Magias e Sangue
KOHAN
O som de vozes começou a preencher a floresta, fazendo o coração de Kohan acelerar. A tensão em seu corpo aumentou, cada músculo rígido pela ansiedade crescente. Ele não conseguia distinguir claramente o que as vozes diziam, mas havia uma certeza inquietante: não estavam felizes. Entre as várias vozes, uma em particular se destacava, melodiosa, quase hipnotizante, mas carregada de uma ameaça sutil.
À medida que avançava, o ambiente ao seu redor parecia ficar ainda mais opressor. Ele passou por árvores imponentes, cujos troncos descascavam lentamente, deixando cair pedaços de casca sobre o chão da floresta. A cada passo que dava, as botas do príncipe esmagavam essas cascas, produzindo um som seco e agudo que ecoava no silêncio gélido ao redor. O caminho que seguia parecia levar para o coração da floresta, onde as vozes se tornavam mais nítidas, embora ainda incompreensíveis. Ele continuou, sabendo que não poderia voltar atrás, não enquanto aquelas vozes o chamavam.
— Ele não devia ser o primeiro a chegar aqui? — A voz adocicada pertencia ao Príncipe do Reino da Primavera, ecoando com uma leve nota de surpresa e talvez um toque de impaciência.
Kohan surgiu de trás de uma das árvores, surpreendendo a todos. O olhar de surpresa no rosto do Príncipe do Reino da Primavera rapidamente se transformou em uma expressão de curiosidade. Ao lado dele, estavam duas figuras que imediatamente captaram a atenção de Kohan: duas princesas.
As duas eram belas de maneiras opostas, mas igualmente aterrorizantes em seus trajes impressionantes. Seus olhos brilhavam com uma mistura de poder e mistério, e seus gestos, embora graciosos, carregavam uma ameaça velada. Os trajes que vestiam, finamente trabalhados, refletiam as cores e os emblemas de seus respectivos reinos, ao mesmo tempo que deixavam claro que essas princesas não eram apenas figuras decorativas — eram forças a serem respeitadas e temidas.
Kohan não estava mais sozinho, mas também que se encontrava em uma companhia que poderia ser tanto aliada quanto inimiga, dependendo de como ele levaria a situação.
— Estou aqui, não precisam mais falar de mim pelas costas — disse Kohan, com um tom carregado de sarcasmo.
— Quem disse que era pelas costas? Você é quem estava escondido, não a gente — retrucou o Príncipe do Reino da Primavera, sem perder a compostura. Ele lançou um olhar rápido para Greta, que desviou os olhos com um certo desdém, como se a presença de Kohan fosse menos importante do que o vento que soprava entre as árvores.
— Não estava escondido. A Deusa... ela... — Kohan começou a falar, mas as palavras lhe faltaram por um instante. Ele sabia que qualquer explicação pareceria frágil naquele momento, então decidiu encerrar a conversa. — Não interessa, na verdade. Vamos acabar logo com isso.
O ar parecia carregado de tensão, e Kohan sentia que cada palavra que trocavam era uma faísca pronta para inflamar um conflito. Mas ele estava decidido a seguir em frente, independentemente das provocações e do desconforto que sentia ao estar entre eles.
— E como exatamente faremos isso? A gente foi jogado aqui e nem ao menos sabemos se nossa magia vai funcionar direito por aqui. — Disse o garoto com seu sotaque primaveril.
Kohan observou atentamente cada um deles, relembrando o dia em que se encontraram com a Deusa naquela reunião.
O Príncipe do Reino da Primavera estava exatamente como naquela ocasião, com aquele ar descontraído e perverso que sempre o acompanhava. Cada vez que abria um sorriso, exibia um conjunto de dentes alinhados e irritantemente brilhantes, como se estivesse sempre prestes a desferir uma provocação. Kohan percebeu que o garoto havia se preparado minuciosamente para a missão. Em vez de seus habituais trajes elegantes e coloridos em tons alaranjados, o Príncipe trajava um conjunto que sugeria combate — ou, pelo menos, era o que Kohan imaginava. Ele vestia uma camisa branca que cobria os braços e luvas marrons com detalhes dourados. Sobre a camisa, usava uma espécie de regata e calças em tons terrosos, complementadas por um cinto preto. As botas pretas e douradas, que combinavam com as luvas, também eram impressionantes, mas não foi o vestuário pomposo que mais chamou a atenção de Kohan. O que realmente se destacou foi a arma que o Príncipe havia escolhido para carregar. Preso ao cinto, havia uma espada afiada, que parecia nunca ter sido usada, como se estivesse aguardando a oportunidade perfeita para provar seu valor. Nas costas do Príncipe, um arco estava firmemente preso — uma arma que Kohan notou com um certo desconforto. O maldito Príncipe era versado em arco e flecha, uma habilidade que Kohan nunca conseguiu dominar completamente, por mais que tentasse.
Essa constatação fez algo remexer dentro de Kohan, uma mistura de inveja e frustração que ele não queria admitir.
— Eu também gostaria de saber, Príncipe Kohan — O Cruel! Não é esse seu apelido de estimação? — Desta vez, o deboche e o ataque vieram da herdeira do Reino do Verão. Kohan se lembrava bem da audácia da garota em falar sem permissão diante da Deusa. Ele gostava disso.
— Bom saber que você é mal-educada com todos, não só com divindades. — Kohan disparou de volta, sem esconder o desdém em sua voz.
— Guardo a parte educada para quem merece! — Ela o fuzilou com os olhos, desafiando-o a responder.
— Ficar atirando provocações uns aos outros não vai ajudar em nada. Precisamos de um plano. — Greta interveio, caminhando até se aproximar de Kohan, seus olhos encontrando os dele com uma firmeza surpreendente. — Se você tiver um plano, estou pronta para ouvir e seguir suas ordens.
Um som de descrença, ou talvez de nojo, saiu do fundo da garganta de Vixen. O Príncipe olhou de Greta para Vixen e, então, para o garoto que acariciava uma flor presa ao cabelo ruivo acobreado. O garoto parecia se divertir com toda a situação e, quando seus olhos se encontraram com os de Kohan, ele piscou, quase como se estivesse zombando de tudo.
— Olha, eu também não faço ideia do que é esperado de mim, ou de nós, mas espero poder contar com vocês. Quanto mais rápido resolvermos isso, mais cedo voltaremos. — Kohan proferiu a última palavra com um ar de decepção.
— Alguém tem algum plano ou sugestão de onde devemos começar? — Greta perguntou, e o silêncio que se seguiu pairou por alguns minutos, pesado e incômodo.
— Bem, que tal sairmos dessa maldita floresta e explorarmos o mundinho dos mortais? — sugeriu o Príncipe Primaveril.
— Arturio, essa foi a ideia mais... MARAVILHOSA que você já disse hoje. — Vixen, que parecia ter se animado, saiu da árvore em que estava escorada e começou a limpar as calças, tirando os fiapos de madeira que haviam grudado nelas.
— Então, vamos nessa... e mais uma coisa. — O garoto parou e colocou a mão sobre o cabo da espada. — Se mais alguém me chamar de Arturio, vai conhecer o gosto da minha Iluminadora. Me chamem de Art.
Os quatro se puseram a andar, um atrás do outro, formando uma fila que serpenteava pelas árvores e pela vegetação espessa. Caminhavam juntos, mas sempre desconfiando uns dos outros. No entanto, isso pouco importava naquele momento; todos estavam focados em seguir em direção ao desconhecido mundo mortal.
*****
A caminhada pela floresta parecia interminável, levando os quatro por caminhos que se repetiam de maneira quase idêntica. As árvores ao redor eram todas surpreendentemente semelhantes, com troncos grossos e ramificados que criavam padrões confusos, como se a floresta estivesse brincando com a mente deles. A vegetação, embora abundante, mantinha sempre o mesmo tom de verde opaco, sem variação, sem vida — um verde entediante que fazia cada passo parecer mais exaustivo do que o anterior.
O som de suas pisadas sobre o chão coberto de folhas secas e galhos quebrados era a única coisa que quebrava o silêncio sufocante.
— Parem! — Kohan fez um sinal para que ficassem em silêncio.
Os três companheiros pararam, trocando olhares confusos diante da atitude inesperada do Príncipe.
— O que foi agora? Já cansou de caminhar? — Vixen não perdeu a oportunidade de provoca-lo.
— Acho que estamos andando em círculos!
— Por que você acha isso? — Art perguntou, mas desta vez com um tom preocupado.
— Eu não sei, é uma sensação estranha — Kohan olhava ao redor, tentando distinguir algo além das árvores e do mato. — Escutem... não há som de nada. Uma mata deveria estar repleta de barulhos. Tem algo de errado.
Com os ouvidos atentos, eles tentaram identificar qualquer vestígio de som. Um animal se escondendo, água corrente, o farfalhar das folhas ao vento. Mas não havia nada. Nenhum som.
Uma vaga lembrança atingiu Kohan, fazendo-o estremecer. Nem seu traje de combate conseguiu evitar o calafrio que subiu por suas costas e se instalou em sua nuca. Ele sacudiu a cabeça, tentando afastar as lembranças que emergiam. Aquela não era a Floresta dos Sufocadores, ele não estava mais em Zatera. Então, ele se concentrou no poder que havia adquirido naquela noite terrível. Todo o poder que tinha vinha daquela floresta.
Kohan fechou os olhos, buscando qualquer sinal que pudesse ajudá-los. Quando os abriu novamente, seus olhos brilhavam com um tom azul florescente. Abaixando-se, pegou algumas folhas e terra nas mãos, esfregando uma contra a outra. Sentiu a umidade da terra, um sinal de que havia água por perto.
— O que você está fazendo? — Greta o olhou com um misto de surpresa e suspeita. — Sua magia funciona aqui?
— Assim que coloquei os pés no chão, minha magia se manifestou. E a sua? Não testou quando chegou? — perguntou ele, sem olhar para ela, enquanto expandia sua magia pela floresta, tentando encontrar um caminho.
— Não tentei. Foi ingenuidade da minha parte. — Kohan viu ela baixar a cabeça, com as bochechas já ficando em tom rosado.
— Talvez você só estivesse nervosa ou preocupada com o que está por vir. — Desta vez, ele olhou para ela, seus olhos ainda brilhando como estrelas em uma noite escura e quente. — Teste-a agora.
— Claro, por que não! — disse Greta, caminhando em direção a um espaço mais livre de mato e árvores.
Kohan parou em frente a Greta, a poucos metros de distância. Art assumiu a posição ao lado esquerdo dela, enquanto Vixen cobria a retaguarda. Todos esperavam para ver se a magia da herdeira da Corte do Outono se manifestaria ou se ela seria inútil ali, no reino mortal.
Com os olhos fechados, Greta tentou invocar sua magia. Sempre se manifestara dentro dela como uma rajada de vento. Às vezes calma, outras vezes tão forte quanto um furacão. Bastava ela lembrar dos dias com seu pai, correndo nos jardins do castelo, perseguindo pequenos coelhos, raposas e outros animais. Mas desta vez, Greta não sentia nada, e essa ausência era horrível. Uma sensação de queimação começou em seu peito, leve a princípio, mas logo se intensificou.
— Greta, tem algo brilhando debaixo da sua roupa — Art falou, a voz quase falhando.
Ela abriu os olhos e percebeu que algo realmente brilhava dentro de sua camisa, bem no centro de seu peito, onde a sensação de queimação estava mais forte. Ela levou a mão ao pescoço e sentiu a corrente, algo estava pendurado nela. A dádiva de seu reino. Era tarde demais para esconder, os três já haviam visto que havia algo debaixo de seu traje de combate. Relutante, ela tirou a corrente e segurou-a no ar.
A bússola piscava e brilhava intensamente, seus ponteiros apontando para uma direção.
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