Capítulo 4

Lei LongWei

Relembrei as antigas profecias que meu povo colecionou ao longo dos milênios e que hoje estavam transformadas em cinzas, ao menos grande parte delas. Foi preciso queimar algumas coisas para garantir que não caíssem em mãos erradas. Eu odiei queimar os pergaminhos, mas foi necessário, ao menos tentava me convencer disso. No entanto, mesmo com os meus cuidados, segundo Pei FuXian, algo havia sobrado e aquela criatura as tinha lido, ganhando mais substância para as suas tramas obscuras.

- A espada das trevas deve está prestes a cair na terra. - concluí, enquanto me virava.

- Sim, segundo as previsões de nossos estudiosos das estrelas, a espada cairá exatamente nas montanhas da escuridão. Justamente onde Pei FuXian está. - disse Chao KangLi.

Meu amigo se aproximou e me ofereceu um rolo de pergaminho, o desenrolei e analisei o mapa estrelar. A dita "estrela de Sattur", que na realidade era a espada das trevas banida do mundo por forças divinas, fazia um trajeto de aproximação, num arco de 45 graus e logo cairia em terra. Os cálculos não mentiam. Fechei o mapa, tínhamos cinco dias, seis, no máximo.

- De fato, me parece que ele planeja tomar posse da espada. Devemos impedir isso! Preparem um destacamento e convoquem os guardas escarlates, eu irei pessoalmente! - comandei, depositando o rolo sobre uma mesinha velha e frágil que mal parecia se sustentar direito em pé. Dei um fraco sorriso, eu e a mesa tínhamos muito em comum.

Comecei a sondar minhas forças, no máximo tinha reavido 50% de minha energia vital, poderia durar um pouco numa batalha, mas essa seria claramente minha última. É isso que acontece com um dragão, assim como nascemos do fogo de nossos pais, um dia nos findaríamos como uma chama que se apaga. Quando alcançavamos uma certa idade não envelheciamos mais, como uma faísca permaneciamos queimando indefinidamente até que os comburentes se extinguisem.

- Mas irmão, ainda está fraco! - replicou minha irmã se agarrando ao meu braço. Eu via sua preocupação em seu rosto e entre suas sobrancelhas finas e franzidas.

Trocamos olhares. Ela sabia e eu também, era nossa última marcha. A última batalha de um povo quase extinto.

- Eu irei.

Aquela sentença pesou no ar como uma cortina de ferro, vi seus olhos cheios de lágrimas não derramadas, seus lábios se apertando. Desviei o olhar, enquanto a fala dos generais se erguia num coro fúnebre:

- O desejo do rei, é nosso dever.

Nunca pensei muito em como seria minha morte. Em que momento minha energia se esvairia e como seria a sensação. Nunca pensei nisso, porque se o fizesse não continuaria lutando todos os dias, mas me entregaria.

Entrementes, eu defrontei a morte várias vezes, sempre escapando por pouco de suas garras mortais.

Contudo, era diferente agora.

Naquele momento, eu me vestia com a armadura de um imperador, ao menos o que sobrara dela. Suas placas outrora polidas, com entalhes em ferro cinza, como desenhos, ilustrando a minha ascendência, delineando o fogo primordial, os primeiros dragões que surgiram das chamas, o primeiro imperador.

A peça estava agora desgastada do tempo, exatamente como eu. Cadaços de couro delgadas pelo uso, placas escuras, desenhos apagados. Minha armadura virou mais uma peça de museu que um item a ser usado. Isso não se referia a capacidade de forja de um dragão, mas sim os milênios de fuga, de guerra.

Meus olhos de um tom cardo cintilavam, eram a única diferença entre meu corpo original e aquele forjado, o antigo Bai HuoWu. Aquelas íris, me marcavam como pertencente ao clã dos dragões, mais especificamente, eu sou o último dragão negro vivo. Do mesmo tipo do meu pai, e do meu avô e das gerações anteriores de imperadores.

Quando não havia as outras espécies naquele planeta, nós já existíamos. Assistimos os elfos nascerem, os humanos se formarem. Vimos como cada raça surgiu das brumas da criação, como formas deixadas na espuma do mar. E agora, iriamos ser as primeiras a se extinguir. Talvez fosse justo, primeiro a surgir, primeiro a sumir.

Saí do quarto, seguindo pelos corredores de pedra cinzenta e fria. Havia um ar solene pairando, como uma neblina. Todos sentiam. Era chegada a hora. Minha irmã veio correndo em minha direção, empurrando os guardas que me rodeavam.

- Ainda não acho uma boa ideia você ir! - ela insistia. - Deve ter outro jeito!

- Eu ficarei bem. - menti.

- Deixe-me ir com você e garantir que ao menos retorne vivo! - voltou a pedir.

- O povo precisa de um líder. Deve ficar e protegê-los, como a Senhora da Fortaleza Secreta. - retruquei, ao menos você deve aguentar o máximo que der até que o fim também te alcance, era o que eu dizia nas entrelinhas.

- Mas.

- Obedeça ao seu rei. - supliquei, minha voz tremeu.

Ela engoliu as próximas palavras, seus olhos vasculhando meu rosto, em seguida abaixou a cabeça, derrotada. Dei um afago em seus ombros e a deixei. Me conduzi por entre os guardas, tomando a frente para encarar o meu povo, o corredor suspenso me dava uma visão ampla e serviria para ecoar a minha voz. O meu povo me observava, temerosos, esfarrapados, moídos pelos anos em fuga.

Eram um punhado que não chegavam às centenas, diferente do que um dia fora. Antes, haveria gente o suficiente para encher a fortaleza, hoje, ela parece mais vazia que povoada.

- Quando coloquei essa coroa, selei um compromisso eterno com cada um de vocês e para valer isso, hoje partirei com alguns soldados. Tentaremos adiar o desejo de nossos inimigos de nos exterminarem. Caso falhemos, ordeno a Senhora da Fortaleza Secreta, gōngzhǔ Lei MuLan, que feche os portões na manhã do décimo quinto dia, mesmo que eu não tenha retornado. Essa é a vontade do trono de fogo.

- Que seja feita a vontade daquele que nasceu do fogo. - foi a resposta em uníssono do meu povo.

Minha irmã, ao meu lado, poderia ter lágrimas nos olhos, mas sua postura rígida e confiante, tratava de esconder seus sentimentos. Era uma mulher firme e poderosa, digna da alcunha de dragão adornado de fogo e cinzas.

O elmo me foi entregue por suas mãos frias.

- Vê se não morre, ok? Ainda quero que esteja no meu casamento.

- Desde quando está noiva? - perguntei surpreso.

- Eu ia te contar com mais detalhes, nossa situação é um tanto delicada.

- Que situação delicada? Está sabendo de algo, Chao KangLi?

O comandante parecia um pouco pálido, meu olhar seguiu de seu rosto para o da minha irmã. Entendimento me deu um tapa na cara.

- Vocês dois aprontaram algo na minha ausência, não foi? Não importa, o momento não cabe uma discussão familiar, debateremos isso em outra ocasião. - apontei para o comandante Chao. - Eu vou te castrar se souber que a tal situação delicada de vocês, envolve um ninho e um ovo.

Chao engoliu em seco e deu um sorriso fraco.

- Então... - essa sua única frase me fez entender tudo. Aqueles dois cabeças de vento!

- Se sobreviver a essa missão, eu vou te matar! - declarei enraivado para o meu melhor amigo.

Virei as costas para o casal e me encaminhei para as escadas de pedra, acompanhado dos guardas escarlates e do destacamento de 20 soldados. Pegamos o caminho lateral das rochas e escalamos o despenhadeiro de mármore vulcanizado, já que o acesso do portão, se aberto, poderia deletar nossa localização.

Depois da escalada alcançamos os quilômetros poerentos da terra infértil de Kung. Eram areias vermelhas, como ferro oxidado, vento carregado o pó fino, calor escaldante arrancando suor do meu corpo. Coloquei a mão sobre a testa para impedir a luz do sol de incomodar meus olhos. Suspirei. Teríamos um longo caminho pela frente, mesmo viajando o mais rápido possível alcançaríamos as montanhas escuras na manhã do sexto dia.

Fechei os olhos, energia vibrando meu ser, como uma corda de guqin sendo dedilhada. Depois houve um clarão breve e veloz como um relâmpago, minha forma se alterou, se agigantando. Me estiquei, fazia tempo que eu não assumia aquela forma. Balancei minha cabeça, juba negra sacudindo, meus chifres brancos cintilaram, meu corpo flutuou, ar sendo modelado ao meu redor, se curvando ao meu desejo. Me icei, como uma pedra sendo lançado de um estilingue, em direção aos céus, serpenteando entre as nuvens e sendo seguido por outros como eu.

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