As portas do baú de um caminhão de carga de médio porte eram fechadas simultaneamente por duas pessoas, com dois homens sentados em seus lugares, um de frente para o outro com algo que os separava no meio, no interior do baú. Todos estavam trajados em jalecos. Certificando-se de que tudo estava certo nas dependências traseira do veículo, um outro homem, o único a não estar usando jaleco, dispensou aqueles que trataram de fechar as portas do baú, e retornou à cabine do caminhão, entrando nele no lado do motorista. Ele era o próprio motorista. Olhando para o lado, observou o seu passageiro carona, que também era o seu patrão.
– Está tudo certo, Sr. Butzek. Podemos ir?
Eduard estava com sua mão levada ao queixo, em estado de reflexão consigo mesmo, e tinha em seu colo uma mala de metal. Tirando seus olhos da janela, olhou para o motorista.
– O tempo é todo seu, meu amigo. Mas não se esqueça de que você não está levando qualquer coisa ali atrás, ou simplesmente uma carga.
O homem balançou uma vez a cabeça em afirmativa ao que o cientista lhe dissera.
O motor soou e os faróis foram ligados. O caminhão deixava o pátio do edifício da Butzek Corporation, respeitando todo o cuidado em não acelerar muito.
O temível amanhecer chegara à família Kate, pois era o dia do regresso de Steven e Clara para Manchester. Era final de semana.
Após tomarem café juntos pela última vez depois de muitos anos repetindo o mesmo ritual matinal em família, eles estavam diante da porta de entrada da cozinha. Era chegada a hora.
– Bem, minha filha... É hora de partir – disse Steven, sentindo muito em dizer aquela frase.
Nathaly não se conteve, e envolveu seus pais em um único abraço, um abraço nunca dado antes, de tão forte que era.
– Sentirei saudades de vocês – disse Nathaly, em tristeza.
O abraço em trio foi desfeito.
– Nós também, minha filha – disse Clara.
– Isso será momentâneo, filha. Assim que possível, iremos visitá-la, você irá nos visitar... E o principal: teremos orgulho de vê-la se formar em Londres. Estaremos aqui para ver isso, com toda a certeza.
– Por que você aceitou voltar para Manchester? Queria tanto que vocês estivessem aqui ao longo desse processo.
Steven baixou a cabeça antes de respondê-la.
– Há coisas na vida que não esperamos. E somente mais para frente entenderemos o porquê. – O pai repousou a mão no ombro dela e olhou para a sua inseparável corrente em seu pescoço. Aquele olhar foi traçado por Nathaly. – Esta corrente não carrega apenas a inicial do seu nome, mas também a nossa presença. Estaremos contigo onde for, como sempre foi.
Nathaly o olhava com os seus lindos olhos já brilhando devido às lágrimas que os inundavam.
– Apenas cuide-se para que ninguém a explore... – Steven pausou, de repente – Principalmente a tal Mãe Natureza.
A despedida ainda foi postergada por mais alguns minutos. Nathaly desceu com sua mãe até a calçada principal do prédio. Steven chegou com o carro, e Clara deu um último abraço na filha antes de entrar no veículo. A última buzinada foi dada, e então Nathaly os via partindo. Ela certamente não conseguia entender aquela mudança radical, mais uma vez, em sua vida.
Nathaly retornou ao apartamento e escorou-se com suas costas na porta após entrar, estando cabisbaixa, talvez ainda persistindo em entender a razão daquela mudança repentina; ela resolveu ir ao seu quarto e, adentrando nele, a primeira coisa que viu à sua frente foi o seu livro de Biologia, deixado na penteadeira. Aquilo lhe deu a ideia de pegá-lo para começar a estudar e esquecer um pouco da realidade vivida. Quando abriu o livro de forma aleatória, ela deparou-se coincidentemente com aquele envelope anônimo, trazendo-lhe novamente a sugestão de abri-lo. O momento era oportuno, nada e nem ninguém poderiam atrapalhar a sua abertura desta vez.
Após observar aquela correspondência por alguns instantes, Nathaly finalmente abriu a aba em definitivo do envelope, tirando uma folha dobrada ao meio. Desdobrando-a, então, começou a ler o que estava escrito em letras peculiarmente maiúsculas, que dizia:
"SEMPRE DESCONFIEI POR QUE VOCÊ É TRATADA COMO UMA PESSOA MUITO ESPECIAL AOS OLHOS DE UMA PESSOA. MAS AGORA BEM SEI POR QUE VOCÊ É TÃO OBSERVADA POR ESSA PESSOA, A PONTO DE SOBREPOR SUA FAMÍLIA PARA TÊ-LA CADA VEZ MAIS PERTO, USANDO-SE DE UMA ANTIGA LIGAÇÃO QUE VOCÊ TEM COM UMA AMIGA... NEM PRECISA DIZER QUEM É, NEM O NOME DA SUA AMIGA, NEM O NOME DESSA PESSOA QUE CONVIVE HÁ MUITOS ANOS ENTRE VOCÊ E A SUA FAMÍLIA.
VOCÊ É MUITO BEM ESTUDADA, SRTA. KATE. A TODO TEMPO. E EU FIZ PARTE DESSE JOGO COMO FANTOCHE.
TALVEZ VOCÊ NÃO CREIA EM MIM, PORQUE TALVEZ O SEU VOTO DE CONFIANÇA POSSA PESAR CONTRA AS MINHAS PALAVRAS. MAS TENHO PROVAS...
A SUA RESPOSTA ESTÁ EM UM LUGAR DE ONDE MENOS VOCÊ ESPERAVA. PEGUE ESTA CREDENCIAL JUNTO A ESTA CARTA, SIGA AS INSTRUÇÕES ATRÁS DESTA FOLHA E VEJA COM SEUS PRÓPRIOS OLHOS.
ATENCIOSAMENTE,
AQUELE QUE LHE ENSINAVA E TE ADMIRAVA EM SALA"
Nathaly fechou a folha imediatamente, ficando com os olhos arregalados com o espanto daquela carta supostamente reveladora. Alguém sabia sobre ela, seu segredo estava iminentemente descoberto.
Conforme fora discorrido em carta, ela colocou a mão dentro do envelope à procura da tal credencial, e realmente havia um. Quando o virou para si, leu o nome do lugar onde poderia comprovar a veracidade do que fora relatado na carta. Então, sua apreensão e receio aumentaram ainda mais; e, levando sua mão à boca, não queria acreditar naquilo, estando literalmente pasma. O seu psicológico estava na indecisão entre obedecer àquela carta ou ignorar toda aquela situação. Era notável em seu comportamento pós-reação. Mas havia um segredo em jogo, que decerto pressionava o seu ser.
Uma pessoa percorria entre os corredores de um lugar, em passos largos. Em seu peito, havia um crachá sendo levemente balançado pelos movimentos do corpo, escrito "credencial" no rodapé; na parte superior do identificador, havia também o nome de uma empresa, e essa empresa era a Butzek Corporation. A pessoa portadora daquele acessório era a própria Nathaly, que agora estava dentro do principal edifício da filial da empresa de Eduard no Reino Unido sem nenhum acompanhante daquela vez, seguindo à risca todas as orientações descritas no verso da carta que recebera, tendo uma direção exata.
Ela foi guiada pelas instruções até uma porta, que ficava em corredor sem saída. Não havia movimentação, estava desértico. Nathaly encarou aquela porta à sua frente. Como estava trajada com seu jaleco acadêmico, ela guardou a folha em um bolso, e, no outro, pegou a chave, uma suposta cópia da porta. Lentamente, a chave foi inserida no miolo e girada, ouvindo o peculiar estalo do mecanismo. A porta se abriu. Nathaly se deparou com uma sala totalmente ausente de uma fonte de luz, parecendo que a intenção era que aquele lugar não chamasse atenção de nenhuma forma, embora não houvesse janela na porta e nem na parede, além da grande probabilidade de que nenhum funcionário pudesse acessar ao local.
Nathaly encontrou o interruptor ao lado, acendendo as luzes. Observando o ambiente agora iluminado após entrar, viu algo que a intrigou na mesma hora: a porta de aço do Relic Titanic, que lhe serviu como solda ao casco interno do navio para que o salvasse do naufrágio, preservado em uma vitrine especial sobre uma mesa. Ainda era visto as marcas feitas pelos seus poderes ópticos. Além disso, havia um laudo arrolado. Aquilo já começou lhe assustar.
Ela também avistou um mural com cópias de textos escritos à mão. Embora estivessem em alemão, Nathaly reconheceu aquela caligrafia como sendo de sua amiga Juliana; coincidentemente, o diário de Juliana estava posto fechado bem na base do mural, sobre uma mesinha, e muito bem preservado. Portanto, aquelas cópias eram das partes de seu diário, todas muito bem selecionadas.
Incrédula àquilo tudo, Nathaly deu passos para trás, acabando por se esbarrar em um balcão de estudos no centro da sala, onde havia mais uma vitrine em forma de caixa retangular, desta vez menor, sobre ela. Quando olhou para trás em direção à caixa de vidro, obteve novas respostas e surpresas, para afronto à sua incredulidade ao fato, e culminar ainda mais o seu medo. Nela, havia fios de cabelo preto, rendendo-lhe um rápido flashback ao episódio em que seguranças da Butzek Corporation a perseguiram sem êxito no edifício de Manchester e lembrando-se de que sentira uma fisgada em seu couro cabeludo, justamente a puxada sofrida; outra surpresa estava ao lado dos fios de seu cabelo, sendo uma amostra de sangue com o nome de seu pai no recipiente, o que a fez lembrar daquela coleta feita por uma enfermeira no hospital. Não bastando, ela viu outro suporte similar ao lado para colocar outro frasco de amostra. Este estava vazio, mas não evitou que Nathaly lembrasse de algo, para o seu maior temor...
Quando deixou a sala tomada por uma aflição, ela se encontrou com uma pessoa ao virar em um dos corredores.
– Srta. Kate? O que faz aqui?
Era a secretária de Eduard.
– Onde está Eduard?
Nathaly foi suscinta em sua pergunta. A secretária ficou sem reação para respondê-la, apenas trocando olhares com a jovem, que estava séria.
Em um dos laboratórios privados reservados pela Butzek Corporation em Manchester, Eduard se encontrava com a sua miniequipe científica formada pelos dois homens somados a ele em uma sala equipada com vários aparatos científicos da época, e até mesmo pouco mais avançados. Distanciando-se dos seus auxiliares, que estavam focados nas preparações de algo, ele foi até a sua maleta de metal e a abriu. Erguendo um frasco já vazio à altura de seus olhos, ele o olhava, pensando. Em seu rótulo, estava escrito o nome de Nathaly. Era o frasco faltante na sala secreta do empresário em Londres, que tivera o seu conteúdo usado.
Ao colocar o recipiente na maleta e fechá-la, ele ouviu uma voz:
– Você sempre quis a ter como filha, e agora quer que seu sangue corra pelas minhas veias, para eu ser igual a ela.
Olhando para um canto da sala, ele estava tendo a visão de Juliana falando com ele, que acrescentou:
– Nunca deveria ter contado nada para você. Jamais pensei que chegaria a esse ponto.
Eduard começou a balançar a cabeça em negação enquanto passou a encarar a sua maleta.
– Não. Não. Nada pôde lhe tirar do coma. A única solução foi essa, filha – dizia ele consigo mesmo.
– Está tudo pronto, senhor – falou um dos auxiliares. – Senhor?
Ele olhou para seu funcionário e logo deu uma olhada para aquele canteiro, não tendo mais a visão de sua filha. Para ele, era tudo de sua cabeça, pois possivelmente estava crendo que aquela perturbação era um acumulativo mental e emocional provocados pelo o seu pesadelo tido e a pressão de resolver o caso de sua filha, além de outros fatores desfavoráveis a ele. Entretanto, era uma visão que parecia ser bastante real.
A verdadeira Juliana estava em uma espécie de câmara interligada por fios e mangueiras, estando com os seus membros, pescoço e cintura presos por cintos de couro à uma chapa de aço inclinada a alguns graus para trás, ficando na diagonal, e entubada com uma máscara de oxigênio. No reflexo do vidro, era visto Eduard observando o rosto da filha, que estava sem reação alguma, ainda presa em seu coma.
– Prossigamos – disse Eduard, decidido, embora a olhasse perdidamente.
Usando seus poderes, Nathaly chegou ao local exato do escondido laboratório reservado para o experimento decisivo de Eduard. O lugar era isolado da movimentação rotineira de Manchester, estando dentro de um terreno tomado por algumas vegetações e rodeado por altas grades de proteção. No alto das grades, ela viu placas de aviso:
CUIDADO! CERCA ELÉTRICA.
Ela ponderou no que ia fazer.
Novamente recorrendo aos seus poderes, com a absorção de DNA animal, Nathaly aderiu-se da peculiaridade encontrada em enguias, uma espécie de peixe: a condução equivalente de eletricidade. Sua pele teve uma leve alteração em seus poros, algo visto em suas mãos, pescoço e rosto, que estavam descobertos para a visualização naquele momento.
Respirou fundo ao se concentrar, olhando para a cerca eletrizada em milhares de volts no topo.
Estando pronta, ela pulou nas grades e começou a escalá-las até chegar ao ponto onde passava a eletricidade. Passando pela cerca elétrica, as primeiras fortes descargas acometiam o seu corpo, aumentando cada vez mais a sua intensidade, a ponto de ocorrer estalos de energia; porém, todas elas foram resistidas com êxito – uma experiência perigosa, mas que fez Nathaly entender mais sobre os seus poderes. Um amadurecimento.
Agora, Nathaly estava dentro do território, sem vigilantes à postos para flagrá-la. Tudo estava colaborando. Sentindo que uma quantidade de energia acabara por ser tragada ao seu organismo sob os efeitos dos poderes, ela socou o chão de terra com sua mão direita, aterrando-o por debaixo do solo, e a energia armazenada nas células modificadas foi descarregada de seu corpo. Feito aquilo, ela se colocou de pé; observando um lado e outro, continuou a andar.
Eduard e a sua dupla de cientistas haviam tomado suas posições atrás de um painel de controle responsável pela câmara. Um daqueles cientistas auxiliares olhou para o empresário, recebendo um sinal com a cabeça dele, e apertou alguns botões, puxando uma alavanca em seguida. As aparelhagens começaram a dar os primeiros sinais de funcionamento, liberando uma nuvem de fumaça para dentro da câmara. Era uma espécie de sistema de purificação recém-criada, levando a crer que Eduard considerou a veemente hipótese de George, que alegou ser a radioatividade dos minerais modificados que estava no corpo de sua filha a responsável pelo coma profundo e de aparente quadro irreversível.
A fumaça substancial supostamente inofensiva começou a penetrar na pele de Juliana; as partículas alcançaram a camada mais profunda da pele, penetrando também na corrente sanguínea, o que faria parte para desintoxicar até os confins do corpo de Juliana. Mas, o que supostamente o sangue injetado de Nathaly serviria como algum anticorpo especial caso houvesse alguma reação negativa, a dose entrou em interação mútua com o sangue de Juliana e com as partículas da substância contidas na cortina de fumaça, alterando moléculas biológicas em aceleração muito alta, e como se cada uma daquelas moléculas estivesse sendo reconstruídas com recombinações inesperadas.
A pressão da câmara estava aumentando, e o painel acusava severamente.
– O que está havendo? – questionou Eduard, notando a anormalidade. Ele foi para perto da máquina, vendo o estado crítico. – Regressem! Parem já o processo!
Prontamente, os cientistas tentavam cancelar, mas não conseguiam.
– A pressão está muito alta. Não conseguimos ter uma parada súbita por impedimento do mecanismo maquinário. Pode ser perigoso se forçarmos agora, senhor – disse um dos auxiliares.
– O nível de CO2 também está aumentando na câmara... – informou o outro, que visualizou em painel.
– Ela pode morrer ali dentro! – disse Eduard, nervoso.
Eduard ignorou os prognósticos de seus empregados científicos qualificados e tomou à frente dos controles do painel. Observando os controles, viu que nada poderia fazer, e um comando naquela altura poderia induzir ao erro fatal. Não havia saída. Para piorar, a câmara começou a tremer com a alta pressão, atraindo as atenções de todos ali. Em segundos, o vidro estourou, e uma onda de pressão jogaram todos para trás; algumas lâmpadas foram vítimas da onda, sendo estouradas, soltando faíscas pós-estouro; pequenas janelas que ficavam na parte superior da parede também foram acometidas, tendo seus vidros quebrados brutalmente. O barulho interno foi grande.
Do lado de fora, Nathaly chegou a sentir um tremor, e ouviu os vidros se quebrando, deixando-a ainda mais preocupada.
Um silêncio. A sala estava dominada pela fumaça, que diminuía gradualmente pelo ambiente, mas a sua densidade ainda estava sobre a câmara, a origem de toda aquela situação, sendo acobertada por aquela nuvem.
Eduard foi o primeiro a recobrar a consciência. Ele se levantou com dificuldades, até estar literalmente de pé; olhando em volta, viu a sala revirada, bagunçada pelo incidente, mas logo lhe veio a preocupação maior: Juliana. Ele dava passos lentos em direção à câmara quando parou ao avistar uma silhueta feminina entre a fumaça. O empresário estava munido de expectativa, remexendo os lábios como se quisesse sorrir. Aquela silhueta bem torneada começou a dar passos para frente. Os pés femininos, e nus, foram expostos, como todo o corpo, ao deixar a cortina de fumaça. Eduard, antes olhando para aquele par de pés, erguia vagarosamente sua cabeça, passando por toda a extensão daquele corpo, que estava completamente nu. Ao chegar à região do rosto, ele se mostrou claramente pasmo. Estava vendo... Nathaly à sua frente o encarando?
– O-onde está minha filha? – perguntou ele, no automático da preocupação.
Aquele rosto familiar a ele não parava de olhá-lo com a íris de seus olhos muito diferentes. Não eram nem azuis, nem muito menos verdes. Eles eram avermelhados.
– Ela se foi, vater – respondeu ela, finalizando em alemão com a palavra "pai".
Um maroto sorriso estampou em sua face, para temor de Eduard. Ela então deu-lhe um forte tapa à altura do peito, o empurrando para o lado, fazendo-o ser arremessado à uma prateleira. Os cientistas auxiliadores presenciaram a cena pouco depois de se levantarem, e miraram seus revólveres de defesa contra ela.
– Parada aí!
Tranquilamente, ela olhou para eles, tendo desdém àquela atitude dos homens, que mais tremiam com as armas em mãos do que segurarem firmemente nelas.
– Vocês não teriam coragem de alvejar de balas esse corpinho sedutor, teriam? – disse ela, em pensamento alto. – Pobres humanos, que se acham alguma coisa.
As íris de seus olhos fumegaram-se, e raios de calor saíram em direção às armas. Elas estouraram nas mãos deles, os jogando novamente no chão. Vendo que estava sob controle, ela foi até um mancebo e pegou um jaleco para se vestir.
– Bem melhor assim. O meu rostinho de anjo já basta para despertar certas fantasias – comentou, após abotoar a vestimenta. – Esta roupa até me lembra de uma pessoa...
Nathaly chegou à sala, parando na porta. A jovem mulher com as mesmas fisionomias dela estava de costas, mas pressentiu a presença de alguém na porta. Suas narinas se mexeram em ato de farejo. Reconhecendo o odor captado, semelhantemente usando um dos mesmos poderes de Nathaly, sendo a absorção de DNA animal para reproduzir suas características e habilidades, ela empinou o rosto com um olhar de convencida e se virou sem margem à mistérios, revelando a sua face enquanto sorria com os lábios. Nathaly se espantou ao vê-la dos pés à cabeça, sendo exatamente igual a ela, com exceção aos olhos. Era incrivelmente impressionante!
– Olá, maninha. – A moça exteriorizou o sorriso mostrando os dentes, convicta de si mesma.
Não havia mais palavras, tamanho era o choque. Enquanto Nathaly estava literalmente pasma, a sua outra pessoa se crescia encarando-a com aquele sorriso malicioso.
Agora, eram duas Nathaly, com as mesmas características não somente físicas, mas também tudo indicava com os mesmos poderes, estando frente a frente.
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