Capítulo Doze: Intercessor

No caminho à escola, Nathaly e Allan conversavam. No meio daquela conversa, Allan resolveu retomar um assunto que a própria Nathaly teria lhe contado em outra oportunidade:

– Será que aquela dor de cabeça poderia ser algum novo dom? – perguntou.

– Não – respondeu Nathaly. – Se fosse, eu já teria manifestado algo mais, apesar de minha pessoa ser uma verdadeira caixa de surpresas.

– E você já contou aos seus pais sobre o que aconteceu?

– Ainda não. Não pretendo preocupá-los mais – disse Nathaly. – É capaz do meu pai querer envolver a minha "nova mãe" e criar certa tensão. E apenas quero ter vida.

– É... Também acho melhor deixar do jeito que está.

Ele ergueu sua cabeça a tomou postura, continuando a andar. De repente, Nathaly parou, fazendo-o dar mais alguns passos sem ela. Ele parou e retornou.

– Achei que fosse insistir para que eu os contasse sobre isso – disse ela, olhando-o meramente surpresa. – Tanto você quanto eles sabem sobre o meu segredo.

– Bem – Allan aproximou-se mais dela, pegando suas mãos delicadas, e a olhou nos olhos. Um olhar que passava uma convicção –, a princípio, eu faria isso; mas respeito seu momento de insegurança. Apenas isso.

Nathaly acabou por sentir-se mais segura com as palavras dele. Uma segurança maior do que aquela não haveria naquele momento. Ela, então, o abraçou com extrema satisfação em seu gesto.

– Sabia que me compreenderia.

– Parceiro é para essas coisas, não?

Enquanto Nathaly sorria apoiando seu queixo no ombro de Allan, o seu namorado também apoiava o seu no ombro dela. Porém, ele não sorria tão quanto ela. Ele mal sorria com os lábios, e o seu olhar continuava natural, olhando inclinadamente.

Era aula de inglês para a turma de Nathaly. E a professora da disciplina montou uma dinâmica. Ela escreveu no quadro negro, a lousa, algumas frases, onde cada uma delas possuía sua lacuna, deixando-as incompletas para, justamente, os alunos as completarem e praticar a gramática de nível muito avançado. Não havia um grande número de frases, mas, quando aquela dinâmica começou, Juliana parecia estar se pressionando a ser um dos alunos a ir à frente e participar. Mas ela sabia de suas limitações formais ainda persistentes no idioma; porém, respirando fundo, resolveu se colocar de pé.

– Srta. Butzek – disse a professora, sorrindo e mostrando o giz.

A sala era um silêncio absoluto desde o início da dinâmica. Mas parecia estar mais para Juliana. Ela olhou para o lado e viu Nathaly a apoiando em seu simples olhar. O mesmo era com Allan. Então, ela criou coragem e foi à frente. Pegou o giz da mão da professora e dirigiu-se à lousa. Quando encostou o giz no quadro, ela ouviu alguns risos abafados. Vinham dos fundos da sala. Olhando para trás, avistou um trio de garotos apoiados em suas carteiras. Ignorando, tornou a se virar para a lousa. O nervosismo ou a desconcentração provocada, ou ambos, a fez passar uma vergonha inesquecível naquele momento, cometendo um erro inimaginável. Ela não tinha a mesma pressão de um nativo, mas o fato de representar uma origem estrangeira já era o motivo da decepção. A professora corrigiu na sequência, apagando o que a sua aluna escrevera. Mas não apagaria tal vergonha e frustração sofrida por Juliana.

Naturalmente, Juliana ficou apática durante o restante da aula, não aproveitando a continuidade da dinâmica com os outros estudantes da turma, até que o primeiro período terminou com o tocar do sinal para o intervalo. Ela levantou-se de sua cadeira ao mesmo tempo em que Nathaly e Allan levantavam das suas.

– Não fique assim, Juliana. Acontece com todo mundo – disse Nathaly, como um verdadeiro ombro amigo, apesar de Juliana não ter usado-o para repousar sua tristeza.

– É, Juliana. Deixa isso para lá – disse Allan, estando um pouco despreocupado com a situação. Talvez, seria o jeito masculino de ser, não sendo tão sentimental quanto às mulheres.

– Tudo bem, pessoal – disse Juliana, cortando-os.

Eles dirigiram-se até a porta. Mal haviam deixado a sala, e Juliana foi abordada por aqueles três estudantes que, supostamente, estavam rindo dela no momento da dinâmica.

– Você é muito sabichona, Juliana – comentou um deles, ironicamente.

– Vocês estavam me zombando nos fundos da sala. Foram vocês quem me deixaram nervosa – disse Juliana, fechando a cara.

– O que foi? Vai chamar o exército alemão para nos dizimar agora? – Ironicamente, ele se aproximou, olhando nos olhos dela. – Alemães jamais deveriam aprender o nosso idioma. Quanto mais pisarem seus pés em um país tão nobre como o nosso. Vocês não têm nada. E nunca terão nada!

Os garotos começaram a rir. Um peso na consciência sobreveio à Juliana, provocado pelos comentários preconceituosos de um deles. Ela não aceitou levar qualquer desaforo para si, dando uma tapa no rosto do estudante. Não achando suficiente, ela avançou nele. Uma briga se originava ali, no corredor.

Nathaly deixou Allan onde eles estavam, e foi apartar aquela briga. Involuntariamente, ela pegou em um dos pulsos do garoto e acabou apertando-o – também involuntariamente –, com a sua força excessiva provocada pela adrenalina provinda de seus poderes. Ele queixou-se na mesma hora.

– Protegendo a sua amiguinha alemã, Nathaly? – disse ele, segurando o punho que fora apertado. – Eu achei que ainda fosse do nosso time.

Como resposta, ele pensou em atacá-la covardemente. Mas um peitoral apareceu em sua frente, como uma barreira. Era John. John o pegou pelas argolas da camisa.

– Nem se fosse com uma pétala de rosa você poderia bater em uma mulher, meu amigo – disse John, seriamente.

O diretor da escola passava naquele momento, e presenciou aquele tumulto. Todos foram intimados a estar na diretoria. Juliana, Nathaly, Allan, John e os dois garotos do trio foram à frente; o outro que fora surpreendido por Nathaly deu uma olhada em seu pulso, que ainda estava dolorido, e notou que ela chegara a deixar a marca de sua mão na pele. Somente depois que ele acompanhou os outros intimados.

Na diretoria, o diretor colheu as informações dos estudantes envolvidos na confusão, ouvindo cada um deles.

– Essa escola não tolera atos preconceituosos com pessoas vindas de outras nações, ou por qualquer outro motivo – repreendeu o diretor, sendo direto e rude. – Vocês três receberão uma advertência, que deverá ser assinada pelos seus responsáveis, para ciência do que aconteceu aqui. – Ele olhou para John. – Você também, Sr. Mitchell. Agora, podem deixar a sala. Somente os garotos.

Os garotos iam saindo da sala cabisbaixos. Mas aquele que ofendeu Juliana e foi segurado por Nathaly retornou para mostrar a marca em seu pulso para o diretor, com o objetivo de dedurar Nathaly como uma das agressoras. Então, deixou a sala olhando-a seriamente. Allan, que estava também presente na sala, teve que sair e ficar aguardando no corredor, onde John também estava por ali, ao lado da porta.

– Por que não a defendeu? Não é você o namorado dela? – questionou John, referindo-se a falta de atitude de Allan.

– Eu fiquei sem ação, Mitchell – respondeu, com os braços bem cruzados. – Bem que você queria que fosse eu a tomar suspensão.

Os dois tiveram novamente aquela troca de olhares tenebrosas, a ponto de cada um ficar em um lado da porta, como se fossem seguranças da sala principal da escola. Nem os inspetores faziam aquilo.

Na sala, o diretor ainda conversava com Nathaly e Juliana:

– Vocês sabem que vocês podem contar com a escola para resolver esse tipo de situação. Não eram para ter agido daquela forma. E, por isso, vocês também receberam uma advertência por escrito. Está bem?

Elas se olharam, antes de quebrar aquele pequeno silêncio na sala.

– Sim, Sr. Bennett – responderam-no.

Bennet era o segundo nome de Max. Max Bennet, o diretor de uma das principais escolas no bairro. A conversa acabou não tendo continuidade quando o telefone tocou. A reação que tomara ao reconhecer a voz mostrava que ele estava com alguma expectativa. Era sua esposa que ligara para lhe informar sobre uma delicada situação do filho deles.

– Como está o nosso filho, amor?

– Querido... Temos uma má notícia...

– O que seria? – Max se levantou da cadeira.

– Charlie foi diagnosticado com leucemia aguda. O caso dele está muito avançado, querido. – A mulher aproximou mais o telefone dos lábios. – É preciso achar uma cura o quanto antes.

Aquela notícia enfraqueceu Max emocionalmente. Ele apenas se despediu da esposa, alegando estar indo imediatamente ao hospital onde o filho estava internado, e desligou o telefone. Lentamente, ele se sentava na cadeira novamente.

– Está tudo bem, Sr. Bennet? – perguntou Nathaly, ousando a querer saber.

O diretor não foi rude para que desconversasse sobre o assunto, e contou parte da situação vivida pela família em relação a Charlie Bennet e o seu último diagnóstico, repassado por telefone por sua esposa.

– Podemos visitar o seu filho? – perguntou Nathaly.

Estando de cabeça baixa, apoiando o seu queixo sobre as mãos entrelaçadas com os cotovelos apoiados à mesa, ele ergueu-a para olhá-la.

Tanto ela quanto Juliana foram levadas ao hospital pelo diretor, através de uma autorização formal para liberá-las, com a condição de serem também autorizadas pelos pais. Quando entraram, eles foram conduzidos ao andar e corredor correspondentes ao quarto de Charlie. No próprio corredor, próximo à porta do quarto do paciente, o médico e a esposa de Max estavam à sua espera. De longe, já eram notadas expressões sérias estampadas em suas faces.

– Como está, doutor? – Max cumprimentou-o com um aperto de mão. – Eu vim o mais rápido possível para saber detalhes do caso.

O médico não estava tão animado para falar detalhes do diagnóstico. Por isso, suspirou antes de começar a falar.

– O seu filho foi diagnosticado com uma leucemia aguda, onde sua corrente sanguínea está sendo praticamente dizimada. E não temos uma resposta para que seja revertido tal quadro. – Ele colocou sua mão no ombro de Max. – Esperamos por um milagre, Sr. Bennet.

Já não foi fácil ouvir a notícia através da esposa por telefone, e agora um verdadeiro rombo em seu interior surgia através das palavras do próprio médico que cuidava do caso. Nathaly e Juliana também sentiram a dor do pai, até que Juliana atravessou na conversa:

– Talvez eu possa ajudá-los, senhores.

– Você? Como? – perguntou o médico, dando atenção.

– Na verdade, meu pai. Ele é cientista. Talvez, ele possa ajudar no caso. – Juliana deu uma hesitada por alguns instantes. – Eu vou conversar com ele.

Juliana se despediu de Nathaly e de todos, e saiu em passos ligeiros até sumir, virando o corredor. Após olhar sua amiga indo embora, Nathaly andou preocupada até a janela do quarto de Charlie, e viu o menino, que aparentava ter aproximadamente dez anos, inconsciente por estar dormindo através de medicamentos. Olhando para o lado, ela viu uma enfermeira passando com algumas bolsas de sangue pelo corredor com um carrinho metálico. Uma pequena mudança em sua expressão trazia consigo alguma coisa pensada.

Quando chegou a sua casa, os seus pais e o seu namorado estavam esperando-a normalmente, sem alarmes pela demora em seu retorno. Na sala, sendo um dos palcos para debater assuntos e conversar, Nathaly começou a explicar a situação vivida pela família Bennet. Todos estavam a ouvi-la com atenção, absorvendo detalhes. De repente, ela parou de falar, e ficou cabisbaixa. Ela pensava em algo.

– É extremamente triste ouvir isso, minha filha. – Steven levantou-se do sofá, indo em direção à Nathaly, que também estava assentada. Ele colocou sua mão no ombro dela e deu um pequeno suspiro de lamento. – Nós apenas temos que esperar por algum milagre. Fora isso, nada podemos fazer.

Sentindo aquela mão sobre o seu ombro, Nathaly ergueu sua cabeça já decidida, e olhou nos olhos do pai.

– Talvez eu possa, pai.

Steven estranhou o que sua filha acabara de dizer a ele. Clara e Allan, como coadjuvantes daquela curta conversa, também fizeram seus sinais de espanto, estando curiosos para saber o que mais Nathaly falaria para eles.

Após chegar à empresa, Juliana foi conduzida ao escritório executivo de seu pai pela competente secretária. A funcionária deixou Juliana mais confortável no escritório, deixando-a sozinha esperando pelo seu pai, que estava ocupado em outro setor da empresa. Com os braços cruzados, Juliana observava aleatoriamente o escritório, sem compromisso na observação, já que conhecia um pouco do ambiente desde quando passou a ter o seu preparatório promovido pelos pais. Mas algo a impulsionou explorar, depois de olhar para a mesa. Ela foi até ela, e olhava para os documentos deixados ali. Não resistindo, pegou-os para olhá-los. Dentre eles, ela viu um que mais a chamou atenção, que era sobre aquela mudança de local daqueles materiais encaixotados que estavam trancafiados naquela sala com uma mega porta de aço, semelhante a um cofre, cuja quadrilha de Michael Dolman chegou a ir atrás e não teve êxito na missão. No documento estava escrito o lugar aonde as caixas foram levadas. O destino final era Liverpool.

– Desculpe a demora, filha – disse Eduard, já fechando a porta.

Juliana tomou um susto com a voz do pai, e rapidamente tentava recolocar os documentos sobre a mesa.

– O que está fazendo? – perguntou, arqueando uma das sobrancelhas do rosto.

– Nada, pai – respondeu, sorrindo. – Na verdade, eu estava arrumando seus documentos. Estavam sendo bagunçados pelo vento.

Eduard olhou desconfiadamente e viu que realmente a janela atrás da mesa estava um pouco aberta.

– Hm... Obrigado por esse favor. – Ele começou a se aproximar da filha. – Conte-me como foi a visita ao filho do diretor da sua escola.

– O caso do filho dele é muito sério, pai. Ele pode não resistir à leucemia a qualquer momento, e os médicos não têm uma intervenção que possa reverter o quadro agressivo. – Juliana fez uma cara preocupante após contar. Por sua vez, Eduard permaneceu imóvel, esperando algo mais a ser dito pela filha. – E eu me comprometi a ajudar a família e os médicos através de você, pai. Talvez, você possa intervir.

Eduard suspirou, e colocou sua mão no ombro dela.

– Tudo bem, filha. Vamos fazer de tudo para ajudá-los de forma urgente – disse ele. – Agora, pegue o seu avental para começar o trabalho. Tudo bem?

– Sim – respondeu.

O pai sorriu e já estava dando às costas para ela.

– Pai... – chamou-o, e ele se virou. – Preciso contar uma coisa que aconteceu na escola hoje.

Chegara o momento mais duro na conversa. Juliana não queria esconder o que acontecera na escola envolvendo sua própria pessoa e a discriminação vivida. Mas não haveria como esconder nada de seu pai. Posteriormente, ela teria que mostrar a advertência recebida da direção, e defender-se justificando o porquê ela brigou com os seus colegas de classe, apesar de estar ciente de que aquela atitude não era uma saída para acabar com a discriminação contra o seu povo. Tal atitude a fez dar brecha de modo a muitas pessoas estreitassem ainda mais os pensamentos sobre o povo alemão.

Na casa dos Kates, a tensão se instalara na sala:

– Não, Nathaly. Você nem pense nisso – exaltou-se Steven, porém mantendo o tom de voz. – Alguém poderá descobrir algo sobre você.

– Eu não posso deixar o filho do diretor morrer, pai. Se tenho dons, poderes... – Nathaly levantou-se – Talvez o meu sangue seja um remédio.

– Não pode ser. Já não bastava a Mãe Natureza querer separá-la de nós, e agora quer que todos saibam quem você é, deixando-a tão exposta?

Clara aproximou-se do esposo para acalmá-lo, tocando o ombro dele.

– Por que isso, filha? Isso é realmente ideia dela? – perguntou Clara, implementando a intuição de Steven.

– Essa decisão não é dela. É exclusivamente minha, mãe.

– Pode ser realmente perigoso, Nathaly. Seus pais têm razão – disse Allan, aproximando-se lentamente da família, concordando.

Eram três contra um. Logicamente, os votos eram unânimes. Nathaly olhou para cada um deles, que também não desviavam seus olhares dela. Um pequeno silêncio da apreensão culminava no ambiente.

– Com licença.

A pressão sobre ela a fez subir para o seu quarto sem ser acompanhada por alguém, deixando seus pais e o namorado na sala, apenas acompanhando-a a subir pelas escadas e desaparecer de suas vistas. Desaparecendo, os três se olhavam com certa apreensão.

No hospital, tudo parecia instável. O garotinho Charlie dormia tranquilamente quando uma inesperada convulsão o atacara, fazendo-o debater inconscientemente na cama. A enfermeira que o vigiava dentro do quarto abriu a porta às pressas para chamar o médico, que ainda conversava com Max e sua esposa, e contava com a presença dos cientistas cedidos por Eduard para tratar a situação. A tensão foi única. O médico imediatamente se dirigiu ao quarto do paciente, chamando os outros pelo corredor, e não permitiu que os pais de Charlie e os cientistas entrassem.

– Temos que sedá-lo novamente! – ordenou o médico.

Enquanto os médicos seguravam a criança, a enfermeira rapidamente preparou uma seringa com uma dose de sedativo. Após um pique até a cama, ela injetou a medicação, que fez o paciente parar de debater gradualmente. O médico responsável saiu do quarto, após o controle da situação.

– O que houve, doutor? – perguntou Max, estando assustado.

Ele olhou para o diretor. Sua cara não agradava.

– Seu filho sofreu mais um colapso contido a tempo – explicou. – É sinal de que a doença está se agravando mais. – Ele também olhou para os cientistas ao lado de forma preocupante. – Precisamos acelerar e ter uma resposta rápida, senhores.

O silêncio tomou conta da conversa após atualização no estado de saúde do menino. Um silêncio que desafiou os próprios cientistas da Butzek Corporation. Tal notícia chegou aos ouvidos de Eduard, que foi às pressas à sala onde seus colaboradores faziam os trabalhos para o caso.

– Precisamos que isso esteja pronto logo.

– Conseguimos criar um antídoto compatível com o sangue do garoto, Sr. Butzek.

– Ótimo.

Eduard se retirou da sala. Com um olhar focado e mãos para trás, ele andava pelo corredor. No caminho, ele encontrara sua filha, que lhe abordou com a mesma pergunta sobre a situação.

Sentada em sua cama, Nathaly coxeava incessantemente em seus pensamentos: Ajudar ou não ajudar? Uma questão extremamente difícil para tomar uma decisão, pois ambas as alternativas contidas na pergunta traziam um iminente risco. Ela tirou de seu vestido uma pequena vidraça cilíndrica que pegara do hospital. Levantando aquele frasco à altura dos olhos, continuou a pensar no que pretendia fazer. Ela foi até a sua escrivaninha e pegou um estilete da gaveta. Mais uma vez, agora olhando para aquele objeto cortante, pausou por causa de seus pensamentos, que queriam vencê-la em sua decisão. Mas a vontade em querer ajudar o menino Charlie contrariou a sua razão, com iniciar de um corte na diagonal em seu pulso esquerdo; sua expressão de dor e grito era abafada por ela, e seus olhos queixavam-se com lacrimejo. Largando o estilete sobre o móvel, Nathaly direcionou seu pulso cortado à vidraça. Ela pressionou seu pulso levemente, caindo às primeiras gotas de sangue para o interior do frasco. Um sangue vermelho como de qualquer ser humano, mas continha algo que diferenciava dos demais sangues. Feito aquilo, ela virou o seu pulso para cima, e observou o rápido estanco e cicatrização de sua pele. Apesar de não ser uma grande novidade, ela ficou surpresa. Entretanto, uma marca ficou sobre o local do corte. Necessitava de mais tempo para sumir por completo.

– Nathaly – Allan entrara no quarto –, seus pais ainda querem conversar com você, e... O que está fazendo?

Nathaly tomou um susto quando ouviu a voz de seu namorado, quase derrubando o frasco da escrivaninha. Por possuir de um ótimo reflexo, ela pôde segurá-lo com uma mão.

– Que susto, Allan. Por que entrou assim, de repente?

– Ora. Como não havia nenhum aviso para bater na porta antes, eu acabei entrando – justificou-se, sendo cômico. Ele notou aquele recipiente com o componente avermelhado em poder dela, e viu a marca no pulso. – Seus pais já lhe disseram para não fazer isso.

– Eu preciso! – disse Nathaly, sendo imperativa. – Agora, levarei isso para o garoto.

Ela ia saindo do quarto quando Allan a segurou. Tal contensão em seu braço acabou tendo uma força quase anormal para um rapaz segurar. Nathaly percebeu aquela força excessiva. Entretanto, aquela agitação a fizera relevar aquela situação, e conseguiu se soltar dele. Ela desceu as escadas apressadamente e saiu da casa, batendo a porta. Seus pais presenciaram aquela cena, e viram Allan descendo na sequência com uma cara séria. Eles já poderiam imaginar o que sairia da boca do rapaz para informá-los.

Nathaly retornara ao hospital. Ela aguardava por atendimento quando avistou a enfermeira encarregada em auxiliar o médico que cuidava de Charlie. Não pensando duas vezes, ela foi até a mulher.

– Olá – disse Nathaly, sob uma voz pouco ofegante. Era a ansiedade em ajudar.

– Olá, jovem. Em que posso ajudá-la?

– Você é a enfermeira que está ajudando a cuidar de Charlie, não é? Pois bem... Eu tenho algo que possa curá-lo. – Nathaly mostrou a vidraça com o seu sangue. – O meu sangue...

A enfermeira ficou sem entender a situação tão repentina, e que ligaria à situação de seu paciente. Mas Nathaly não contava com a presença de sua amiga, Eduard e seus cientistas colaboradores reunidos com o médico designados a acompanhar todo o caso, além dos pais do menino. Eles estavam em uma pequena reunião no corredor, de frente ao quarto do paciente. Aquela pequena conferência fora interrompida quando a enfermeira retornou.

– Doutor – chamou-o. Ele virou-se para dar atenção. – Obtivemos mais um meio para tentar tratar a situação do paciente.

– O que seria?

– Essa amostra de sangue, dado a nós anonimamente. Essa pessoa garante que o sangue é compatível, não necessitando estudá-lo.

Todos os profissionais presentes ficaram chocados com a notícia da enfermeira. Eduard olhou para o médico, mostrando claramente em seu olhar que estava achando estranho aquilo; o mesmo o médico fizera quando olhou para o cientista.

A equipe médica e os cientistas levavam Charlie urgentemente para a sala cirúrgica, apesar de não ser necessária uma cirurgia. Mas era o protocolo médico do hospital para contar com os equipamentos de socorros em caso de complicações. Era possível imaginar a correria pelos corredores; Eduard era visto ao lado do carrinho metálico em que eram levadas algumas coisas, além dos dois frascos que poderiam ser as alternativas, pela enfermeira. Ele sempre observava aquele segundo frasco ao longo do caminho até a sala. Juliana teve a ordem de seu pai para esperá-lo naquele mesmo andar; ela não apresentara resistência.

Lá fora, nuvens em demasiadas no céu provocaram chuva. A chuva era fina. Mas uma involuntária descarga elétrica através de um relâmpago para espalhá-la desceu sobre um dos postes da calçada do hospital. Aquele poste transmitia parte da geração de energia ao lugar. Então, um curto gerou nas instalações elétricas.

Na sala cirúrgica, todos estavam prontos para iniciar o procedimento quando foram interrompidos com a queda de energia. O médico que segurava a vidraça com o sangue de Nathaly como a primeira tentativa acabou colocando-o involuntariamente em outro lugar do carrinho por causa da ausência de luz.

Nathaly, que estava na recepção, perguntou à recepcionista:

– O que aconteceu?

– Está tudo bem, jovem. Foi apenas uma queda de energia por causa da chuva.

Na realidade, não estava tão bem quanto imaginavam. O curto recebido para o interior do hospital fez gerar fogo em um dos depósitos, tornando-se chamas. Um dos funcionários sentiu o cheiro e percebeu que saía fumaça por debaixo da porta. Abrindo-a, eis a surpresa: um fogo que se espalhava rápido.

O telefone da recepção tocou.

– Sim? – disse a recepcionista.

– Rápido! Ligue para os bombeiros! Fogo em um dos depósitos do hospital!

– Ok.

A mulher desligou o telefone tentando manter a calma. De longe, Nathaly ouvira a conversa com a sua audição aguçada por absorção animal. Sutilmente, ela foi andando aos acessos restritos, até chegar ao lugar onde originara as chamas. O funcionário que testemunhou ainda estava lá, e ia voltando para se proteger. Ele encontrou Nathaly, e tentou impedi-la de estar ali; porém, ela resistiu, para a desistência do homem. Nathaly viu uma mangueira de emergência do outro lado, e tentou atravessar rapidamente as chamas. Entretanto, sua fraqueza ao gás carbônico contido no fogo e o mormaço foram as maiores barreiras, fazendo-a tomar distância.

– Charlie – pronunciou, arregalando os olhos.

Nathaly correu dali.

A luz voltara de alguma forma na sala cirúrgica daquele andar.

– Bem, vamos continuar e sermos breve, antes que falte novamente – disse o médico.

Com pressa, o médico estendeu seu braço para pegar o tal frasco novamente. Mas aquela pressa o fez pegar o recipiente avermelhado composto pelo antídoto misturado à amostra de sangue do garoto feito pelos cientistas de Eduard. Por fim, foi injetado na corrente sanguínea do paciente com êxito.

Nathaly chegara ao andar onde Charlie fora levado. Juliana a avistou por ali.

– Nathaly? O que faz aqui?

– Eu vim acompanhar o caso do menino... – Nathaly estava visivelmente densa – Espero que já tenha acabado...

– E por quê? – Juliana retorceu as sobrancelhas. – Nathaly. Você parece nervosa. O que foi?

– Precisamos sair daqui. O hospital está em chamas no térreo.

O fogo conseguira invadir algumas tubulações de ar. Uma das passagens via teto era do andar debaixo de onde elas estavam. O calor era muito grande dentro dessa passagem, e a estrutura de concreto não aguentara a temperatura, rachando logo debaixo dos pés de Juliana. A sensibilidade fez o chão do andar desabar com ela; rapidamente, Nathaly segurou-a pela mão. Por outra sorte, os canos internos de água estouraram, apagando as chamas que poderiam queimar Juliana.

– Não me deixe cair, Nathaly! – exclamou apavoradamente.

Nathaly pensou se poderia ou não usar seus poderes diante da amiga. Ela apostou que, usando a força física animal, seria imperceptível aos olhos. Então, a tal força foi usada, puxando Juliana para cima.

– Obrigada – agradeceu-lhe, aliviada de corpo, alma e espírito. – Não é dessa vez que verei a morte.

As duas sorriram rapidamente, mesmo em meio às circunstâncias negativas. Mas Nathaly parou de sorrir quando ouviu algo bem longe. Usando mais uma vez de sua audição aprimorada, sua capacidade auditiva chegou às sirenes dos bombeiros. O socorro estava chegando.

Os bombeiros agiram rápido, e lançaram água por todo o lado, contendo rapidamente as chamas e evitando o pior. No meio dos oficiais, Nathaly saía da porta principal do hospital. Ela viu seus pais e seu namorado esperando-a no lado de fora do carro da família.

– Nathaly – Allan foi até ela e a abraçou. – Que bom que está bem.

– Como foi o procedimento com o garoto? – perguntou Steven, sendo direto e desconfiado.

– Soube que ele está bem. Eu consegui, pai.

Os olhos de Nathaly se encharcaram de lágrimas, acompanhadas de um sorriso, após as palavras ditas, que traziam consigo uma sensação de missão cumprida. Clara não aguentou, e sorriu emocionada para a filha. Mas Steven ainda estava com um pé atrás enquanto Allan permanecia neutro, achando não ser muito útil para opiniões mais diretas dentro da família.

No dia seguinte, o diretor Max promoveu uma confraternização durante o intervalo, levando ao palco de concreto da escola o seu filho literalmente curado, estando ao lado da esposa. Um ato de união familiar que fez muitos se emocionarem por ali. Ele explicou todos os detalhes do sofrimento que tanto manteve em sigilo, e a vitória que obteve. Mas sem mencionar como, pois eram muitas coisas para organizar em uma mente alegre. Nathaly, Juliana e Allan estavam juntos acompanhando. Nathaly acabou erguendo os braços à altura do queixo para aplaudir, mostrando a cicatriz que estava quase sumindo.

– Nossa. O que foi isso, Nathaly? – perguntou Juliana, percebendo após um rápido olhar.

Nathaly logo tentou disfarçar, abaixando os braços, e olhou para o namorado, que a olhou sem dizer nada.

– Ah! Eu acabei me cortando com o meu próprio estilete – respondeu, sorrindo forçado. – Bem, ainda bem que o filho do diretor está bem, não é mesmo?

– Sim, Nathaly! O meu pai pôde ajudá-lo. Estou super feliz com isso! – comemorou, com um sorriso largo no rosto.

– Como? – Nathaly fez uma cara de incompreensiva.

– Ué. Meu pai conseguiu criar um antídoto misturado ao sangue de Charlie com os seus cientistas, e eles o usaram no menino.

Imediatamente, Nathaly paralisou-se. Um gelo poderia ter vindo ao seu corpo. Olhando para Allan, ela o viu observando-a de forma a querer dizer que ela foi avisada de algum impasse, não sendo um risco que valesse a pena. E agora?

– Nathaly? Está tudo bem? – estranhou Juliana.

– Sim, sim... Foi apenas uma tontura rápida.

– Eu a levo para tomar um ar – sugeriu Allan, sendo o livrador das perguntas.

Allan levou Nathaly dali, no meio das pessoas. Juliana não entendera aquilo, fazendo uma cara confusa. Mais distante dali, aquele mesmo garoto que brigou com Juliana, e ainda foi machucado por Nathaly, estava observando tudo, mesmo estando acompanhado pelos seus dois amigos. Os seus olhares focaram apenas no comportamento de Nathaly, sendo os demais uma consequência. Ele olhou o seu pulso, que ainda poderia ser percebida a marca da mão de Nathaly, e fez uma cara pensante.

Nathaly foi levada pelo namorado ao corredor dos armários dos alunos. Lá, eles puderam trocar palavras sobre o assunto:

– Você deveria ter ouvido seus pais, Nathaly.

– Tudo bem. Eu concordo. Mas quis ajudar aquela família, que está no palco agora, festejando – justificou. – O que vale é a intenção.

– Mas isso tem que ficar entre nós! – repreendeu-a, estranhamente.

– Você falou como se fosse o meu pai... – notou – O que acontece?

– Nada, nada... – hesitou-se.

Allan olhou para trás e viu John a alguns metros mexendo no seu armário, mas observando o que acontecia com o casal.

– Acho que também preciso de um ar – desconversou. – Vamos.

Ele a pegou pela mão gentilmente, e iam em direção à quadra, que estava acessível para um ar livre durante o intervalo. Talvez, Allan sentiu certa "supervisão" de John para uma eventual proteção dele em favor da Nathaly. E, no final, todo um segredo poderia vir abaixo.

Juliana veio logo na sequência, e foi até John.

– Olá, John. Você viu a Nathaly?

– Sim – respondeu. – Parece-me que ela estava discutindo a "relação de ouro" com o seu namorado.

– Hm... Talvez isso seja o motivo da estranheza, mesmo não fazendo muito sentido.

– Juliana – chamou-a. Ela o olhou. – Você está realmente bem depois do que aconteceu com aqueles garotos importunos da sua turma?

– Sim, John! Meu pai me deu uma força com conselhos. Estou mais tranquila – garantiu. – Mas não estou tão quanto no meu inglês...

– Olha... Eu não sou nenhum expert, mas, como um inglês nato, eu talvez possa lhe ajudar – sugeriu. – Assim, você não dependerá apenas da Nathaly para isso.

Juliana hesitou-se, e chegou mais perto do amigo.

– Sabe... Por causa de atitudes como essas, eu cresço as minhas esperanças em sua nação, que é muito rica. Nathaly e você são os meus grandes amigos – sorriu.

John sorriu feliz com o que acabara de ouvir dela, e ainda recebeu um abraço apertado da amiga. Ele a retribuiu com um leve aperto em suas costas.

Bem sentado em sua cadeira executiva e com uma expressão leve por ter salvado alguém da morte e, consequentemente, ter realizado um difícil apelo da filha, Eduard mexia em suas papeladas. Sua secretária entrou na sala quando bateu na porta, e foi autorizada.

– Novidades?

– Sim, Sr. Butzek – confirmou. – Os materiais da empresa que foram levados ao hospital ontem acabaram de retornar.

– Ótimo! – disse ele, estando entusiasmado. – Daqui a pouco, eu mesmo checarei se não está faltando nada.

– Sim, senhor. Com licença.

A secretária saiu. Logo, o telefone tocou. Eduard atendeu:

– Butzek falando.

– Sr. Butzek? Somos nós, do Brasil.

– Aconteceu algo?

Os cientistas envidados à Floresta Amazônica resolveram contar sobre o tal cristal raro encontrado em solo. Eles explicaram que não conseguiam fazer levantamentos adequados de tal objeto há dias por razões desconhecidas. A conversa não durou muito, e Eduard pediu-os para manter o cristal sob sigilo e tentar estudá-lo. Após desligar o telefone, o cientista entrelaçou suas mãos e apoiou os braços na mesa. Sua inquietação com a notícia era nítida em seu comportamento mudado repentinamente.  

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