Capítulo 6
Lei LongWei
Voar me trazia lembranças da minha infância, na qual eu brincava nas nuvens e via a beleza do sol rodeado dos lençóis brancos e vaporosos; do som da minha mãe me procurando no final da tarde, quando eu não voltava para o Palácio das Nuvens no horário da janta. Eu me escondia a espera de a surpreender, estava em cima de uma árvore dessa vez, a vi passando quando decidi pular e lhe agarrar as costas, ela caiu e bolamos pelo gramado rindo. Minha mãe, seus olhos roxos cintilando como chamas na escuridão, ela fez cócegas na minha barriga enquanto me repreendia "Mais que menino levado!". Eu ria, encarando seu rosto sorridente, ela era o meu mundo. Uma lembrança se sobrepôs, era a mesma campina, só que estava pegando fogo. Labaredas lançando seus impropérios ao ar, cada estalido uma maldição em um idioma desconhecido, tornando obscuro o local que fora lar de risadas, transformando em caos a beleza. Corpos de meus amigos e parentes se aglomeravam ao chão, sangue escoando formando poças. Nada restou. Só ódio, um tão profundo que me fazia estremecer. Ódio tão grande, que às vezes parecia como um precipício, que em breve me engoliria.
Chao KangLi se aproximou, seus pensamentos irrompendo os fluxos das minhas lembranças.
"Depois desse trecho, creio que seja melhor nos conduzir a pé".
"Sim, quanto mais perto, maior a probabilidade de nos localizarem. Estou ciente". Respondi quase de imediato.
Meu amigo soltou um grunhido baixo de concordância e se afastou.
Analisei o terreno abaixo, as florestas densas de DaLu estavam silenciosas. Não havia pássaros ali ou qualquer vida animal, eram somente árvores milenares, gigantes e quietas que pareciam nos observar. Diziam as lendas que a floresta inteira se calou quando o mal caminhou naquela terra e assumiu a forma mais terrível: a espada das trevas. Verdade? Mentira? Não saberia dizer, pois quando tais eventos se desenrolaram, eu era apenas um bebê.
O silêncio do lugar incentivava a reflexão, e como um ser muito antigo eu tinha bastante coisa para recordar, para lamentar. Não era diferente com os soldados que me seguiam, eu sentia pela conexão dos dragões, seus temores, suas esperanças e acima de tudo suas certezas. Havia um pensamento reverberando nas cordas mentais de cada um: a última marcha dos dragões estava em pleno andamento, assim como diziam os antigos pergaminhos.
"Quando o forte, poeira se tornar
e o mal assumir,
a espada retornará a terra
e a última marcha dos dragões começará"
Pelo visto, os oráculos não estavam errados.
Videntes sempre são uma dádiva entre os povos, mas suas visões são como espadas pairando sobre nossas cabeças, prontas para desabar e nos decapitar.
E essa ia, finalmente, cortar uma cabeça.
A manhã do quinto dia estava azul, as nuvens se acumulavam no céu, como algodão flutuante. Não havia outro som, além do vento uivando, como sempre. Estávamos perto do trecho que faríamos a pé, escolhemos descer no planalto que ficava na face sudoeste das montanhas trevosas, mais três dias andando e alcançaríamos o nosso objetivo.
Nos organizamos na formação de descida, quando algo reverberou no ar, se elevando como um toque retumbante e grave. O som se repetia, o mesmo Voom-voom. Rítmico, como a batida de tambores. Voom-voom. O que era aquilo?
O que vinha em nossa direção? O clima esfriou abruptamente, saindo de um calor agradável para o ponto de descer flocos de neve do firmamento. Aquilo era um sinal, que alertava acerca do que estava vindo: pássaros de gelo. Com um rugido meu, os dragões se organizaram na formação para o confronto, num primeiro instante vimos a aproximação dos pássaros em sua nevasca, granizo caindo em bólides do tamanho de uma melancia.
A linha de frente formada pelos dragões escarlates sopraram fogo, os pássaros, como cristais de gelo flutuantes, reagiram lançando estacas de gelo, que derreteram em contato com o paredão de fogo, mas o que não esperávamos foi os arpões. As setas voaram, algumas se quebrando contra as armaduras gastas, outras alcançando regiões de pele exposta e arrancando consigo escamas e um tanto de sangue.
As setas gigantes saiam de algum ponto abaixo, do meio da floresta aparentemente bem fechada, fazendo com isso desafiante encontrar a fonte do ataque, mas era óbvio perceber que aquilo era uma armadilha. Pelo visto, o Grande Ancestral estava nos esperando. Ótimo, então, que eles provassem a ira do imperador dragão. E foi assim que desci num rasante e soprei fogo contra os inimigos e me refastelei com os gritos que vieram em seguida.
Cada clamor de desespero alimentava uma vertiginosa sensação de prazer, a ideia de fazer sofrer a quem tanto nos fez mal era como uma canção bem ritmada e bem executada tirada de um guqin.
Uma parte de mim, estremeceu e algo eclipsou meus sentimentos, uma escuridão tão densa se projetava de meu ser, borbulhante como piche surgindo de uma rachadura no chão. "Mate".
Um ponto de luz se acendeu no céu, como uma fogueira se acendendo.
"Mate cada um deles".
"Eles merecem".
Minha razão escorregava, deixando atrás de si apenas um fantoche do meu ódio.
"Vingança por aqueles que se foram, por aqueles que nunca cresceram". A voz me envolvia como um cobertor de trevas. O brilho da estrela Sattur redobrou, sua luz intensa duelando com o sol.
Rodopiei pelo ar e despejei mais fogo.
Subitamente, dois dragões vermelhos foram abatidos bem na minha frente, tomando para si arpões que deveriam ser meus.
Minha consciência retornou a mim, como um soco no estômago. O que estou fazendo? Correndo atrás de vingança a custa do meu próprio povo? Me virei, havia cinco dragões a menos. O que estou fazendo?
Minha respiração ficou presa nos pulmões.
Os pássaros romperam o paredão de fogo e passaram a atacar diretamente, se lançando contra os dragões num frenesi quase alucinógeno, baba fétida deslizava de seus bicos e as trevas valsavam como se vivas estivessem, transformando um dia numa tarde cinzenta. Aquilo era miasma obscuro? Olhei para o céu, a estrela Sattur parecia mais próxima, quase como se cogitasse cair.
Então um pássaro de gelo me atacou, unhas afiadas, como navalhas, dilaceraram a lateral da minha armadura. Cuspi fogo em dois pássaros e abocanhei aquele que me atingiu, rotacionei e o joguei ao chão, o vi derrubando filas de pinheiros. Analisei o campo de batalha, naquelas condições não havia como vencer, apenas iriamos perecer se permanecêssemos aqui, fugir era a única opção viável. Estava decidido, então.
Um sinal pelo vínculo metal que mantinha com meus soldados e os mandei se retirarem. "Você lidera", falou um deles. "Não, eu vou ganhar tempo", retorqui. "Você sempre faz isso, se lança ao perigo como se sua vida não valesse nada", replicou Chao KangLi que serpenteava se aproximando enquanto desviava de um arpão. O empurrei com a cauda e manobrei os ventos para soprá-lo para longe. Ventos uivavam, galhos se quebravam e árvores rangiam. Poeira se erguia numa confusão marrom e verde, alguns pássaros de gelo foram lançados ao chão e alguns arpões rotacionavam e caiam sobre as árvores.
Me aproveitando da confusão, desci num rasante, ondulando com rapidez, eu não tinha tempo, aquele nível de poder que eu estava usando, iria consumir minhas forças como fogos de artifícios que explodem no céu, são lindo de ver, mas eles consomem a si para brilhar naquele breve instante.
Inspirei profundamente e numa expiração lancei lava vulcânica, que derretia a tudo que tocava. No enfrentamento, abri a guarda tempo o bastante para receber um arpão, justo na região em que minha armadura estava danificada. A seta me atravessou, rotacionei no ar na luta para não cair bruscamente, mas não consegui deter minha queda. Desabei, abrindo um rombo na terra e arrancando árvores pela raiz devido à força da minha derrapagem. O atrito me fez desacelerar e por fim parar. Resfoleguei em busca de oxigênio, me enrolei em torno de mim mesmo. Eles viriam, os cultivadores viriam para terminar o serviço.
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