Capítulo 17

Bai Huowu

Quando o tremor findou, foi quando eu e Liu Yuanqi nos mexemos. Lentamente, saímos dos braços um do outro. O calor do seu corpo, deixando o meu. Apenas frio e poeira, restou. Me sentei, me sentindo subitamente vazio, espanei o pó em minha roupa de forma mecânica.

Já o imortal analisava o estrago no entorno. Em silêncio, concordamos que havíamos tido sorte, já que a mina inteira tinha desabado. A única saída estava obstruída por uma coleção de rochas, que formavam um paredão intransponível. Estamos PRESOS! Medo subiu pela minha espinha, comecei a sentir um aperto súbito no peito.

– Estamos presos. – comecei a hiperventilar.

Lembranças ocultas pelo véu do passado, desveladas. Havia uma cela, escura e pequena. O fedor de mijo e outras imundices ardia no nariz, tal qual amônia. Eu ainda sentia a queimação nos pulmões, ainda sentia aquele mau odor. As lágrimas se formaram, deslizando, sem minha permissão, pelos cantos dos meus olhos.

– Bai Huowu? – tosse. – O que foi?

As mãos de Liu Yuanqi se depositaram em meus ombros, estavam frias. Eu não via seu rosto, o mundo parecia fora de foco. Ar não entrava, eu estava sufocando. Era como se acontecesse de novo, mais uma vez, eu estava na cela dos escravos prestes a ser vendido por pessoas desconhecidas, procurando pelos meus pais, mas não encontrando nada além de escuridão.

Escuridão. O som de sinos, badalavam aos meus ouvidos.

– Eles estão aqui. Eu tentei tanto, mas continuo fracassando. Não consigo protegê-los, como não consegui proteger minha meimei.

– Bai Huowu? Não está falando coisa com coisa. Precisa se acalmar, está me ouvindo?

– Eles estão aqui. Ainda nos perseguindo.

Minha mente estava enevoada, pesada como chumbo, meu corpo inteiro tremia. Algo em minha mente se esticava, se espreguiçando. Estava acordando, a hora estava chegando. Uma certeza me tomou, clara e cristalina igual ao Rio Cristal, minha morte estava próxima.

Tombei contra o corpo de Liu Yuanqi e apaguei.

Acordei numa cama macia, lençóis brancos me cobriam. Apertei o tecido acetinada na palma da mão, minhas emoções borbulhando e as lembranças vindo em ondas e estremecendo minha consciência. De repente, estava lá, a verdade me encarava com olhos de fogo. Eu sabia e tudo de certa forma fazia sentido.

Pisquei. Me sentindo calmo, como nunca antes. Minha constante agitação se esvaiu, não deixando nada atrás de si.

Respirei.

O teto era de madeira preta e lisa, as cortinas ao redor da cama balouçavam pelo sopro suave do vento, sol entrava pela janela redonda, que estava aberta.

Liu Yuanqi estava sentado num sofá macio na sacada, cabelos como fios de ônix ondulando, lábios apertados numa linha, o vinco entre suas sobrancelhas comprovaram a minha suspeita, ele estava preocupado. Me sentei, meus olhos ainda fixos nele. Eu sabia, mas ele ainda não. Me odiaria quando descobrisse? E eu, deveria odiá-lo? Ele era um deles no fim das contas...

Hesitei. Mas no fim, cedi. Eu só precisava de mais um pouco de Liu Yuanqi, apenas um pouco mais. Aquela parte voltou a fechar os olhos, como se dormisse, me dando tempo. Eu entendi, assim que voltasse a abrir os olhos, minha missão estaria cumprida e seria hora de voltar. Afinal, aquele corpo, não duraria, não fora feito para isso.

– O que foi? Contrariando suas expectativas, eu realmente matei o Ancestral? – minha voz parecia uma lixa, minha língua estava áspera e seca, havia um gosto amargo residual na minha boca. Era de alguma medicação, engraçado, não lembro de ter tomado nada.

O imortal se assustou com a minha súbita fala, ele levantou os olhos do documento, surpresa iluminou suas íris e vergonha, ou sei lá qual sentimento, coloriu suas bochechas pálidas. Ele estava corando? Fiquei dividido entre ficar extasiado com aquela reação ou ficar desconfiado, era como se palavras não ditas pairassem sobre nós. O que aquele imortal andou fazendo?

– Está acordado?!

– Acho que sim. Embora sonhar com você não seja nenhuma novidade. – dei de ombros, para depois morder a língua, ultrajado. Céus, acabei de admitir que sonho com ele?!

Liu Yuanqi abandonou o documento que lia sobre a mesinha e se levantou. Movimentos fluidos, sem barulho, como um grande felino. Ele se aproximou, meu coração tremia no peito em resposta. Alcançou a cama, se curvou sobre mim, timidez me fez abaixar os olhos e amassar os lençóis em nervosismo. Ele ia me beijar? Isso era realmente um sonho, assim, fiz beicinho, fechei os olhos e me aproximei dele e.

Sua mão posou na minha testa.

O quê?

– Sua temperatura parece normal.

Temperatura?

Ele estava medindo a minha temperatura?!

Desfiz o beicinho e corei ainda mais, me sentindo um completo idiota. Deuses, estou pronto! Pode levar seu filho! Liu Yuanqi mal se afastou e eu me afundei na cama, escondendo o rosto no travesseiro.

– O que foi? Ainda sente alguma dor?

– Apenas minha idiotice me dando uma surra. Só isso. – minha voz soou abafada, devido ao fato que ainda empurrava minha cara na almofada.

– Ah, então acho que ficará pela eternidade nessa posição ou acha que não notei sua intenção quando me aproximei?

– Você está provocando um pobre doente? Liu Yuanqi, quando se tornou tão insensível? – me levantei para o encarar.

Vi um erguer sutil do canto direito da sua boca, era apenas um meio sorriso divertido, mas foi o suficiente para me arrebatar.

– Você é tão óbvio, Bai Huowu. – replicou. – Culpe a si, se não fosse tão óbvio, eu não teria o que provocar.

Me sentei, me sentindo injustiçado.

– Rostos bonitos, realmente são enganadores e.

Vi seus ombros tensionar, a expressão divertida morreu e o lago gélido retornou a sua feição. Mordi a língua, era evidente que toquei num ponto dolorido. Abri a boca para me desculpar, mas o que saiu foi:

– Ainda não entendo, porque o Ancestral fez isso. Eram pessoas que ele jurou proteger. Eram vidas.

Liu Yuanqi me encarou, expressão séria. Abaixou o olhar e se sentou na cama, que afundou de leve com o seu peso.

– Poder, é a razão de quase tudo de mal no mundo.

– Poder? Não deveria aquele que tem mais poder, defender aos fracos e combalidos?

– No mundo ideal, sim. No mundo real, não. Grande parte das vezes, os poderosos viram taoteis, que com sua gula devoram tudo, na ânsia por mais poder, mais controle. Acho que foi o que aconteceu com o Ancestral.

Assenti, fazia sentindo. Como sempre a complexidade do mundo me assustava, na minha cabeça as coisas eram simples, ou era bom, ou mal. Ou era forte, ou fraco, ou era herói, ou era vilão. Mas grande parte das vezes, não é assim. Nada era uma coisa só ou ostentava uma cor só, até o branco é formado por todas as cores, para ser branco.

No entanto, a dor do engano ainda era pulsante em meu peito.

– Eu realmente acreditei, nas lendas, nas histórias. Eu queria ser um deles, queria ser como você. Alguém bom, digno. – dei uma risada, que soou seca e desafinada.

Imortal? Como fui tolo, eu nunca poderia ser um imortal.

– Ah, Bai Huowu. Bem e mal são como uma mescla dentro de nós, o que escolhemos fazer vira ações, ações viram vícios e maldade. Em algum momento, eles escolheram o mal e isso se tornou um costume, agora, faz parte de quem são. Além disso, ainda somos humanos. Vivemos mais, conhecemos mais, mas continuamos humanos.

– É por isso, que quer uma espada divina?

Liu Yuanqi suspirou, mãos se apertando.

– Não tenho força suficiente para defrontar o Ancestral. – admitiu, seus olhos cor de avelã se fixaram em mim. – Eu apenas apostei, nem te conhecia direito, mas você tinha uma aura que me dava a certeza que conseguiria. Primeiro me achei um idiota por colocar tanta fé num simples aprendiz de ferreiro, mas você é uma caixinha de surpresas Bai Huowu. E se algum humano, realmente puder forjar uma espada divina, esse alguém é você. Hoje, tenho a certeza indubitável disso.

Ouvir aquilo da boca dele, era como escutar o cântico dos deuses, me enchendo de forças e coragem. Ao mesmo tempo, eu pesava os fatos. Eu já fiz uma espada divina antes, há muito tempo, sei quais os ingredientes e também conheço o que aquela arma pode fazer. Era poderosa demais. E se caísse em mãos erradas? E se fosse usada pelo Ancestral para decapitar Liu Yuanqi? Não, isso não pode acontecer.

– Quero o seu sangue. – falei num rompente, me aproximando dele.

O imortal se assustou.

– Você quer...

– Algumas gotas, vou ligar você a espada. Ela só será poderosa em suas mãos e se destruirá quando você morrer.

– Como uma espécie de contrato.

– Isso.

Liu Yuanqi retirou uma grande agulha da manga de sua vestimenta, espetou o próprio dedo, gotas vermelhas ficaram suspensas no ar, ele a envolveu em qi e modelou a energia a cristalizando, criando uma espécie de rubi e me entregou.

– Do que mais precisa, ferreiro?

– De 200g de luxxer. De preferência uma que não tenha sido minerado por crianças e nem enriquecidas por almas humanas.

Ele assentiu, pareceu querer se erguer, mas se deteve.

– Sabe que não poderei o transformar num imortal, não é?

– Não quero mais ser um imortal.

É impossível para mim, completei mentalmente.

– O recompensarei com ouro suficiente para viver bem até a sua velhice. – propôs o shao ye.

– Não quero isso também, tenho uma profissão, sou ferreiro, posso me sustentar e consegui ouro de outras fontes. – parei e ponderei o que queria. – De você, Liu Yuanqi, eu quero um favor.

– E qual seria?

– Quero que me prometa, que se eu for longe demais, se em algum momento perder o que me resta de dignidade e moralidade, desejo que me mate.

Ele me encarou, estava alarmado, olhos arregalados, sobrancelhas se apertando, cenho franzindo. O imortal se ergueu, a cama rangeu em resposta ao seu movimento.

Analisei seu rosto, e ansiei ter tempo. Tempo para amá-lo com toda a intensidade que ele merece. No entanto, a vida, tem outros planos. Quando eu voltasse, minha memória completa mudaria muito a minha personalidade, a sede de vingança voltaria ao nível doentio de antes e então, eu agiria.

Meu corpo estremeceu.

Eu não quero ser um monstro.

– Me prometa. – implorei, eu me ajoelharia diante dele se fosse necessário.

Seus olhos me sondaram, como se tentasse ler os meus pensamentos mais íntimos, na busca de entender aquele juramento estranho. Havia preocupação na forma como seus lábios se apertaram numa linha, mão se fechando. Ele parecia hesitante. Segurei suas mãos.

– Me prometa, não deixe que eu me perca.

– Tem a minha palavra, que se a situação assim o exigi, eu o deterei.

Expirei em alívio e assenti com a cabeça. Era o bastante, voltei a me encostar na cabeceira da cama e mordisquei a unha do dedão. As lembranças voltavam aos poucos, como quadros desbotados. A minha real identidade, me deixava apreensivo, além é claro da minha evidente e inadiável, morte. Pois, era um fato, que a cópia começaria a apodrecer em breve.

Aquela vidente maldita! Pelos sete céus, ela bem que previu minha morte aos 18 anos e tinha razão. Ela tinha razão!

Demorou, mas veio. Mais um capítulo da história, espero que gostem.

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