Lei LongWei

Sangue se esvaia pelo ferimento, minha capacidade de cura não estava em funcionamento. Minha respiração estava sofrega, lenta. Minha visão oscilava. Tem algo errado. Aquilo não era uma reação aos ferimentos sozinhos... Seria veneno? Analisei o corte que o arpão deixou, uma camada escura se ia em fiapos junto do sangue. Sim, era veneno de ihror, ou como também era conhecida como o "matador de dragões", uma invenção elfica desenvolvida em tempos selvagens, em que as raças viviam se digladiando.

Ouvi os movimentos na linha longínqua dos arbustos, o veneno me fazia débil demais para atacar, eu estava ali, completamente a mercê da vontade cruel de um humano. Então, só me restava esperar e tentar atacar quando estivesse mais próximo. De entre a mata intacta, surgiu aquele que findaria minha vida, quis o destino, que fosse Liu YuanQi. Ele vestia um hanfu de tom verde musgo, tinha uma aparência mais magra, havia marcas escuras embaixo de seus olhos, denunciando suas noites em claro.

Culpa cortou meu coração como faca afiada, ele estava assim por minha causa. O encarei e deixei que se aproximasse, naquele instante, parecia justo que eu morresse por suas mãos. A perda de sangue me deixou fraco, o veneno fazia meus pulmões se contraírem, a entrada de ar ficava cada vez mais difícil.

Minha forma colapsou e voltou a humana, enquanto buscava economizar o máximo de qi. De um dragão enrolado, me transformei num humano encolhido. Me forcei a encará-lo, ele hesitou, vi suas sobrancelhas se elevarem em surpresa, o asco viria em seguida? Eu poderia suportar seu ódio, mas não seu nojo.

- O que está esperando, imortal? - cuspi a última parte como se dissesse um palavrão. - Não deseja matar um monstro?

Tossi e escarrei um pouco de sangue.

- Bai HuoWu? - sua voz era um sussurro suave, como a brisa.

- Esse é um nome que já usei. Sim, eu fui ele. Isso o deixa enojado? Talvez te anime o bastante para me matar logo. Levar a cabeça do imperador dos dragões para Pei FuXian, com certeza o fará seu novo queridinho.

- É o que acha que sou? Algum ser desprovido de consciência ou moral?

- Você é um imortal, só espero o pior de coisas como você.

Ele me encarou por uma fração de segundos, depois marchou em minha direção só para dar um peteleco na minha cabeça.

- Seu tolo! Agora venha! Precisamos sair daqui, antes que percebam a ilusão que criei.

Afastei o meu braço de suas mãos.

- E por que o acompanharia? Tenho soldados para manter vivos... - Fiz uma tentativa de me por de pé sozinho, não deu certo. Minhas pernas estavam instáveis, quase moles como gelatina, desabei direto nos braços dele, para a minha sorte ou azar.

- Porque sou sua única opção viável, agora me deixa te ajudar! Por favor!

- Não posso ir, meus soldados, meus amigos. Não posso me salvar e os deixar. - retruquei ainda teimoso, insistindo em me afastar. Eu me arrastaria e nem que precisasse barganhar com Pei Fuxian, usando a minha vida como um objeto de troca, manteria minha família viva.

Eles foram tudo o que restou e eu prometi os manter a salvo. Um deles seria meu cunhado, tinha que cuidar do meu sobrinho ainda por nascer e da minha irmã. Consegui me forçar a ficar de pé e com passadas cambaleantes me afastei de Liu YuanQi. Despenquei depois de cinco passos, ele mais uma vez me amparou. O empurrei.

- Fique longe de mim! Odeio você e sua gente. Vocês mataram o meu povo!

- Bai Huo Wu...

- Eu não sou Bai HuoWu!

Me levantei e voltei a me arrastar, ele me deteve. Se colocando a minha frente.

- Vai até lá e, o quê? Morrer com os seus soldados? Com esse veneno em seu sangue não viveria mais que algumas horas.

- É problema meu.

Ele me segurou, suas mãos fechadas contra o meu antebraço, aquele simples contato me fez estremecer, eletricidade subindo e incentivando meu coração a bater mais forte. Hesitei em continuar e o encarei.

- Tenho pessoas que os encontrarão e se não, tenho infiltrados que arranjarão um jeito de os manter vivos mesmo que sejam capturados. Agora, PRECISO QUE VENHA COMIGO!

Pisquei. Parecia que ele tinha um plano melhor do que o meu, que era praticamente em apostar no interesse de Pei FuXian em minha vida. Assim, sem muitas alternativas, deixei que me ajudasse a caminhar. A proximidade entre nossos corpos enquanto caminhávamos me fez perceber que Liu YuanQi tinha um cheiro requintado de cedro e incenso, era bom o bastante para que eu achasse atrativo.

Uma curiosidade sobre dragões: não somos conhecidos pela afabilidade, e nem doçura. Não, pelo contrário, somos fortes como o aço divino que forjamos e tão insensíveis quanto ferro bruto. No entanto, ainda podemos amar. Quando nossos sentimentos são despertados, amamos como se a outra pessoa fosse nosso tesouro e todos sabem do tipo de obsessão que nasce por um dragão e seu tesouro.

Algumas histórias de amor terminaram bem mal, mas muitas deram certo. Tudo dependia da capacidade de autocontrole do dragão, afinal uma carroça cujo condutor não dirige os cavalos, mas em vez disso os animais o dirigem, sempre rumaria ao precipício. Por isso, eu não tinha o mínimo desejo de amar. E talvez, não houvesse espaço dentro de mim, após milênios alimentando o ódio e a raiva, eu estava seco e árido, como um deserto.

Seja como fosse, eu sentia certo estímulo amoroso em relação à Liu YuanQi. Minha hipótese era que a minha vida anterior, Bai HuoWu, devia realmente amá-lo, para conseguir me influenciar assim.

Mais uma dor de cabeça.

Eu não quero isso. Não quero amá-lo, mas porque parecia tão difícil não fazê-lo? Pare de pensar, preciso me concentrar em me manter vivo e depois em encontrar os meus soldados. Assim, avançamos pela mata, o veneno me fazia arquejar, minha respiração se tornava mais ruidosa e mais rala. Minhas pernas fraquejaram.

- Não acho que irei muito longe. - ri da minha situação, era quase cômica. - Apenas vá sem mim, deixe-me morrer, ao menos terei um pouco de paz. Estou tão cansado disso, de viver lutando...

- Não. - ele espalmou sua mão em minha bochecha e encarei seu receio delineado em seus olhos.

- Eu não sou Bai HuoWu. - afirmei.

- Disse que já foi ele. - ele me encarou, depois abaixou seu olhar para o seu bracelete. Parecia procurar algo em seu interior.

- Precisei usar outra forma, enquanto meu corpo original se reestruturava, sinto muito que tenha gastado suas emoções, com alguém que nunca existiu.

- Nunca existiu? - ele cessou sua busca para me observar.

- Ama uma sombra minha, que nunca voltará a ver, mesmo que passe milênios procurando seu contorno em mim.

- Entendo. - ele permaneceu parado.

Seus olhos abriam e fechavam, uma lágrima rompeu seu controle e escorreu por sua face, ele a enxugou com as costas da mão. Sua boca apertada numa linha firme, seu sofrimento era como chuva no meu coração e uma tristeza fria me envolveu.

- Ele o amou, Liu YuanQi. Do jeito dele.

O imortal me encarou, outra lágrima rolou pelas suas bochechas, ele rapidamente a secou com as mãos. E no momento seguinte voltou a buscar em seu bracelete de armazenamento infinito. Segurei suas mãos.

- Pode me deixar morrer, Liu YuanQi. Você não me deve nada.

Sua atenção em mim, nossas mãos juntas, alguma dessas coisas fez meu coração acelerar, era como se esse órgão subitamente descobrisse como bater mais rápido. Vi decisão marcando o rosto do imortal como tinta tingi tecidos, ele afastou as minhas mãos e continuou procurando em seu bracelete, por fim encontrou o que procurava e retirou uma raiz amarela de aparência asquerosa, com ar de vitorioso.

Ele a estendeu em minha direção e eu me esquivei.

- O que é isso? - O aspecto era um décimo do cheiro repugnante de cachorro molhado, que a tal erva possuía. - Quer me matar com esse negócio? Uma facada seria mais bem-vinda.

- Pare de ser um bebê e coma!

- Eu sou um imperador, não pode mandar em mim - no segundo momento que abri a boca, ele enfiou a raiz goela abaixo. Senti lágrimas se formando em meus olhos, o gosto era ainda pior que a aparência e o odor.

- Engula! Isso é uma cura para o veneno que circula em seu sangue. Após solucionar o veneno, só terei que cuidar dos ferimentos.

Meio a contragosto, engoli a raiz e após enfrentar uma sequência, quase ininterrupta de ânsias de vômito. Minha boca tinha um gosto amargo, fiz uma careta, mas devo admitir que tal erva tinha mesmo efeitos surpreendentes, em pouco tempo em meu sistema ela já havia me restabelecido a respiração. Enchendo o peito de ar em inspirações profundas senti que meu corpo ia normalizando, até cada sintoma do veneno sair de mim como num passe de mágica.

Li YuanQi aguardou ao meu lado, olhos fixos em mim acompanhando silencioso minha rápida melhora, por fim, ele se levantou e me ofereceu sua mão.

- Vamos continuar?