Capítulo 8

Lei LongWei

Caminhamos rumando sempre ao sul, era o que deduzia pelo borrão indistinguível que o céu se tornara. Eu me sentia cambaleante e febril, não era o veneno, era a perda de sangue que estava cobrando seu preço. Minhas pernas perdia as forças e passei a depender quase totalmente da força do imortal para me manter andando. Minha cabeça latejava e eu ouvia as vozes de outros tempos mergulhando meus ouvidos num passado longínquo. "Lei Mulan! Preciso resgatá-la!", vi o campo onde flores se abriam como pedras multicoloridas ao chão, lar de minhas brincadeiras, se transformar num cemitério a céu a aberto. Ele estava lá, de pé, orgulhoso como um héroi, em suas mãos segurava a minha meimei em sua forma de dragão-bebê, era diminuta e magra. O Ancestral a segurava pelo pescoço, ela se contorcia, fraca, seus chifres já estavam cerrados. Eu irei matá-lo, era o mantra que escapava dos meus lábios.

- Eu irei matá-lo.

- Ei, não pode dormir. - senti tapinhas em minha face.

- Eu irei matá-lo.

O mundo se tornou escuro por uma fração de segundos até o passado se remodelar, vivo e dançante aos meus olhos. Mais uma vez eu estava lá, mais uma vez...

Era noite quando o guarda bateu na minha porta interrompendo meu sono. Abri meus olhos com certa relutância, o dia foi cansativo, as papeladas que eu precisava cuidar como o imperador eram muitas e vinham em ondas cada vez maiores. Eram decisões em relação à agricultura ou a questões sobre justiça, ou diplomacia.

Mesmo que durante toda minha vida eu tenha me preparado para assumir o trono, não imaginei que fosse tão cansativo.

- Notícias urgentes, Wan Sui Ye! - o guarda voltou a bater na porta, interrompendo meu cochilo.

Meio grogue de sono, me sentei na cama.

- Entre. - com o meu comando de voz, a porta dos meus aposentos se abriram.

O guarda adentrou, o som de suas botas repercutiam pelo ambiente silencioso, como batidas de um tambor. Ele me saudou, ajoelhou-se, mão direita sobre o peito, olhos fixos no chão, seu corpo tremia. Eram más notícias que se seguiriam, deduzi.

- Fale logo, homem. - incentivei, meio impaciente.

- Seus pais, o imperador e sua princesa consorte, foram encontrados mortos no bosque. Seus núcleos foram arrancados.

Não reagi, só paralisei. Respiração presa nos pulmões. Lentamente comecei a processar a palavra "mortos". Me levantei da cama, sacudi a cabeça.

- Impossível! A guarda vermelha os escoltou!

- Também foram mortos e tiveram os núcleos arrancados.

- Eles são nossos guerreiros de elite! COMO PODEM ESTAR MORTOS?!! - gritei, meu corpo inteiro estremecia de raiva, espanto, luto, tudo numa mistura homogênea.

- Eu sinto muito, Wan Sui Ye. - o guarda se ajoelhou.

- Não pode ser. - agitação passou por mim, avancei pelo quarto, só para tropeçar nas escadas que levavam a sacada, talvez a queda tenha me dando a sensação de realidade e não de sonho. Aquilo não era derivado do mundo onírico, estava acontecendo.

Lágrimas deslizaram pelas minhas bochechas, deixei o soluço vim. Meu pranto foi respeitado e o silêncio se elevou na sala. Deixei a emoção se manifestar, mas também soube o momento de controlá-la, afinal não haviam só morrido. Não. Enxuguei as lágrimas. Tiveram os núcleos arrancados, mas por qual motivo?

- As investigações já tem alguma conclusão sobre o ocorrido?

- Ainda não, Wan Sui Ye.

- E ovo, minha meimei?

- Não a achamos, seja lá quem fez isso também a levou.

O sonho mudou.

- Os investigadores se apresentam a Wan Sui Ye! - as presenças foram anunciadas.

Permaneci em meu trono feito de metal ígneo retirado do coração de um vulcão ativo. Um item raro, moldado pelos artesãos celestes. Observei o par, um homem e uma mulher adentrando na sala, ambos ultrapassaram as colunas de mármore vulcanizado, as quais possuíam dragões talhados com olhos de safira de sangue. Os dois se ajoelharam diante de minha presença. Eu me sentia impaciente.

- Levantem-se e sejam diretos: o que descobriram?

- Wan Sui Ye, averiguamos o local e descobrimos a marca energética de um humano, não qualquer um, pela identificação energética tratasse de um cultivador. - falou o homem.

- Sabe, especificamente, de quem?

- Ainda não. Mas temos desconfianças, pelo fato dos núcleos de suas majestades terem sido arrancados suspeitamos que foram utilizados para consumo.

- Consumo? - ergui as sobrancelhas em choque.

- Existe uma antiga feitiçaria em que um humano alcançaria a imortalidade ao consumir o núcleo de energia de um dragão.

- Imortalidade? Mataram dois seres vivos para alcançar a imortalidade?! Isso me faz questionar o que passa pela cabeça de um humano... - comentei estarrecido.

- Pela vida curta, creio que eles temem a morte de um jeito que não entenderíamos. - respondeu à investigadora.

- Não importa, não há como justificar o injustificável. E sobre o ovo? A princesa foi localizada? - perguntei, a aflição já fizera de meu peito uma morada quase eterna e não mudaria muito com o passar do tempo.

- Não, Wan Sui Ye. - falou o investigador.

- Muito bem, retornem e usem todo o recurso disponível para achá-la o mais rápido possível. - ordenei, eu precisava encontrá-la! Só os deuses sabiam o que os cultivadores que assassinaram os meus pais, poderiam está planejando fazer com a minha irmã.

- Wan Sui Ye!!! - um guarda adentrou o salão do trono sem ser anunciado.

- Qual a razão de tal alarido? - me ergui do trono, o guarda se ajoelhou.

- Eles estão invadindo o território sul!

- Eles quem?

- Um exército de cultivadores humanos, estão nos massacrando! Logo, alcançarão o Palácio das Nuvens! - falou o guarda em desespero e urgência.

Eu absorvia a informação, estarrecido. Não podia ser! Éramos imbatíveis! Dominávamos os céus, cuspíamos fogo, tínhamos uma pele mais dura que mil armaduras, como estavam nos matando tão rápido como moscas?!

Acordei, uma camada de suor frio cobria meu corpo. Eu me sentia um pouco tonto, mas ainda me incentivei a formar um vínculo mental com os meus soldados dragões, e os chamei. No entanto, o silêncio foi minha única resposta. Estariam todos mortos? Cogitar tal ideia me deixava na beira de um ataque de pânico, tentei não hiperventilar e ter paciência, afinal os vínculos mentais poderiam ser comprometidos se o dragão estivesse fraco demais para receber ou responder à chamada.

Como o coração batucando nos ouvidos, abri os olhos e me forcei a sentar, havia ataduras no meu ferimento. Ele realmente cuidou de mim?! Mas por quê? O que queria de mim? Eu não entendia a razão que conduzia suas ações, mas gratidão e um sentimento que não reconheço me fez suavizar. Talvez, nem todo cultivador fosse ruim...

Inspecionei a sala e encontrei Liu YuanQi sentado diante do fogo, parecia esquentar algo numa chaleira, silenciosamente, observei seu perfil. Sua beleza era uma marca pura e característico a ele, suas bochechas altas, sua pele cor de jade e a charmosa pinta próximo aos seus lábios rosados, o qual eu sabia o quão macios poderiam ser. Lembrei do beijo que Bai HuoWu teve a sorte de sorver daquela boca. E de repente, me peguei o invejando. Sacudi a cabeça, nunca fui sensível a um rosto belo. Afinal, eu vivi muito tempo, vi muitas faces que seriam a epítome da beleza. Nenhuma delas havia mexido comigo.

Talvez essas reações ilógicas do meu corpo fossem só um reflexo residual dos sentimentos de Bai HuoWu, sim, deveria ser isso. Logo, elas murchariam e eu voltaria a mim.

Retornei minha atenção para o imortal, ele parecia pálido e mais magro. Poderia estar doente? Afinal, humanos são criaturas frágeis, um sopro de um vento gélido demais poderia matá-los. Eu sabia que deveria ter respondido a ele quando me chamou pela terceira vez! Eu deveria tê-lo consolado melhor!

- Você está doente? - perguntei rompendo a quietude.

Ele se virou, sobrancelhas erguidas em susto.

- Está acordado?!

- Está doente ou não? - perguntei impaciente.

- Você se fere e em vez de se preocupar com a própria condição, está preocupado com a minha saúde? - ele se aproximou. - Você é estranho. E não, não estou doente.

Assenti com a cabeça, senti sua mão macia se espalmando contra a minha testa e meu corpo reagiu, senti calor se espalhando pelas minhas bochechas. Estou corando? Impossível!

- Está um pouco quente. - constatou o imortal.

Afastei meu rosto de seu toque e soltei um grunhido do fundo da garganta. Proximidade com esse imortal, não me agradava nem um pouco, principalmente quando meu coração respondia tão escandalosamente e meu estômago parecia se encher de algodão. Liu YuanQi recuou, olhos arregalados em espanto.

- Minha espécie é naturalmente mais quente que as outras. E não se aproxime, sem permissão. - Eu o avisei.

- Eu só estou querendo ajudar aqui! Não sou seu inimigo.

- Não é meu inimigo? De onde acha que obteve imortalidade, Liu YuanQi? De onde acha que veio a energia necessária para romper a condição natural humana, de viver pouco? - subitamente raiva me subiu pela garganta, me fazendo reativo e emocional.

- O que quer dizer? - seu rosto era uma folha em branco.

- A história de gente como você é mais obscura do que brilhante. - lhe entreguei meu melhor sorriso de escárnio. - Creio que deve ser dada uma pílula durante a cerimônia de eleição.

Suas elegantes sobrancelhas retas se apertaram, seu cenho de jade se franziu. Parecendo pensativo, ele falou:

- Sim, é verdade.

- São núcleos de dragões. - lancei, meus dentes se apertando ao ponto de dor subir pelo maxilar.

- O quê? - ele colocou as mãos contra os lábios, sua reação de espanto e depois de nojo, foi quase hilária. - Eu não sabia!

- Claro que não, esse é um segredinho sujo que Pei FuXian nunca revelaria. Para cada imortal em suas fileiras, a mesma quantidade de dragões foram mortos. Mas não importamos para seus olhos, não importamos mesmo para aqueles que um dia foram nossos aliados. Então, não me culpe se não consigo ver nada além de um inimigo em você, Imortal Liu YuanQi. - as últimas palavras se derramaram como a mais pura tempestade de ódio.

Voltei a me deitar.

Eu via os rostos. Tantos morreram, foi tanto luto que meu coração estava vazio e meus sentimentos ocos. As lágrimas, há muito, estavam secas, eu não era mais um dragão, eu era um deserto, árido e infrutífero.

Nota:

Wan Sui Ye = Lorde de dez mil anos, título que faz referência aos imperadores chineses.

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