Capítulo 12
Liu Yuanqi
O Palácio das Nuvens era construído numa montanha flutuante. Ninguém sabia como tal terra voava. Entretanto, haviam histórias sobre como fora a morada dos deuses e como esses lançaram magia no solo e por isso, ela flutuava. Outras contavam que antigos dragões teriam sido senhores daquele lugar e que foram os responsáveis por fazer a montanha pairar. Esse povo antigo, também teriam erigido o Palácio das Nuvens. Eu tendia a crer nesse último, mas as minhas crenças eram irrelevantes.
De qualquer forma, a terra era fixa no lugar por correntes vermelhas de material desconhecido. Quando os ventos uivavam entre as rochas, o barulho das correntes ecoavam, como uma canção ritmada de letra incompreensível, mas de tom sombrio, tal qual uma música triste dedilhada num guqin.
Continuei avançando, com a minha aproximação e apresentação do token de entrada diante da cúpula de qi, houve uma cintilação que se espalhou pela proteção, depois um alto som mecânico, como milhares de engrenagens em funcionamento. Por fim, uma ponte desceu, sua estrutura se desdobrando, como um leque sendo aberto. O sênior de minha seita e o criado, que me ladeavam, soltaram murmúrios de espanto e depois suspiros de admiração. Era a primeira vez que viam pessoalmente tal mecanismo, até mesmo eu não poderia julgá-los, já que isso ainda me impressionava.
Assim que a ponte se fixou, avancei, ambos me seguindo, quase pisando nos meus calcanhares. Não pareciam ter muita fé na estrutura.
– Isso não é nem um pingo seguro! – exclamou sênior Guan. – Impressionante é, mas não parece seguro.
Contrariando suas expectativas ou as superando, conseguimos alcançar os portões sem maiores problemas. Os portões colossais, eram feitos em material desconhecido e branco como jade, estavam escancarados. Nos aguardando, haviam três guardas de branco e dourado, eram guardiões pessoais do Ancestral, fundador do Clã dos Imortais.
O trio de homens, com capacetes de ouro celestial, me pararam.
– Convite?
– Tenha mais respeito, se dirige ao Élder Liu YuanQi! – ralhou o sênior Guan, o qual tinha uma expressão indignada no rosto.
– Aqui não existe titulação além do Ancestral. – replicou o guardião, lhe dando um olhar de censura.
– Como ousa?! – a mão do sênior pairou sobre o punho da espada, ele era conhecido por suas atitudes enérgicas e impensadas. Porém, um homem leal, e por esta razão, era próximo a mim.
– Chega, Sênior Guan, por favor se controle. – pedi antes que a situação evoluísse. Me virei para os soldados, apresentei o convite em papel branco, de alta qualidade e com a impressão energética do Ancestral, como um sinal inquestionável de que era original e não uma falsificação.
– Certo, confere. Liu YuanQi, seu horário é às 15h, compareceu dez minutos antes do horário. Isso é bom, o Ancestral ficará feliz. O aguarde nos Jardins Yínsè Diàoshì (银色吊饰 - encanto prateado).
Assenti e fui conduzido pela serva de vestido róseo, em direção aos salgueiros-chorões. O caminho de pedra era ladeado por peônias brancas como a neve, suas pétalas macias abertas e seu perfume suave se imiscuía no ar. Mais a frente, havia um lago, de onde se projetava os pendões das raras Lótus Noturnas, sua coloração azul metal, tinha um brilho característico e incomum, pareciam forjadas por mãos de algum ferreiro excepcional.
Entretanto, assim era no Jardim Yínsè Diàoshì, tudo tinha um aspecto de ferroso. Mesmo as carpas cinzas, que nadavam em um imenso lago cristalino, pareciam feitas de metal. Também o era os salgueiros-chorões que circundavam o lago, seus troncos curvos, como idosos milenares a olhar para o espelho d'água. Até essas árvores tinham o tronco metalizado e apresentavam folhas num raro tom avermelhado, diferindo de qualquer planta de sua espécie. Era, em síntese, um ambiente incomum e com uma energia luminosa e antiga, tal qual as cintilações das estrelas.
Inspirei o inigualável odor das Lótus Noturnas, fazia tempo que eu não entrava naquele lugar e nem desfrutava da maravilha única daquele ambiente. A serva me indicou um banco e serviu chá amarelo, numa gaiwan com desenhos de peônias feitos a mão.
Enquanto a empregada me entregava a gaiwan, ela me passou um minúsculo pergaminho enrolado, não me olhou, mas abaixou a cabeça e se retirou. A jovem se movia com fluidez pelo jardim, não parecia ter pressa, afinal não podia levantar suspeitas.
Tomei um gole do chá morno, me deliciando com o seu sabor e depois, desenrolei o papel. Em tinta negra havia um número: 15. Franzi o cenho, minha mente rodava, tentando entender como isso se encaixava ao resto. O número simbolizava a quantidade de pílula Buda no laboratório de alquimia do Ancestral.
A quantidade do milagroso medicamento estava diminuindo, era como se faltasse algum ingrediente. Será por isso que o Ancestral traçava caminho para o norte? Por isso, havia pedido para "juntar recursos"? Nas minas de Luxxer, recém descobertas, estava a resposta para a charada de: o que compõe uma pílula capaz de curar qualquer doença ou veneno e de dar vida eterna ao homem?
Sim, a imortalidade vinha por uma via farmacêutica misteriosa. E ninguém sabia ao certo como o Ancestral adquiriu tal receita, mas fato é que funcionava e a cada 10 anos, eram eleitos nomes para serem "elevados". Em outras palavras, ocorria uma cerimônia secreta e fechada, na qual a pílula era entregue a sortudos, que não eram assim tão afortunados.
Normalmente quem consumia o medicamento ou era algum filho de um nobre, ou, em poucos casos, aqueles que realmente mereciam. Como pequenos gênios de variadas áreas, seja um cultivador imortal que descobriu um novo conjunto de arte da espada, seja algum alquimista, que tenha realizando um grande feito. No entanto, esses casos eram raros.
Afinal, era o poder que fazia o mundo girar.
No entanto, importante dizer que eu não me encaixava em nenhuma categoria. Porque ascendi com os segredos milenares da cultivação, do tipo que ninguém mais tinha uma cópia e a única que restou, eu destruí. Evidente, que após memorizada. Óbvio dizer, que era um caminho difícil e árduo, por pouco não sobrevivi, principalmente quando vieram os 107 raios da provação. Sim, eu fui atingido por 107 raios, seguidos.
Como permaneci vivo? Mistério que só os deuses teriam conhecimento. De qualquer forma, foi através dessa técnica que venci a limitação humana: a mortalidade.
Evidente, que isso não agradou o Grande Ancestral, o qual sempre possuiu controle sobre tudo e todos. Eu era um expoente surpresa no cálculo e ele detestava isso. Mesmo quando não eramos abertamente adversários, o Ancestral me marcava e me vigiava. Contudo, havia um detalhe que ele desconhecia: no jogo dos espiões, eu que dou as cartas.
Terminei o chá.
Fechei o papel no punho e direcionei qi, calor cutucou minha pele, quando abri a mão apenas cinzas foram sopradas pelo vento. Regra número 1 de um espião, nunca deixe rastros.
Me servi com mais uma xícara de chá e mordisquei um bolo especial de flores de Hunnin, o sabor do recheio de flores era suave e agradável, igual a caramelo derretido.
– Esse lugar é bem... diferente. Parece todo feito de ferro. Eu não acho bonito. – comentou Sênior Guan, cortando abruptamente o silêncio reinante.
– Acho que conheço alguém que acharia esse lugar, no mínimo, atrativo. – lembrei de relance do ferreiro e pensei em como seus olhos brilhariam se visse aquele ambiente.
Será que ele coraria, como ontem? Essa possibilidade me deixava animado.
Parei.
Animado?
Por que eu sentia que essas emoções eram perigosas?
– Fala do ferreiro? – indagou Sênior Guan. – Estou começando a ficar curioso sobre ele, nunca vi o Élder falando de ninguém assim...
Franzi o cenho e o encarei. Antes que lhe respondesse, uma voz oleosa, como um pastel de procedência duvidosa de uma feira ao ar livre, foi ouvida:
– Liu YuanQi, meu filho querido.
Odeio ser chamado de "filho querido". E detesto cada segundo que terei que sorrir e ser gentil com uma escória que incentivou um massacre numa vila da Seita Demoníaca. A qual eu duvidava que fosse apenas em "extermínio", principalmente quando fui notificado sobre seleção dos cadáveres e a condução para o laboratório de alquimia.
O que ele fez com os corpos? Eu nunca descobrir, mas eu senti certo arrepio na espinha quando fui informado, numa tarde fria, que inesperadamente, o estoque de pílulas Buda subiu para 350 unidades.
Obviamente, eu tinha minhas conclusões sobre o assunto, mas sem muito embasamento, principalmente para uma denúncia formal. Mas era apenas uma questão de tempo e isso eu tenho de sobra. Em algum momento, ele vai pôr os pés pelas mãos.

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