Capítulo 5

Bai HuoWu

Recapitulando: fiz um acordo com um imortal.

Aiya, por que fiz isso?

Eu puxava meus cabelos, numa crise de pânico.

Maldita irresponsabilidade! Maldito rosto bonito! Foi isso! A beleza me traiu! Como eu me negaria quando estava defronte da fonte límpida da lindeza, o verdadeiro objeto embebido em harmonia celestial?! Dono de um tom misterioso de avelã, que brilhavam em seus olhos como duas pedras preciosas e do mais puro tom carmesim em seus lábios, que se assemelhava a mais requintada seda. E aquele pele impecável, seria macia como veludo?

Me levantei da cadeira. Inferno! Saí da minha cabeça! Eu não sou um corta-manga e nem um pêssego mordido! Eu não sou! Não posso ser... Ou será? Será nada, foco Bai HuoWu! FOCO!

Uma espada divina, como vou fazer uma em cinco meses?

Claro que o imortal deixou algum ouro celestial para comprar os materiais, do tipo que valia 100 das barras do ouro comum. Um bom investimento, mas eu precisava ser comedido ou não iria longe, afinal nem sei ao certo que mistura fará a liga certa para a espada divina.

Certo, se acalme.

Respirei.

Só preciso dar um passo de cada vez.

Primeiro, vou testar um terceiro elemento para estabilizar o ferro negro e a opala mística. Por que insisto em misturar as duas? Ambas eram o melhor metal para canalizar magia e eram muito usadas, o ferro negro em espadas de cultivador e a opala era utilizada moída dentro das varinhas dos magos do sul.

Dois materiais poderosos separados, e juntos poderiam ser ainda mais fortes. Embora, eu devesse descobrir como fazê-los cooperar. Tirei meu lápis de trás da orelha e a caderneta do cinto. Comecei a esboçar uma lista de possíveis minérios isolantes para impedir a explosão da liga, como ocorreu antes.

Aquatium, lapionte, fijinku, e a lista continuava. Fechei a caderneta e saí do quarto, precisava ir ao mercado!

Comecei a me sentir reanimado, quase saltitante, finalmente posso conseguir fazer uma espada divina e ser lembrado por milênios como o MELHOR ferreiro! Eu poderia ser premiado com a imortalidade e abrir uma forja no Palácio das Nuvens! Estórias seriam cantadas sobre mim: Bai HuoWu, o ferreiro imortal! Isso soa tão bem e ganhar um beijo de Li Yuanqi não parecia tão ruim...

Pare! Não se curve, Bai HuoWu! Você gosta de mulheres! Dei alguns tapas no meu rosto, eu estava precisando de alguns livros adultos para me relembrar ou de alguma companhia feminina. Ir ao bordel poderia ser uma boa atividade recreativa. Contudo, ainda necessitava ir ao mercado primeiro.

Certo, mercado, depois diversão.

Foco!

– Tá indo para onde? – Ling Wang veio correndo na minha direção, ele quase me fez morrer de susto.

– Aiya! Avisa antes de surgir do nada! Por um momento, minha alma saiu do corpo. – respirei um pouco e tratei de me acalmar, enquanto Ling Wang, aquele pequeno canalha, ria de mim. Ótimo. – Vou obter alguns minérios.

– Mas onde vai forjar? A forja do mestre só vai ficar pronta em seis meses. – falou o gênio.

Chutei o ar.

– Tinha esquecido disso. Inferno!

Meus neurônios começaram a rodar, o que eu faria? Uma ideia.

– A forja de HuanHu. – falei.

– Ela te expulsou às sapatadas!

– É mas...

– Mas ela se casou! – Ling Wang me cortou.

Fiquei em silêncio, aquela informação sempre doeria.

Sempre.

Avancei, tomando a dianteira, não queria me estender naquele assunto. Ling Wang me seguiu, como um bom patinho seguindo a mãe. Nós dois subimos na carroça e eu conduzi o burro pela velha estrada para a cidade. A forja do mestre Fei Ying ficava numa aldeia à beira do rio Cristal, chamada Shuijing. Já a cidade, Xianqi, para qual estávamos indo, ficava aos pés de uma elevação montanhosa e fazia parte do território de proteção da Seita Rosa da Lua. A distância era considerável e demorava meio-dia para chegar lá, isso se saísse bem cedo de casa.

Os montes, pelo qual o percurso passava, eram pintalgadas de rosas da lua, de pétalas pálidas e semi-luminosas, pareciam cristais cintilando ao sol, um verdadeiro espetáculo para a visão, a qual foi perturbada pelas pessoas em carroças. Havia outras em carruagens movidas a pedras de energia elementar, sem cocheiro ou cavalo, essa era uma tecnologia de ponta, do tipo que só nobres e cultivadores tinham.

As distâncias foram vencidas e quando o sol estava a pino, avistamos o vulto da cidade e a cadeia montanhosa que se erguia imponente. Sob seus picos ficavam os pavilhões da Seita Rosa da Lua e não era incomum ver os cultivadores voando em suas espadas, enchendo os céus de movimento, seus hanfus prata sacolejando com o vento.

Finalmente, alcançamos a entrada. Havia uma fila diante dos portões da muralha de prata, as pedras brancas do muro assumiram tons de argento segundo o influxo dos raios solares. Essa era uma construção feita para aguentar as piores invasões e até sobreviver ao fogo de um dragão.

De qualquer forma, o influxo de comerciantes era grande, todos iam a uma só direção: o Mercado Yin. Eu era um velho conhecido ali, já que vendia algumas invenções numa barraca improvisada. Eram coisas simples e de ampla utilidade, minha última foi a luminária de pedra luz, aproveitei a fosforescência de uma pedra anexada numa estrutura simples, mas bem feita de ferro fundido. Claro que, logo foi imitado e o objeto perdeu valor. Agora era uma mercadoria obsoleta.

Malditos imitadores!

Passamos pelos guardas e seguimos pelas ruas de lajotas, o fluxo de pessoas indo e vindo formavam multidões agitadas. Em um ponto tivemos que descer da carroça ou não avançaríamos. Amarrei o burro numa cocheira e seguimos o restante da jornada a pé.

Ling Wang ao meu lado suspirava como uma jovem apaixonada, lhe dei um cutucão.

– O que foi? Apaixonado? – provoquei.

– Não, minha mãe está me enchendo de novo. – ele suspirou, fazendo carinha de cachorro que caiu da mudança.

– E o que seria dessa vez? – assumi um tom sério.

– Ela quer que eu abandone a ideia de ser ferreiro.

– Ora, por quê?

– Eu não sou um gênio como você Bai HuoWu, nem se quer conseguir forjar uma espada direito! – suas sobrancelhas franzidas em indignação, depois dessa explosão de emoção, ele voltou a suspirar em desânimo.

– Aiya! Eu vejo espadas sendo forjadas desde os 10 anos, é claro que sou melhor nisso. Tudo demora um tempo, nada é dado com rapidez e se o for, deve ser um ferro de quinta qualidade. – eu ri de minha própria piada e Ling Wang acompanhou meu riso, ele parecia mais leve agora, mesmo que ainda houvesse incertezas no contorno de seus olhos escuros.

Dei um tapinha em sua cabeça e seguimos para o guichê de entrada, apresentamos um token, que nos identificava como ferreiros-aprendizes, isso nos dava passe automático para os seis círculos do mercado, o qual era separado entre si pela muralha prateada. Esses funcionavam com a divisoria de setores e a classificação do público rico do pobre. No primeiro, mais externo, vendia quinquilharias para o público mais humilde. O segundo e terceiro, tinham matérias mais requintadas, além de lojas de feitiçaria e outras tantas voltadas para os cultivadores (com espadas, bombas e novas invenções voltadas para o combate). O quarto e o quinto, eram para a venda de minérios, ferro ou pedras preciosas. E o sexto ciclo era onde vendiam itens raros à materiais únicos, que só eram comprados em leilões e era onde os mais abastados se juntavam. Também tinha o fato de que o meio da feira culminava na grandiosa construção do Castelo do nobre Yin Fu, o mais rico do reino Han e o qual tinha um gosto por comércio, uma bem peculiar, que o fez construir uma cidade, que era mais um grande mercado a céu aberto rodeando a sua morada. Excentricidades de gente rica. Dei de ombros mentalmente.

Entrementes, o Mercado estava cheio, como sempre.

Caminhamos e nos direcionamos para o beco que levava ao segundo ciclo, passei num cambista para mudar o ouro celestial por insígnias de ouro. Depois continuamos em frente até chegar ao quarto nível.

Localizei a banca da boa e velha Tian Nuang. Me aproximei, a venda ali sempre era intensa e alguns trolls já se estapeavam e rolavam pelo chão, possivelmente disputando algum minério raro. Normal, mais um dia no mercado, dei de ombros mentalmente.

Os evitei com muita graça (acho que pisei na mão de algum dos trolls). Alcancei a mesa da barraca, tecido branco ondulava seguindo as ordens das brisas. Os minérios mais comuns estavam expostos em poucas quantidades em mostruários de vidro, havia pedras marrons, azuis, púrpuras, eu sabia o nome de cada uma delas, faz parte da profissão. Afinal, é preciso conhecer bem o material que vai ser usado numa liga metálica, seus prós, seus contra e se vai explodir na sua cara (embora inventar algo novo fosse assim: aceitar os riscos que vierem).

Uma mulher de longos cabelos como fios de ouros e orelhas pontiagudas, terminou uma negociação com um par de humanos. Ambos compartilhavam o mesmo tipo de pulseira, suas mãos estavam unidas. Um casal. Cortas-mangas não eram incomuns no império, principalmente quando o imperador humano elevou um homem (na verdade um elfo, o príncipe mais novo do reino élfico, esse cara devia ser mais velho que o meu shao ye. Espera, o que eu estou pensando?!)  como príncipe consorte.

Desde então, tais relacionamentos homoafetivos se tornaram mais bem aceitos, é claro que ainda existia perseguição. E eu ouvira falar que nas planícies do sul, terra dos magos, os corta-mangas eram queimados vivos, além de serem caçados como pragas. Era ridículo! Amor é amor, independente do sexo! Por que as pessoas têm que complicar tanto, algo tão simples?

Sacudi a cabeça. Particularmente, não tenho nada contra corta-mangas, por isso não tive medo em me fingi de um. Caso o shao ye fosse preconceituoso, é claro que eu tinha um plano b.

De qualquer forma, sorri para a elfa, particularmente formosa. Talvez não tanto como Liu YuanQi. Cala a boca. Abri meu melhor sorriso, na verdade, eu quase o forcei. Era estranho, mas parecia errado sorri e flertar com qualquer pessoa que não fosse o shao ye. Pare! Bai Huowu, ele é um imortal! UM IMORTAL!

– Tian Nuang, sempre linda, como consegue? – tentei usar minha voz de conquista e só consegui um engasgo desafinado.

Meu coração dizia: "ela não é Liu Yuanqi" e minha mente reforçava tal pensamento. Inferno! O que estava acontecendo comigo?!

– Bai HuoWu, seu bico doce. Infelizmente não me pegou de bom humor, a que devo a honra? – ela respondeu, tinha um semblante cansado, isso poderia ser ruim para mim.

– Aqui, tem isso? – estendi a folha que continha a minha lista, eu precisava ser direto ou sairia de mãos vazias.

Ela coçou as orelhas proeminentes e maneou a cabeça.

– É difícil. Quase ninguém deseja isso, então é complicado arranjar. Vou te cobrar 12 insígnias de ouro, no mínimo.

– Estou me sentindo roubado. – rebati tentando um sorriso, que não se formou. Minha mente se negava ao flerte. "Ela não é Liu YuanQi!". Sacudi a cabeça. Será que aquele imortal tinha colocado algum feitiço em mim?

– 20... – ela retrucou colocando as mãos nos quadris.

– 8 insignias? – a interrompi.

– 11.

– 8. – insistir.

– 9 insignias, oferta final. – pela sua sobrancelha esquerda erguida, era pegar ou largar. A negociação estava encerrada, me dei por vencido, retirando o saquinho de insignias de ouro da dobra do meu hanfu.

– Feito.

Tian Nuang ergueu a mão, coloquei as moedas em sua palma, ela mordeu o ouro, o verificando como de costume. Depois fez uma cara de satisfação e até me lançou um sorriso.

– Venha às 14h e terei algo.

– Ótimo. – assim me retirei da banca, enquanto Ling Wang parecia um tolo enquanto admirava a elfa.

Notas:

Se "curvar": gíria usada para se referir a desenvolver sentimentos homoafetivos (no caso em questão, a pessoa não tinha a orientação sexual como homossexual).

Corta-manga (um pouco da história por trás desse nome): "a paixão da manga cortada" (断袖之癖, mandarim, Pinyin: duànxiù zhīpǐ) para chamar de homossexualidade. Em 5 a.C., o imperador conheceu Dong Xian e gostou muito dele. Toda vez que viajava, trazia Dong Xian e dormia na mesma cama com ele à noite. Certa manhã, o imperador acordou, mas Dong Xian ainda estava a dormir. O imperador descobriu que Dong Xian estava segurando a sua manga. Para permitir que Dong Xian continuasse a dormir, o imperador cortou a sua manga com uma tesoura e saiu.(Fonte: DAI, Xingjie. A aceitação da cultura homossexual na China e em Portugal. Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho, Braga - Portugal, 2021)

Pêssego mordido: No período da primavera e do outono (770 a.C. - 475 a.C.), as pessoas começaram a usar "o pêssego mordido" (分 桃) para representar a homossexualidade. Esse título originou-se de uma história: Wei Linggong (卫灵公) era o imperador da 28ª geração do Reino Wei e Mi Zixia(弥⼦瑕) era um homem bonito que também era um ministro ao lado de Wei Linggong. Certo dia, Mi Zixia acompanhou Wei Linggong para visitar no jardim de frutas, havia muitos pêssegos na árvore, então Mi Zixia pegou um pêssego e comeu-o. Depois de um tempo, ele pensou que o imperador ainda estava com ele, então compartilhou o pêssego que havia comido com o imperador. O imperador disse que Mi Zixia lhe deu um pêssego delicioso e realmente amou-lhe. Por isso, desde então, as pessoas começaram a usar "o pêssego mordido" para tratar a homossexualidade. (Fonte: DAI, Xingjie. A aceitação da cultura homossexual na China e em Portugal. Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho, Braga - Portugal, 2021)

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