Os Segredos de Greta
GRETA
Greta foi a primeira a chegar pelo portal que a Deusa havia aberto. Ela não gostou nada de ter que se lançar em um buraco que emanava uma luz bruxuleante, especialmente sem nenhuma instrução prévia. Esperava ansiosamente ter a oportunidade de encontrar a Deusa novamente, para fazer perguntas sobre a missão tão perigosa e, em sua opinião, descabida. Enviar quatro herdeiros para o reino mortal sem qualquer instrução ou treinamento parecia, para ela, uma decisão extremamente imprudente. Talvez a ordem e a disciplina fossem características inerentes às fadas do Outono, mas para Greta, essa falta de orientação parecia mais um desafio absurdo do que uma tarefa bem planejada.
Greta agradeceu por ter chegado primeiro, pois assim que sentiu a terra firme sob seus pés, o enjoo a acometeu com força. Ali mesmo, na grama a seus pés, ela despejou o café da manhã e o almoço. Logo em seguida, um portal começou a se abrir, e dele emergiu uma garota tão jovem e bela quanto Greta. A garota do Verão passou pelo portal com uma classe impecável, sem ao menos tropeçar. Seus cabelos loiros prateados brilhavam sob os raios de sol que filtravam através dos galhos e folhas das árvores acima, e Greta imediatamente se lembrou dela, assim como dos outros herdeiros com quem teria que lidar durante a missão. O garoto da Primavera era tão gracioso quanto a herdeira Solar, já Greta começou a se achar um tanto sem graça comparada a eles.
Mas foi só quando o Príncipe Kohan saiu de trás das árvores e se revelou para os três, que Greta não conseguia desviar os olhos dele. Não era apenas pela beleza impecável que ele possuía, nem pela aura fria e imponente que emanava. O que a prendia era sua postura diante dos outros. Esse príncipe parecia diferente do que ela esperava. Menos narcisista e egocêntrico, ao contrário de seu pai. Mas, ainda assim, ela via em seus olhos um reflexo familiar: o mesmo olhar de medo e solidão que estivera presente o tempo todo.
A tensão entre eles era palpável. Vixen, a princesa do verão, mostrava-se impiedosa, com uma confiança afiada, questionando cada palavra com uma arrogância que só alguém que raramente ouve a palavra "não" poderia ter. Kohan, por outro lado, não recuava. Suas respostas eram tão afiadas quanto as de Vixen, talvez até mais sarcásticas e cortantes.
Greta observava os dois, sentindo-se deslocada. Conversar nunca foi seu ponto forte, muito menos mediar brigas. Como filha da Rainha do Outono, sua criação era baseada em disciplina e força. Não havia sido treinada para a política ou para suavizar tensões com palavras delicadas. Seu corpo e mente estavam condicionados à batalha, à ordem e ao cumprimento de regras, e isso a fazia se perguntar como exatamente ela deveria se integrar naquele grupo sem abrir mão de quem ela era. A postura rígida e controlada que ela mantinha escondia o turbilhão de pensamentos e dúvidas sobre como agir com esses outros herdeiros.
A missão, imposta pela Deusa, não parecia nada simples, ainda mais com egos tão inflados e personalidades tão diferentes. Contudo, Greta sabia que qualquer vacilo poderia colocar tudo a perder.
Enquanto caminhavam pela floresta, a tensão entre os quatro não fazia nada além de aumentar. Cada passo parecia alimentar o desconforto entre eles, como se a floresta em si conspirasse para manter o clima denso e carregado. Embora fossem completos estranhos, havia uma clara resistência em cooperar, e os poucos diálogos trocados estavam repletos de sarcasmo e provocações, especialmente entre Kohan e Vixen.
Para Greta, tudo naquela floresta começava a parecer estranhamente igual: as árvores, as trilhas, a falta do vento. Um pressentimento desconfortável crescia em seu peito, mas ela não conseguia identificar exatamente o que estava errado. Era como se algo invisível os estivesse observando, alterando o caminho.
Depois de mais alguns metros, Kohan parou abruptamente. Seu olhar, sempre tão controlado, agora refletia algo mais profundo – uma mistura de desconfiança e irritação. Ele ergueu a cabeça com aquele ar de nobreza que lhe era característico, e falou com uma voz que cortava o silêncio como uma lâmina: — Estamos andando em círculos.
Greta sentiu um arrepio. Era exatamente o que ela havia percebido, mas não tivera a coragem de dizer. Agora, com as palavras de Kohan confirmando suas suspeitas, a preocupação tomou forma real. Algo naquela floresta estava brincando com eles, e, seja o que fosse, não parecia disposto a deixá-los sair facilmente.
O murmúrio das vozes cresceu rapidamente. Vixen foi a primeira a questionar, com uma mistura de raiva e sarcasmo, enquanto o Príncipe da Primavera, que até então se mantivera mais reservado, também começou a se preocupar, lançando perguntas rápidas que mal esperava ver respondidas.
Então, ao ver Kohan estender a mão e fechar os olhos, claramente tentando canalizar algum tipo de magia para resolver a situação, Greta perdeu o controle sobre seu silêncio. O que ele estava tentando fazer? A magia deles não funcionaria em um lugar como aquele e usar em um lugar tão imprevisível poderia ter consequências desastrosas.
— O que você está fazendo? — Greta o olhou com um misto de surpresa e suspeita. — Sua magia funciona aqui?
Greta ficou momentaneamente confusa com a resposta de Kohan. Ela esperava um tom arrogante, algo típico dos herdeiros com quem estava acostumada a lidar, especialmente considerando o histórico de seu próprio pai. Mas a simplicidade e a sinceridade com que Kohan respondeu a surpreenderam.
"Talvez você só estivesse nervosa ou preocupada com o que está por vir. Que tal testar agora?"
Ele não estava zombando dela, nem parecia subestimá-la. Greta o encarou por um instante, avaliando se haveria algum truque por trás de suas palavras, mas decidiu seguir seu instinto.
Ela fechou os olhos, sentindo a familiar conexão com sua magia. Desde pequena, sua mãe, a Rainha do Outono, a incentivara a explorar seus dons, e para Greta, manipular o vento era como respirar. A magia fluía de maneira natural, e ela sempre a controlava com precisão. Era parte dela, algo intrínseco.
No entanto, desta vez, algo estava diferente. A sensação de queimação começou em seu peito, como se sua magia estivesse sendo despertada por algo além dela. Inicialmente, a sensação era leve, mas logo se intensificou, espalhando-se por todo o seu corpo. Greta apertou os punhos, tentando manter o controle. O vento ao redor dela começou a se agitar, folhas rodopiando e os galhos das árvores ao redor sacudindo como se estivessem respondendo ao seu chamado. Porém, ao invés de encontrar conforto em sua magia, havia algo errado. A queimação aumentava, e Greta abriu os olhos, oscilando entre o controle e o desespero. O ar parecia mais denso, opressor, como se a própria floresta estivesse resistindo à sua magia.
— Algo está... errado - disse ela, sua voz tensa. O vento que antes era sua aliada agora se comportava de forma errática, como se estivesse fora de seu comando.
Kohan observava, seus olhos frios e calculistas, enquanto os outros trocavam olhares preocupados.
— Greta, tem algo brilhando debaixo da sua roupa — Art falou, a voz quase falhando.
*****
O silêncio que se seguiu foi denso enquanto Greta retirava o colar envolta de seu pescoço, o silencio era quase palpável, enquanto os quatro herdeiros observavam. Enfim ali estava o objeto que brilhava e queimava irradia poder ao mesmo tempo. A Bússola que sua mãe havia dado antes da sua missão. A dadiva do reino do Outono.
O brilho pulsante que emanava das pedras preciosas em seu centro parecia aumentar, como se reagisse à presença deles. Greta sentia o calor pulsar, os pelos de seu braço se arrepiavam, enquanto o peso do objeto parecia carregar uma responsabilidade maior do que apenas o que representava para o Reino do Outono.
— É a uma bússola do meu reino, um presente de viagem da minha mãe. - A mentira sairá mais fácil do que ela imaginava. Odiava mentir sobre qualquer circunstância, mas em hipótese alguma revelaria o segredo da sua mãe. O calor que emanava do artefato agora se espalhava por suas mãos, causando uma leve tremulação. Ela podia sentir os olhares intensos de cada um sobre ela, mas não conseguiu encontrar seus olhos.
A princesa do Verão, ainda radiante, deu um passo à frente, com o rosto curioso, mas cauteloso. Seus olhos prateados refletiam a luz das pedras preciosas da bússola, como se tentasse decifrar o que aquilo significava para a missão deles.
— Ela está... ativa? - Perguntou a princesa, com a voz suave, mas carregada de interesse. Ela manteve sua distância, porém, como se temesse o que aquilo poderia desencadear.
Greta apertou a bússola em sua mão, sentindo o calor se intensificar. Nunca antes havia tocado na Dádiva de seu reino. Sua mãe raramente a usava, mantendo o artefato bem guardado em um cofre mágico no palácio. O contraste entre sua mãe e o Rei do Inverno surgiu em seus pensamentos, e ela revirou os olhos internamente.
"Ao contrário do maldito Rei Invernal, que não sabia cuidar de uma droga de espada," pensou, irritada com a lembrança do caos que a perda da Espada Invernal havia causado.
— Não sei o que está acontecendo - disse Greta, sua voz mais firme agora. - Minha mãe nunca mencionou está coisa até hoje de manhã quando me deu.
Ela olhou ao redor, tentando encontrar alguma orientação nos rostos dos outros herdeiros.
Kohan, sempre atento aos detalhes, deu um passo à frente.
— Se está reagindo, é por uma razão. A magia aqui está instável eu posso sentir, mas ainda assim funciona.
Greta respirou fundo, tentando controlar o desconforto crescente em seu peito. Ela odiava não ter todas as respostas e, mais ainda, odiava o fato de ter que mentir sobre para o grupo.
— E se tentássemos usar essa coisa para sair da floresta? — Art sugeriu, tentando manter a voz firme, embora a bússola o atraísse mais do que gostaria de admitir.
— E como, exatamente? Greta, você sabe como usá-la? — Vixen se aproximou, estendendo a mão na direção da Dádiva, sua curiosidade evidente.
Antes que seus dedos tocassem o artefato, Greta puxou a bússola para junto de seu peito, como uma mãe protegendo um filho.
— Podemos tentar, mas não garanto que eu saiba exatamente como funciona — disse ela, a incerteza pesando em sua voz.
— Confie em si mesma. Deixe que a sua magia te guie — disse Kohan, sua voz tranquila, ecoando as palavras que ouvira de sua mãe desde a infância.
Vixen soltou uma risada cínica, cruzando os braços.
— É sério que é assim que você faz? — zombou, com um sorriso de desdém no rosto. — "Feche os olhos e sinta a magia"? Isso é patético, na minha opinião.
Kohan ergueu uma sobrancelha, sem perder a compostura.
— Se você tem uma ideia melhor, estou todos ouvidos, princesa — disse ele, colocando uma ênfase afiada na última palavra.
Greta quase pôde ver um brilho elétrico cruzando os olhos de Kohan ao pronunciar "princesa", como se uma provocação silenciosa passasse entre os dois. Vixen, sem uma resposta imediata ou talvez sem querer prolongar a discussão, ficou em silêncio, o rosto contrariado. Greta suspirou internamente. Esses dois iriam dar muito trabalho durante a jornada, e ela temia ser a única pessoa sensata no meio de tanto ego.
— Certo, vamos ver o que essa belezinha faz! - Greta posicionou entre os quatro ali, ficando assim no centro deles.
Ela fechou os olhos, como Kohan havia sugerido, e respirou fundo. A bússola parecia pulsar em sincronia com os batimentos de seu coração, como se estivesse viva. A magia de seu reino corria em suas veias, mas, até então, nunca havia sentido reagir tão intensamente. Será que a floresta estava interferindo? Ou algo ainda mais profundo os cercava?
Enquanto ela se concentrava, flashes de imagens confusas surgiram em sua mente: árvores antigas, caminhos escondidos sob musgo espesso, e uma luz dourada ao longe. Greta tentou focar na luz, deixando que a bússola a guiasse. Seus dedos, quase automaticamente, giraram o anel ao redor do objeto, como se soubessem o que fazer.
De repente, a bússola brilhou intensamente, e a agulha girou violentamente, apontando para o norte.
— Consegui! - Greta abriu os olhos, um pouco surpresa com o resultado. - Ela está mostrando um caminho... mas não tenho certeza de para onde vai nos levar.
Art deu um passo à frente, o rosto iluminado de entusiasmo.
— Isso já é mais do que tínhamos antes. Vamos seguir.
Vixen, ainda emburrada, cruzou os braços.
— E se for uma armadilha? Como sabemos que podemos confiar nessa... bussola maravilhosa e linda.
Kohan lançou um olhar firme para ela.
— Acha que ficar parado aqui é melhor? Temos que confiar uns nos outros. Ou não sairemos daqui.
Relutante, Vixen suspirou, mas não disse mais nada.
Greta olhou para a bússola novamente, sentindo uma pontada de insegurança. Não sabia se estavam fazendo a coisa certa, mas era o único caminho.
— Vamos. - disse, começando a andar, a bússola ainda apontando firme para o norte.
Enquanto caminhavam pela floresta sombria, Greta apenas esperava que a magia de seu reino os guiasse na direção certa.
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