O espião

— Bah ... a guria desmaiou ... — disse, desesperado, as mãos tapando sua boca — ... O que eu faço ...?!!

Observou a coitada, alguns rasgos em seu uniforme — ou o que um dia fôra. Seu coração estava à mil. Além de Branch, fazia anos que não chegava tão perto de alguém – principalmente sendo uma mulher.

— Ela ' toda bichada ... — falou, preocupado — ... AH! Deixa de ser covarde! Os monstros voltarão aqui! — depois de segundos — Mas ... e quando ela acordar ...? — bateu a mão contra a própria testa — Mas é o que um homem faria! Espera ... eu sou mesmo um homem de verdade?

Segurou um grito na garganta. Bateu com a cabeça numa árvore varias vezes, resmungando em frustração.

— PARE DE PENSAR, PANGARÉ! Não vai chegar à nada assim! — respirou fundo, virando-se novamente para a jovem desmaiada — ... Bah, coração de manteiga ...

Com muito cuidado e da maneira mais respeitosa possível, pegou-a em seu colo e começou a adentrar mais ainda naquela floresta. Agachou-se em determinado momento, arrancando seu colar e tateando a grama alta com a pedra azul do pingente. Achou o que queria, encaixando a pedra.

Uma luz azulada foi emitida, e uma espécie de portinhola foi aberta pelo rapaz. Tirou sua pedra e entrou com a jovem ainda em seus braços, fechando a portinha logo em seguida. Caminhou pelo longo (muito, muito longo mesmo) corredor que se seguia, chegando à um "hall" circular e com varios corredores.

Os corredores eram iluminados por lanternas de vagalumes, que deixavam o lugar cinza menos "frio" e monótono. Subiu a escada caracol que se encontrava na extremidade central do local.

Passou por outro corredor (muito mais curto e aconchegante que o primeiro), entrando num quarto, onde possuía uma cama. Onde depositou cuidadosa e carinhosamente o corpo da moça.

De meia-volta, procurando sua pequena maleta de primeiros socorros. Para não causar nenhum incomodo – tanto para si quanto para a moça –, limpou os machucados sem mexer na roupa dela, fazendo curativos improvisados. Colocou um pano com água na testa dela e saiu novamente, deixando-a descansar em paz.

O Sol estava se pondo quando Luisa acordou. Mal sentou-se e percebeu que não deveria estar ali. As paredes eram inteiramente de madeira, a iluminação feita por vagalumes. O quarto quase vazio. Percebeu os curativos e o pano úmido quase seco.

"Alguém me trouxe para cá" deduziu. Não lembrava de muita coisa, mas sabia que estava em uma floresta quando desmaiou. Catou suas facas, tirando ambas da bainha. Ouviu uma melodia de assobio desde outro cômodo, acompanhado de um forte cheiro de ervas.

"Querem fazer veneno e me dar enquanto eu estiver desmaiada?", pensou, confusa. Para quê a assassinariam? O que ganhariam com isso? Tinha até medo de saber.

A custo de muita vontade, levantou, sentindo seus ossos estalarem. Saiu sorrateiramente do quarto, em posição de ataque. Seguiu o som e o cheiro (que não estava longe), achando uma espécie de cozinha. E alguém estava lá.

Estava de costas. Tinha, aproximadamente, 1 metro e 80. Seu cabelo ruivo batia nos ombros. Usava apenas uma calça de peles de varios animais diferentes. Seu porte físico era consideravelmente bom.

     Estava bem na frente de uma lareira com uma chaleira ao fogo, e parecia segurar algo com as mãos. Aparentava beber algo aos poucos. E ervas estavam picadas sobre uma bancada improvisada ao lado.

     E, sinceramente, não parecia querer machuca-la. Estava relaxado demais para isso. E não a amarrara enquanto dormia, cuidando de seus ferimentos. Ainda assim, em posição de ataque, perguntou:

— Quem é você?

     A pessoa pulou de susto, engasgando com a bebida que parecia tomar, tossindo.

— N-não p-pre-ci-sa s-ab-ber ...

— Por que não? Quer me matar, é isso!?

— NÃO! — suspirou pesarosamente — É que ... não vai gostar de mim ...

— É essa a sua maior preocupação? De eu "não ir com a sua cara"?!

— Bem ... sim, é esta.

     Levantou uma sobrancelha, intrigada. Isso era estranho. Que tipo de pessoa se preocuparia em passar uma boa imagem naquela situação? Só podia ser brincadeira.

— E por que você se preocuparia com a imagem que eu teria de você!?

— ... Tu faz muitas perguntas, sabia? — riu-se, nervoso — Porque ... me importo contigo.

— Como você pode se importar comigo se nem me conhece!?

— Primeiro, respire e pare de fazer mil perguntas. — depois de ser obedecido — ... Era eu, ok? Tu não estavas louca quando disseste ao teu amigo que alguém os observava ...

— ... Você é algum tipo de pedófilo!!?

— NÃO! E, em teoria, não sou muito maior que tu! Tu é até mais velha que eu!

— ... Ok ... e por que você ficaria observando a gente!?

— ... É que ... tua atitude me parece muito ... com a da Mina.

     E lá se foram cinco minutos, onde a morena absorvia as informações.

     Havia salvado Deku de um portal; lutado contra cinco de uma vez, sozinha; sido salva por um cara que a observava e estava conversando com ele, que era (aparentemente) o amigo desaparecido da cavaleira Pinky. Realmente, isso não se via todos os dias.

— ... Qual o seu nome? — embainhou as facas — Você já deve saber, mas eu sou Luisa Yoshiaki.

— ... Eijiro ... Eijiro Kirishima.

— ... Prazer. — brincou, soltando algumas risadas — ... Isso é estranho.

— Haha ... muito normal isso tudo ... capaz ... — brincou.

— ... Eu não acredito que eu ' no raio que o parta, toda quebrada e falando com alguém que me espionava. — confessou — E o mais impressionante é que a conversa ' beirando o comum ...

— ... Isso é bom ou ruim?

— Não sei. — deu de ombros — Só me incomoda o fato de você não estar olhando para mim.

— ... Melhor não ...

— Por quê? O que houve?

— ... Eu sou muito feio.

— Você passou quase um ano perseguindo eu e a minha cara feia. — cruzou os braços — Por favor, né?

— Eu não ' brincando. — deixou um "copo" de madeira com um canudo esquisito na bancada — Tu vais ter pesadelos.

— Cara, eu cuidei de um garoto depois de ele tentar cometer suicídio! — falou, séria — Depois disso, não é um rosto feio que vai me assustar. Vai, vira p'ra mim.

Silêncio. Suspirou pesarosamente antes de, bem lentamente, ir girando até ficar de frente.

Existiam varias maneiras de descrever aquele homem, mas "lindo" resumia bem todas elas. O formato de seu rosto era "masculino". Os olhos carmim, adoráveis. Seus dentes afiados, peculiares. A cicatriz na pálpebra, atraente. Mas, por mais engraçado que possa parecer, ele a lembrou um ursinho de pelúcia. Daquele fofinhos e gostosos de apertar.

— ... Você 'tava brincando quando disse que era feio, né? — ao ver a expressão confusa dele — Cara, você pode ser muitas coisas, mas "feio" não está entre elas.

— Tu não precisa falar isso por pena.

Migo, você é mais bonito que os "galãs" mais disputados de onde eu venho!

— ... Vou fingir que acredito.

Por mais estranho e incomum que seja, os dois conversaram muito e de maneira fluida. Sobre gostos, situações engraçadas, beberam chimarrão – eram para isso as ervas picadas.

Eijiro ainda não acreditava que, em algum momento da sua vida, passaria curtos momentos tão agradáveis com a moça que chamou sua atenção. Queria conversar com Luisa desde que a vira ser atacada por aquela gosma asquerosa. Achava a garota simplesmente incrível!

A morena não sabia ao certo o que pensar. A situação era para lá de esquisita. Sua cabeça dizia "saia daí enquanto ainda pode", mas a intuição dizia "fique e desfrute". E sua cabeça devia ter problemas, porque seria burrice fugir sem nem fazer ideia de onde se encontrava.

Depois de uma ou duas horas, o ruivo mostrou-lhe como iria rapidamente voltar ao acampamento. Deu-lhe um colar com uma pedra azul semelhante à sua.

— Para que serve, exatamente?

— Cada um desses corredores leva à um lugar diferente do reino. Tem uns nove lugares diferentes no total. Acontece que, p'ra tu chegar, tem uns buraquinhos onde tu enfia esse treco e, aí, tu consegues abrir a porta.

— Foi assim que você chegou tão rápido aqui comigo?

— Sim! Os corredores são longos, mas bem menos que a real distância entre um lugar e outro.

— Que legal! — olhou ao seu redor, os olhos verde-grama brilhantes de excitação — Você já foi em todos esses lugares?

— ... Digamos que ficar aqui, sozinho, não é a coisa mais massa do mundo ...

— ... Posso voltar aqui algum dia?

Arqueou uma sobrancelha, intrigado.

— ... Tu queres me ver de novo?

— Sim. — respondeu, simples.

— ... Atochar é feio, Yoshiaki ...

— Juro de dedinho que não estou mentindo, Kirishima! — falou, levantando seu mindinho.

Ah, é. Esqueceu que a moça podia ser infantilmente adorável às vezes.

— ... Bah, o que tu quiseres. — deu de ombros — Não tenho companhia faz tempo.

— ... Então ... sábado de noite eu volto! — olhou em volta novamente, achando o túnel que levava ao acampamento — Tchau, Red!

Corou fortemente ao ouvir aquele apelido. Ninguém nunca deu-lhe um apelido carinhoso antes – a não ser sua mãe, mas ela não conta.

A mulher andou por uns cinco minutos naquele túnel frio e sem-graça. Viu, finalmente, a portinha da saída. Tateou um lado dela com sua pedra, saindo e fechando a portinha. Estava atrás dum arbusto. Caminhou um pouquinho, seguindo a luz dançante das tochas do acampamento.

Chegou bem quando o portão se abriu, revelando Midoriya com seu traje e um grupo de cavaleiros e outros colegas. Ficou bem visível, sendo percebida pelo melhor amigo.

— ZAZA!? — gritou, correndo ao encontro dela — ONDE VOCÊ 'TAVA!?! Pensou em quê quando me empurrou!? O que aconteceu!? Por que você ' toda machucada!? O que- ...?!

— Calma, mamãe Deku! — pegou em sua mão — O portal me levou para um lugar com capangas deles! Me atacaram, mas consegui derrubar eles. Tratei dos meus ferimentos e passei o resto do dia tentando achar o acampamento. Entendeu!?

— ... Zaza, não some mais. — abraçou-a, segurando o choro — Eu fiquei MEGA preocupado ...

— Calma. — fez cafuné levemente — Eu ' ... proporcionalmente bem. Acho que não quebrei nada. Fica tranquilo.

Levaram-na à enfermaria e pediram um relatório detalhado sobre o que aconteceu. Mentiu um bocado. Não sabia o que aconteceria se revelasse como passou o resto do dia. Poderiam prender Kirishima injustamente.

Mas uma coisa não abandonava seu coração. Um sentimento inexplicável de culpa e medo.

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