Capítulo Quatro: Sem Saída
Um comércio noturno de jogatina estava entupido de apostadores naquela noite. Inclusive, já era tarde da noite. O espaço partilhava não somente das pessoas. O local era tomado por fumaça das pessoas que tragavam cigarros e mais cigarros. Aquela fumaceira pairava em uma das mesas de apostas onde haviam cinco pessoas jogando. Eram homens, e estavam de ternos, ostentando-se. Entretanto, um não estava à caráter dos demais da mesa.
– Algo tira sua concentração no jogo, Sr. Thompson? – perguntou um dos homens, ajeitando o seu chapéu. Sua postura o definia como a referência da mesa, mais precisamente o líder – Essa já é sua quarta derrota no jogo. Espero que banque com as dívidas já anotadas por nós.
– Não, senhores. – Tossia por causa daquela fumaça em suas narinas. Talvez, isso era a sua distração. – Essas anotações serão uma singela lembrança de que tiveram que me pagar.
– Vamos ver. – Os homens riam marotamente, em um coral nada apreciador.
Sim. Allan estava nas altas horas daquela noite se dedicando a um jogo diante de homens poucos companheiros – a não ser quando envolvia dinheiro. – A pressão para o rapaz era grande. Mesmo com essa pressão e já acumulando derrotas, ele insistia em novas rodadas da mesa, acreditando que reverteria a situação. Nada adiantava. Mais endividado ele ficava. Os homens riam mais dele a cada jogada mal feita, que o levava a mais uma derrota.
– Atenção, senhores! Chega por hoje. Vamos fechar – anunciou uma atendente, trajada com vestimentas provocantes.
Ouvindo aquilo, Allan deu um gole seco.
– Bem, parece que não há mais tempo para recuperar – disse o homem de chapéu, olhando para os seus companheiros e para Allan, respectivamente. – É hora do pagamento.
Allan observava aquela mão do homem estendida em sua direção para receber o dinheiro e aos demais da mesa que o olhavam – olhares que oprimiam qualquer apostador ou pessoa comum –; ele suava com aquela situação.
– Eu não tenho aqui agora – disse Allan.
– Como não, rapaz? Achei que tivesse por ir tão longe conosco. – O homem deu risadas olhando para os outros da mesa. – Jogou, é dívida, camarada.
Sob nenhuma palavra, Allan se levantou da cadeira e teve a coragem em dar às costas para eles como se não devesse nada. O homem se levantou e foi atrás dele.
– Já ouviu falar que uma vida não tem preço? – perguntou, segurando violentamente o rapaz pelas argolas da camisa – Talvez ela zere suas dívidas. Mas quero o pagamento tradicional. Torne para cá, ainda hoje, na porta.
Ele empurrou Allan contra um segurança já prontificado atrás. Ele o pegou e o conduziu à porta com extrema força, a ponto de fazê-lo cair em cima de uma poça da calçada, fechando a porta na sequência. Todo sujo, Allan levantou-se rapidamente, ficando de pé ainda se desequilibrando. Seus olhos arregalados olhando para os lados o acusavam estar tenso e muito preocupado. A situação se agravou.
No dia seguinte, Nathaly estava pronta para ir à escola com seu namorado, que prometeu buscá-la em sua casa. Nervosa, ela o esperava andando para lá e para cá pela cozinha. Seus pais a assistiam da mesa, de modo a ficarem tontos com tantas idas e vidas da filha pelo cômodo.
– Acalme-se, Nathaly. Ele já deve estar chegando – disse Clara.
– Não podemos chegar atrasados, mãe – disse Nathaly, parando. – Ele já está em cima da hora.
Steven levantou-se da cadeira e foi até a filha, colocando sua mão no ombro dela.
– Creio que isso seja por causa dos seus ânimos em estar dentro de um relacionamento pela primeira vez. Talvez, ele acabou tendo algum empecilho no meio do caminho – presumiu. – Eu a levo até a escola. Se ele vier aqui, sua mãe falará com Allan. Posteriormente, ele dará algum parecer sobre.
– Obrigada, pai – agradeceu.
Nathaly viu segurança nas palavras do pai, e aceitou ser levada por ele até a escola.
Enquanto isso, Allan andava em passos mais do que largos pelas ruas do bairro. Mas aqueles passos não eram por estar atrasado em buscar Nathaly. Aquela noite ainda o perturbava; ele não havia atendido o último aviso daquele homem da jogatina. E aquela rejeição do aviso por não ter o dinheiro para pagar o deixou temeroso, sempre com o rosto daquele desconhecido homem em sua mente.
Steven chegou com Nathaly à escola, estacionando o carro em frente do portão principal. E eles chegaram muito a tempo. Steven desceu para abrir a porta para a filha. Quando chegou perto, John apareceu primeiro por ali e segurou a maçaneta da porta.
– Quão rápido você é, Sr. Mitchell – admirou-se, sorrindo. – Obrigado.
– Obrigada, John. – Nathaly olhou para ele com o seu jeito meigo. John deu aquele sorriso, que logo foi se desmanchando ao notar o anel no dedo da amiga, quando ela deu uma ajeitada na franja. – Pai, eu não quero fazê-lo se atrasar. Pode ir.
Steven cumprimentou John e deu um abraço apertado na filha, quase não largando um do outro. Ele deu aquele pique para o outro lado do carro.
– Tenha um ótimo trabalho, Sr. Kate! – desejou-o John ao virar-se.
– Obrigado, meu rapaz! – agradeceu, acenando para os jovens enquanto adentrava no carro; Nathaly acenou, se despedindo sob buzinadas do carro.
John e Nathaly ficaram ali na calçada em frente ao portão calados por algum tempo. Eles se falavam apenas com olhares. O que era pouco para uma comunicação eficiente. Até que Nathaly decidiu falar:
– Soube que você foi a minha casa esses dias. – Ela olhou de lado com aqueles olhos indiscutivelmente encantadores. – Por que não me falou antes? E por que não entrou para estudar comigo?
– Ah... Seu pai me disse que Allan, o seu amigo, estava lhe ajudando na matéria de História... Eu não quis atrapalhá-los.
Nathaly ficou pensando em que dizer sobre o termo "o seu amigo", que já não era mais válido aos seus ouvidos, e sim namorado, mas ficou quieta. Ela passou sua mão com a aliança sobre a testa para arrumar sua franja novamente.
– E esse anel? – perguntou John, percebendo o acessório compromissório no dedo da amiga. Ele aproveitou e pegou delicadamente a mão dela para vê-lo.
– Ah! É...
Ela franzia a testa para encontrar a melhor maneira para respondê-lo com a maior transparência possível. Para a sua ou não salvação, uma voz a chamou, quebrando aquele clima:
– Nathaly – chamou-a Allan enquanto se aproximava. Quando chegou perto, ele deu uma olhada um pouco esquisita para ela e John; ele acabou avistando o rapaz pegando na mão de Nathaly. – Mitchell? Obrigado por fazer companhia para ela.
John olhou para ele sem reação.
– Bem, acho que já está na hora de entrarmos.
Allan não queria muita conversa. Isso era nítido em suas palavras e no tom de sua voz. Então, ele abraçou Nathaly de lado e passaram por John, deixando-o ver aquela cena dos dois lado a lado.
Enquanto andava pelos corredores rumo à sala, Nathaly percebeu que Allan estava muito quieto. Contudo, ela se mantinha muda por um eventual respeito.
– Está tudo bem, Allan? – perguntou-lhe, não resistindo ao silêncio entre eles. – Algo aconteceu que você não pôde me buscar em casa?
– Não, Nathaly. Não é nada – respondeu, olhando-a e desviando o seu olhar para frente. – Aliás, eu apenas perdi a hora para lhe buscar. E passei rápido em sua casa para dar alguma satisfação aos seus pais, pelo menos.
Nathaly fez uma cara de compreensão. Mas algo ainda a incomodava nele. Foi daquele jeito que os dois continuavam a ir até a sala.
No intervalo, Nathaly estava sentada com Juliana na mesa. Naquele momento, Allan não estava presente. Ele fora ao banheiro.
– Hoje será um dia bem tedioso – suspirou Juliana, revirando os seus olhos azulados. – Só em pensar que não poderei estar na empresa dos meus pais depois da escola...
– Sério? Por quê? – Nathaly olhou de lado para ela. – Você aprontou e está de castigo?
– Engraçado... – Juliana fez uma careta – Não. Na verdade, meu pai tinha marcado um compromisso, tendo que se ausentar na empresa. Eu implorei para ficar com a minha mãe, mas ele não quis que ela fosse sobrecarregada ao me supervisionar. – Ela cruzou os braços e olhou para o lado, com desaprovação. – Parece que ainda sou uma criança.
Nathaly a observava fazendo aqueles desabafos pessoais, que tornara engraçado pelo modo como Juliana falava.
– Eu acho que seus pais não lhe restringem tanto quanto os meus. – Juliana olhou para Nathaly. – Não é mesmo, amiga?
Poderia ser coisa de sua mente, mas Nathaly pressentiu algo diferente naquele olhar e tom de voz de sua amiga.
– Bem... O que quer dizer com isso?
– Nada, não. Eu apenas queria dizer que, se um dia eu apresentasse um rapaz aos meus pais, eles dificilmente iriam permitir o namoro logo de cara. Apenas isso.
As duas ficaram trocando sorrisos labiais, sem ter outro assunto repentino para engajar.
No escritório da sede de uma empresa de automotores, Eduard se encontrava muito bem sentado na cadeira de visitantes com as mãos colocadas na mesa. Ele estava tendo uma conversa com o dono daquela empresa. Aquele era o compromisso agendado do cientista.
– Bem, Sr. Butzek. Como já sabe, a minha empresa ainda é nova na cidade. E por ser nova, é promissora.
– Nem parece que é nova. A estrutura aqui é de ter inveja – comentou Eduard, mostrando ao contrário com a sua impressão.
– Oh, muito obrigado, Sr. Butzek. E sua empresa é genial em vários aspectos. Por isso, gostaria de contar com você.
– Vamos direto ao assunto, então.
O dono pegou algumas papeladas e as entregou ao cientista.
– Isso irá explicar melhor a proposta do acordo que quero estabelecer com você.
Eduard as pegou das mãos dele, começando a paginá-las. Após passar rapidamente seus olhos sobre a proposta e descrições do projeto, que envolvia lucros entre ambas as partes, ele olhou para o homem, que sorria, na expectativa de um sinal positivo do alemão.
Allan andava pelo pátio para se encontrar com sua namorada e Juliana na mesa. No meio daquele trajeto, de repente, uma nova crise de apreensão começou a tomar conta dele. Ele começou a se sentir vigiado dentro da própria escola, crendo que era aquele grupo da noite passada. Os burburinhos e barulhos em sua volta, provocados pelos alunos no intervalo, o faziam desconfiar de cada um dali. Ele olhava para um grupo de estudantes ali, outro acolá... Quase enlouquecendo. Em troca, as pessoas o olhavam esquisito por causa daquela atitude. Então, começou a andar rápido, olhando para todos os lugares, menos para frente.
– Aí! – disse ele, ao se esbarrar em alguém.
– Calma. Sou eu, Nathaly – disse ela. – Estava lhe procurando... – Nathaly percebe sua aflição – Me diga o que está acontecendo, Allan.
Allan não tinha mais escolha para manter o assunto em sigilo. Ele era encarado com o olhar sério e desconfiado da Nathaly. Ele contou o que estava se passando. Nathaly ficou completamente intrigada com o que ouviu.
– Por favor, Nathaly. Não fiz por mal – disse Allan. – Eu fiquei apertado financeiramente porque meus pais estão passando por um difícil momento em Cambridge... Não conte para ninguém... Por favor, me ajude. Fique comigo.
Nathaly foi abraçada por ele, em um ato de puro desespero. Ela ficou sem ação. Não sabia o que fazer por estar confusa; Allan parecia se sentir muito seguro abraçado a ela.
Na hora da saída, John estava indo até o portão de saída, acompanhado de Juliana.
– Nossa. Já faz praticamente mais de duas semanas do namoro entre eles dois, e você sequer viu o anel no dedo de Nathaly? – disse Juliana, gesticulando com as mãos. – Já sei: você está ceguinho por causa dos ciúmes.
– Dá para parar com isso, Juliana? Eu já disse que a questão não é ciúmes. – Ele parou. Juliana, no embalo, também parou para dar a atenção. – Você não acha que tudo isso está acontecendo muito rápido? Parece que Nathaly foi enfeitiçada. Ela nem me contou sobre isso.
– Se está rápido, eu não sei. Mas que é lindo, é – disse ela, entre risadas. Depois, o olhou com uma cara de sapeca. John a encarou seriamente.
– Juliana... Eu apenas estou querendo proteger a nossa amiga. – John cruzou os braços e olhou para o nada. – Eu ainda não confio naquele garoto.
Juliana deu de ombros, erguendo as sobrancelhas e retorcendo um pouco a boca, já começando a levar a sério o ponto de vista dele e por perceber que não estava de brincadeira no assunto.
Allan estava levando Nathaly para casa. Como de costume, eles saíam da escola primeiro do que os amigos. No meio do trajeto, um carro aproximou bruscamente deles, com três dos ocupantes descendo do veículo. Tudo em uma ação rápida e esquematizada. Eram aqueles quatro homens, que viera atrás de Allan.
– Achou que não viria atrás de você, Sr. Thompson? – disse o principal dos homens da janela do motorista. Era ele quem conduzia o veículo.
Os três homens foram em direção a Allan, com toda revolta. Nathaly tomou a frente, tentando defender o namorado. Ela pegou no pulso de um deles, mas ele a jogou no chão ao dar uma tapa em seu rosto; os outros dois pegaram Allan, encapuzando-o e levando-o ao carro. Bem sucedidos, eles fugiram, deixando Nathaly no chão com a mão no rosto e vendo Allan sendo levado naquele carro, que já estava virando à esquina.
Para o susto de Clara, Nathaly chegou em casa muito preocupada.
– Filha. O que aconteceu com você? – Clara correu de encontro à filha. – O seu rosto está vermelho... E o que faz com a mochila de Allan na mão?
Nathaly foi cheia de perguntas da preocupada mãe. Ela contou o que acontecera com o namorado, acabando por não esconder os motivos que levara Allan a ser levado pelos homens. O pedido de sigilo feito pelo rapaz não foi atendido por ela. Era necessário contar para não ser algo em vão, sem sentido. Clara segurou a filha em casa até que Steven chegasse.
– O que houve? – perguntou Steven, chegando mais preocupado do que as duas. – Eu não via a hora de ser liberado para vê-las.
Ele obteve os detalhes que não foram ditos por telefone para que ele pudesse acelerar o serviço na empresa e sair logo, como aconteceu.
– Eu preciso fazer alguma coisa. Não posso esperar mais – disse Nathaly, indignada.
– Nathaly. Nem pense em usar seus dons para intervir. A polícia está aí para isso – aconselhou-a o pai. – Afinal, você não sabe onde estão. Ou sabe?
O telefone começou a tocar. Todos da casa olharam-no. Nathaly reagiu, e correu para atender.
– Alô – disse ela, séria.
– Nathaly...
– Allan? Allan!
Os pais dela ouviram-na chamando por Allan no telefone, e chegaram mais perto para ouvir a conversa. Do outro lado da linha, Allan estava preso em uma cadeira, todo golpeado por uma eventual tortura.
– Nathaly... Ajude-me.
O chefão que segurava o telefone para o rapaz tirou o objeto do alcance dos lábios de sua vítima, e o colocou próximo aos seus.
– Esse rapaz é sortudo por estar com alguém de boa pinta. Mas quero ver se essa mesma sorte poderá ajudá-lo a não ver tudo escuro daqui a alguns minutos.
Ele não quis muita conversa, e requereu a grana através dela, dando o endereço para levar uma mala cheia do dinheiro. Caso ao contrário, Allan morreria como o preço da dívida. Não restaria escolha para Nathaly e seus pais.
– O que você vai fazer, Nathaly? – perguntou-lhe, virando-se para a filha quando ela passou por ele e sua esposa.
– Chamem a polícia para esse endereço enquanto eu antecipo o trabalho.
Nathaly deu às costas e saiu.
– Nathaly? Nathaly! – chamou-a Steven, tentando usar a autoridade, sendo em vão.
Em sua casa, John estava na mesa da cozinha, estudando. A sua concentração foi interrompida quando precisou atender a porta, que estava sendo incessantemente batida. Quem seria?
– Nathaly?
– John... Eu preciso da sua ajuda.
Embora recusasse o conselho dos pais em deixar o assunto somente com a polícia, Nathaly se viu na necessidade em contar com um de seus amigos, independente de seus dons também. John a chamou para entrar, e ela contou o que estava acontecendo.
– Então, John... Posso contar com você?
Quando ela perguntou aquilo, John estava de costas para ela, ouvindo-a e, ao mesmo tempo, pensando no que iria dizer. Lentamente, ele se virava, até estar frontalmente a ela.
– Nathaly. Aquele garoto não lhe merece. E já faz um tempo que percebi isso – disse John, com receio em suas palavras para tentar não machucar o coração de Nathaly, dando alguns passos em direção dela.
– John... – Nathaly começou a dar alguns passos para trás, impedindo o rapaz de se achegar a ela – Você não deveria dizer para mim.
– Nathaly. – Ele apressou em alguns passos para alcançá-la e pegá-la gentilmente pelo um dos antebraços dela. – Escuta. Eu apenas quero protegê-la. Parece que você está sendo tragada por ele.
– Por que ainda continua a dizer isso? – questionou-lhe, franzindo a testa enquanto o olhava aparentemente assustada.
– Porque você é a minha amiga, que me ajudou quando eu mais precisava – respondeu-a, fixando aquele olhar castanho claro no olhar verde de Nathaly.
Os dois continuavam se olhando. Ambos pensavam e mantinham suas justificativas de defesa, para convencimento.
– Eu preciso ir...
Nathaly se afastou dele, e saiu pela porta; John ficou ali, estático na cozinha. Talvez, ele pensava em como convencê-la em sua tese em relação ao relacionamento dela com Allan.
Juliana recebeu a visita de Nathaly em sua mansão. O motivo era o mesmo: ajudá-la no resgate de Allan.
– Por que demorou tanto, Juliana? – perguntou Nathaly, para uma pequena hesitação da amiga.
– Tive que arrumar algumas coisas lá em cima.
– Ok. Vamos.
Elas saíram para ajudar Allan.
Nas mãos dos homens, Allan servia como um brinquedo quebrado ou mesmo um saco de pancadas. Manchas avermelhadas em seu rosto e nas vestimentas não faltavam. Ele sangrava muito.
– Espero que a dívida seja quitada. Senão – O chefe esmurrou Allan –, já sabe – Desferiu mais um soco – o que vai acontecer. Não costumo brincar com as minhas promessas.
– Vocês vão pagar por isso – disse Allan, em agonia.
– É você quem está nos devendo, garoto – disse o homem, com repugnância. – Não devo a você nada. Nós não o devemos.
Os homens riam da cara do jovem. Cabisbaixo, Allan mostrava se alimentar de um ódio deles. A sua feição e a respiração ofegante não enganavam.
– Cabeça quente, Sr. Thompson? – notou o homem. – Não se preocupe. Vamos ajudá-lo a esfriá-la.
O chefe olhou para os seus homens com um sorriso maroto, dando um sinal a eles. Eles se retiraram para buscar algo.
No lado de fora da casa, Nathaly e Juliana estavam de frente ao portão que as limitava no acesso ao imenso quintal antes de chegar à casa.
– Como vamos fazer para entrar? – perguntou Juliana.
– Subindo o muro – respondeu, prontamente.
– O quê? – assustou-se.
Era evidente que Nathaly não usaria seus poderes diante de sua amiga. Então, o jeito era subir como qualquer ser humano subiria naquele muro, que não era tão alto e era ausente de arames farpados. Elas conseguiram passar para o outro lado.
– Eu disse que seria fácil, Juliana.
– Sim. Mas aquilo também será? – perguntou Juliana assustada, apontando.
Três cães pretos de raça com detalhes amarronzados surgiram extremamente raivosos, pronto para avançar nas jovens. Os animais correram para avançar nelas. Em uma atitude sutil e repentina, Nathaly entrou nas mentes deles com a sua telepatia através de um penetrante olhar. Eles frearam e deram a meia volta.
– O que houve? – Juliana abriu os olhos, estranhando.
– Não sei... Acho que eles tiveram medo de nós.
Juliana olhou torto para as explicações de Nathaly antes de segui-la na missão. Quando chegaram à porta, Nathaly pediu que Juliana vigiasse dali.
– E se os cachorros retornarem? E será perigoso você ir sozinha.
– Eles não vão. E não se preocupe.
Nathaly entrou na casa, deixando sua amiga na porta, vigiando.
De pé com as mãos amarradas para trás, Allan estava de frente com um barril cheio de água trazido pelos homens.
– Você já mergulhou alguma vez, Sr. Thompson? – perguntou o chefe entre sorrisos maldosos.
O homem mergulhou a cabeça de Allan naquela água. O líquido ficou até avermelhado por causa do sangue no rosto. Ele ficou submerso por alguns segundos. O líder olhou para um dos comparsas que tinha um relógio em mãos, supostamente cronometrando o tempo de submersão, e tirou a cabeça da vítima da água.
– Espero que você tenha um ótimo condicionamento físico porque, se a campainha dessa casa não tocar a tempo com o nosso dinheiro, adeus para você.
Ele tornou a olhar para aquele mesmo homem do relógio. Esse deu um sinal positivo para ele. Então, a cabeça de Allan foi mergulhada com extrema força novamente na água. Nathaly chegou em alguns segundos depois, e viu aquela cena desesperadora da porta. Aproveitando que o grupo estava distraído, ela mirou seus olhos no barril, e eles começaram a ficar avermelhados para emitir suas ondas de calor em direção ao alvo. Aumentando bruscamente a intensidade do calor sobre o material, fissuras apareceram e desmontaram o barril, derramando toda a água que havia dentro. Quando os homens ousaram a olhar para o lado, Nathaly direcionou seus olhos para o teto e usou seu poder novamente, acertando a lâmpada que estava iluminando o ambiente. Um clarão se originou, deixando os homens zonzos – a ideia era evitar que eles a vissem. – No momento em que houvera o clarão, o chefe dos homens soltou Allan, que estava inclinando para frente, e estava prestes a cair de bruços sem poder utilizar dos braços para se apoiar. Ágil, Nathaly correu e o pegou, encaixando-o em seus braços.
– Nathaly? Que bom que você veio – comemorou, estando bastante ofegante em busca de ar. – Você é muito especial.
Nathaly o desamarrou ali no chão. Mas eles não esperavam que o insistente home, líder daquele esquema, surgiria de pé diante deles com uma arma apontada para eles. O casal o olhava sem ação.
– Você, Sr. Thompson, valerá o valor da dívida; já a sua suposta amada, será os juros por ter me enganado.
Ele sorriu tenebrosamente de lado, e armou, pronto para apertar o gatilho. Mas ele foi surpreendido por um tiro que raspou a lateral de seu dedo indicador e atingiu a lateral do revólver, tirando-o de sua mão. A ótima mira era de John, que pegou uma das armas que estava por ali. Nathaly e Allan olharam para ele, e viram que ele estava acompanhado de Juliana, que estava com uma cara aflita ao seu lado; Nathaly trocou olhares com Juliana, e fez um sutil sinal com os olhos, apontando para John.
Allan olhou o homem segurando a mão que segurou a arma, cujo estava saindo um pouco de sangue, e partiu para cima dele. O rapaz estava muito revoltado. Ele dava muitos socos nele.
– Isso é – Desferia murros – para você aprender...
A revoltada era tanta, que ele o deixou com o rosto quase desfigurado. Poderia ser pior se Nathaly não interviesse.
– Chega, Allan! Chega.
Ele olhou para Nathaly, que o segurava de lado, e para John e Juliana, estando todos espantados por aquela revolta. Inclusive, os próprios capangas ficaram chocados do chão quando recuperaram suas vistas por completo.
– Acabou – disse Nathaly com uma voz suave, repousando sua mão no ombro dele.
Som de sirenes e latidos foi ouvido. Era a polícia chegando ao local e dominando os nervosos cães na invasão policial a domicílio. Quando os oficiais chegaram, viram John ainda segurando a arma.
– O que faz portando um revólver, rapaz? – perguntou seriamente um dos policiais.
Não houve tempo para John respondê-lo, pois o homem que foi desarmado pelo o tiro do jovem o dedurou, incriminando-o de ter disparado contra ele.
– Sr. Mitchell. Você está preso.
John ficou mudo ao ouvir aquilo. Ficou tão mudo, que nem se defendeu das acusações, e muito menos resistiu às algemas. O mesmo silêncio ocorria com os seus amigos e Allan. Ninguém ousou a contestar a voz de prisão contra John.
Na delegacia, Nathaly e Allan estavam esperando suas liberações em definitiva. Eles estavam de pé mesmo.
– Sr. Thompson? – chamou-o o policial.
– Sim? – Ele virou-se.
– O local onde você se endividou com esses homens é um local sem autorização. E o estabelecimento era de propriedade deles. Já encaminhamos uma viatura para fechar e prender os demais envolvidos – explicou. – Agora, tome mais cuidado da próxima vez, rapaz. E você ainda é muito novo para isso. – Ele ficou mudo por alguns instantes. – E tenho boas notícias para vocês.
– Qual? – perguntou Allan.
O policial estendeu seu braço em direção ao começo de um corredor. Na sequência, John surgiu ao lado de outro policial do distrito, totalmente livre. Ele caminhou até eles.
– Obrigado, Nathaly – agradeceu-a, olhando-a com um sorriso.
– Graças a sua companheira, ele foi isento da incriminação – explicou o oficial para Allan. – Srta. Kate. Como testemunha disso, preciso que me acompanhe até o balcão para darmos baixa.
Nathaly olhou para os garotos com aquele olhar tímido e atendeu ao chamado. Aproveitando aquele momento a sós, Allan olhou para John:
– Não esqueça que ela é comprometida, Sr. Mitchell – disse Allan, mostrando o anel no dedo na intenção de relembrá-lo.
Ele passou por John sem dizer mais nada, indo até a porta principal. Nathaly retornou sorrindo.
– Onde está Allan?
– Ele resolveu tomar um ar enquanto a esperava – respondeu-lhe, segurando sua raiva sob um olhar perdido.
Quando Nathaly saiu da delegacia, viu seu namorado ao lado de seus pais. Já era noite, e eles vieram buscá-la. Eles aproveitaram, e levaram Allan com eles.
Na cozinha da família Kate, Allan estava praticamente em um momento à qual estivesse sendo colocado contra a parede. Todos estavam assentados em seus lugares. Steven e Clara olhavam para ele enquanto Nathaly estava com sua cabeça inclinada, apenas ouvindo.
– Sr. Thompson. Por que se aventuraste naquilo? – interrogou Steven.
– Como eu dissera à Nathaly, minha família passou por um momento difícil e eles não puderam arcar com algumas coisas, tal como a casa alugada em que estou morando. Então, partir para o desespero.
– Como alguém mais próximo de nossa família através de Nathaly, você deveria nos contar – disse Clara.
– Eu não queria passar vergonha, por acharem que a filha de vocês namora um traste como eu, Sra. Kate. – Olhou tanto para Clara quanto para Steven enquanto dizia tais palavras.
O rapaz baixou a cabeça, buscando compaixão e perdão. Clara trocou olhares com o seu esposo, e Nathaly ergueu a cabeça para olhá-los.
– Está bem, Sr. Thompson – disse Steven com um suspiro olhando para mesa. E olhou para o jovem. – Mas tome cuidado com isso. Caso precise de um apoio, nunca nos deixe de comunicar.
– Ok – compreendeu. – Está ficando tarde... Preciso ir.
Steven estendeu o braço em direção à porta, mostrando-o que ele estaria liberado da conversa. Ele levantou-se e pegou a mochila que estava no sofá da sala.
– Boa noite, pessoal.
Ele deu às costas, e saiu.
– Obrigada, pai – agradeceu-o, olhando.
– Agradeça em partes, minha filha. Em uma dessas, você poderia ser prejudicada com ele. E o pior: ele acabaria sabendo dos seus dons, que o salvaram da morte.
– É para o seu próprio bem, Nathaly – reforçou a mãe.
– Tudo bem, meus pais – compreendeu-os, olhando diagonalmente para baixo.
Nathaly levantou-se e ajeitou a cadeira delicadamente sob a mesa. E subiu para o seu quarto. Os olhares de seus pais a acompanhavam no trajeto, até que ela não pôde ser mais vista nas escadas.
Em seu telefone que havia em seu quarto, Nathaly conversava com Juliana, contando o desfecho de tudo. Entretanto, foi naquela ligação que Nathaly teve uma oportunidade para tratar de algo em paralelo:
– Foi você quem contou para John o que íamos fazer, não é? – perguntou Nathaly.
– Sim – respondeu Juliana, sem muita dificuldade. – Eu liguei para ele antes de partirmos. E foi uma iniciativa minha.
– Por que, Juliana? Apenas nós duas era o suficiente para adiantar o trabalho da polícia.
– Você fala como se realmente fosse uma heroína, não é mesmo?
Do outro lado da linha, Nathaly ficou muda com aquela frase. Aquela neutralidade permitiu Juliana falar mais coisas.
– John ficou muito preocupado quando soube que você ia salvar seu namorado a todo custo. Ele até me orientou, já que eu estive com você – disse ela. – Não é todo dia que possuímos amigos assim, Nathaly.
– É... Sim... – disse Nathaly, em um olhar perdido para pensar no que escutara.
Após desligar o telefone, Nathaly andava pelo quarto, e parou. Ela começou a observar o anel em seu dedo enquanto mexia sua mão para vê-lo em outros possíveis ângulos. Ela fechou o seu punho sob um olhar profundo, direcionado para o nada, dando a entender que estava a pensar.
Enquanto estava naquele estado pensativo, Nathaly percebeu uma leve dor de cabeça, que surgira naquele instante. Sua reação foi levar a mesma mão com a aliança à altura da lateral da testa e fechar lentamente um de seus olhos, além de retorcer um pouco suas sobrancelhas.
– Nossa... Acho que deve ser o cansaço do dia. Acho que dormirei mais cedo hoje – disse consigo mesma. – Antes, irei tomar banho.
Ela foi ao seu guarda-roupa e pegou outro vestido. Então, apagou a luz e saiu do quarto.
Ainda em sua sala executiva, Eduard estava mexendo em seus papéis sobre a mesma. Sua esposa, que ainda estava na empresa, apareceu-lhe com uma expressão neutra.
– Querida? – disse Eduard, olhando-a com a sua cabeça ainda inclinada para a mesa. – Não se preocupe, pois já vamos. Ok? A Juliana sabe se virar em casa.
– Não. Não é isso, Eduard. – Luiza fez um gesto com a mão, negando tal preocupação. Eduard ajeitou as papeladas, trouxe sua cadeira para perto da mesa e apoiou suas mãos juntas sobre ela, direcionando totalmente sua atenção para ela. – A nossa matriz na Alemanha precisa resolver alguns problemas. E como você está atarefado, achei melhor eu ir até lá.
– Ah! É verdade, Luiza... Eu fui notificado sobre isso agora há pouco – lembrou, percorrendo seus olhos para os lados, pensando. – Quando pretende ir?
– Pretendo ir ainda essa semana.
– Por mim, está tudo bem – aceitou. – Mas fique sabida que sentirei saudades tanto quanto a nossa filha – sorriu, apontando o lápis para a esposa. – Volte logo.
– Voltarei logo – assegurou-o. – E quanto ao acordo que você fez hoje?
– Uma empresa de automotores quer contar com alguns de nossos funcionários para um projeto, digamos, inovador.
– Poxa... Deve ser bem interessante.
– Sim, claro. E o dono dessa empresa estava precisando de um metalúrgico para se juntar ao projeto.
– E você conhece alguém para indicar, Eduard?
– Achei que saberia o óbvio...
No dia seguinte, na indústria onde trabalhava, Steven foi avisado que alguém o esperava em um setor reservado. Certamente, ele ficou surpreso com o aviso de visita, e foi de encontro a ela. Chegando lá, Steven se surpreendeu:
– Sr. Butzek?
– Sr. Kate – disse Eduard, virando-se para ele.
– O que faz aqui, Sr. Butzek?
– Eu tenho uma proposta para você.
Steven olhou para o cientista bastante curioso; Eduard apenas o olhava com aquele olhar de satisfação antes de começar a falar sobre o assunto.
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