Reflexões
Luisa acordou subitamente pela terceira vez naquela noite. Lágrimas grossas formavam rios em seu rosto. Esfregou as mãos úmidas sobre os olhos freneticamente, tentando enxuga-las. Porém, era em vão. Sabia que se arrependeria por ter usado tantas vezes o seu dom. Tinha certeza que era esse o motivo de tantos pesadelos relacionados ao seu passado.
Puxou o ar pela boca varias vezes, tentando ficar mais calma. Viraria a noite chorando se continuasse assim. "Sozinha eu não vou conseguir dormir hoje" pensou, frustrada. Não queria explicar olheiras profundas na manhã seguinte para os colegas, sem falar nos treinos e a prova para licença provisória extra.
Não pediria para dormir com Uraraka, pois a mesma era curiosa e um tanto fofoqueira. Iida estava fora de cogitação simplesmente por ser o RD e sem entrar na questão "personalidade". Midoriya ficaria muito desconfortável e não teria coragem de olhá-la na cara na manhã seguinte caso pedisse à ele. Suspirou, não acreditando no que iria fazer.
Levantou, pegando seu travesseiro e cobertor. Saiu do quarto sem fazer barulho, agradecendo a Deus pelo dormitório dele também ser no quarto andar. Atravessou o corredor em silêncio, ouvindo apenas o leve ruído do tecido sendo arrastado pelo chão. Ficou encarando a porta por um longo minuto antes de bater.
Clareou minimamente, e Kirishima abriu. A baixa claridade não permitia ver muitos detalhes. Notou a regata e bermuda largas de cor cinza. Seu cabelo ruivo estava preso num rabo-de-cavalo desleixado. A cara de sono que carregava era simplesmente adorável:
— Zaza? — esfregou um olho, a voz rouca — São 11 horas da noite.
— Eu ... realmente não consigo dormir. — respirou fundo — Posso dormir no seu quarto, só hoje?
A pergunta pegou-o de surpresa, fazendo-o acordar e arregalar seus olhos de maneira que pudessem servir de pratos.
Foi aí que notou. O rosto da morena estava consideravelmente inchado. Os olhos verde-grama pareciam estar numa moldura vermelha. Reparando bem, ela até mesmo soluçava um pouco. Deveria realmente ter tentado – e fracassado miseravelmente – contornar a situação.
Parou para pensar por um segundo, chegando à uma conclusão entre o surpreendente e o triste. Havia escutado, na primeira fase, ela dizendo que se arrependeria de algo e, logo depois, dizer que literalmente encarou o inferno. Talvez ter dificuldades para dormir fosse um efeito colateral do dom dela. Podia estar diretamente relacionado ao passado dela.
E Kayami (Luisa) não pediria algo assim para qualquer um, por mais frágil que pudesse estar no momento. Estava confiando em si.
— ... Tem certeza? — questionou, hesitante — Quero dizer ... não tem problema pra mim, mas ...
— Por favor ... — quase sussurrou, abraçando fortemente seu travesseiro, a voz chorosa — ... Eu não pediria se não fosse realmente impossível, agora.
— ... Entra. — deu passagem — Pode ficar comigo.
— Obrigada. — disse, genuinamente grata.
Ela entrou. Rolou um peso que se encontrava no chão com o pé, colocando o travesseiro num lugar do tapete:
— Não! Deixa que eu durmo aí! — falou, fechando a porta.
— Eu só não quero dormir sozinha. Pode ficar tranquilo.
— Como que eu posso ficar tranquilo com uma menina que está em um momento delicado dormindo no chão do meu quarto!? — perguntou, ficando de frente para a morena — Que tipo de homem faria uma coisa dessas!?
Yoshiaki suspirou pesarosamente, sabendo que, cabeça-dura como ambos eram, essa discussão poderia ir bem longe. E ela foi até lá justamente por querer dormir tranquilamente.
— Olha ... tem um jeito de resolver isso e nós dois ficarmos "felizes". — fez aspas com os dedos, não acreditando que iria realmente sugerir aquilo ao crush.
— Qual a sua sugestão? — perguntou, curioso.
— ... Eu dormir de um lado da cama e você do outro.
O coração do garoto parou de bater – ou batia tão rápido que não conseguia perceber. Sentiu o rosto arder, e rezava para estar escuro o suficiente para, ao menos, disfarçar o rubro. Sabia que ela não falou com segundas intenções e que era o único jeito dos dois "conseguirem o que queriam" – a não ser, é claro, que ambos dormissem no chão.
Por isso tentou – um pouco em vão – agir normalmente. Afinal, a amiga estava num momento meio delicado e não precisava de mais alguém nervoso.
— T-Tudo be-m.
— Você fica do lado direito e eu do esquerdo? — perguntou, também meio sem jeito.
Apenas assentiu com a cabeça, constrangido. Catou seu travesseiro e colocou-o ao lado do dele, que deitou de costas para Luisa. A mesma ficou igualmente de costas, murmurando um "boa noite" que foi correspondido.
Eijiro não conseguia dormir. Estava nervoso – numa situação assim, quem não estaria? Passaram cinco minutos quando percebeu que a morena tentava reprimir soluços e acalmar a respiração:
— O que foi? — virou-se sobre a cama, preocupado, mas ela só soltou alguns soluços — Zaza, o que foi? — ela virou, desajeitada, chorando muito.
— ... 'Tava quente ... doía ... não dava p'ra respirar ... — "respondeu", sendo logo abraçada pelo maior.
— Passou. — confortou, fazendo cafuné, sentindo sua regata ser molhada na região torácica — Eu 'tô aqui com você. — encaixou-a melhor em seus braços, encantando-se com o aroma de baunilha que exalava — Eu te protejo.
Colocou as mãos no peito dele, tentando ficar tranquila. Havia visto, novamente, como seus pais morreram no incêndio. O afeto que Kirishima colocava acalmava-a dum jeito anormal. Seus braços não eram apenas fortes ... mas, também, quentinhos e aconchegantes. Era quase como ser abraçada por um ursinho de pelúcia gigante sem muitos pelos.
Acabaram os dois dormindo naquela posição fofa ... e um tanto íntima.
Eijiro começou a acordar com os malditos raios de Sol nos olhos. Espera ... faltava alguma coisa ali. Tateou a cama. "A Kayami não tá aqui" deduziu. Quando sentou-se e sua visão focou, achou um bilhete. Ainda grogue, leu com certa dificuldade. "Muito obrigada por me acolher, Red. Eu fui treinar. Beijos!", dizia a folha.
Do outro lado da UA ...
— O seu pai 'tá mega furioso com você. — falou a loira, preocupada — Não sabia que ele odiava tanto quando você demonstrava fraqueza.
— ... Se um herói transparece que está mal ... o papai diz que está colocando a própria dor acima de quem está salvando. — revelou, tentando permanecer com a expressão séria — Além de desesperar ainda mais a vítima.
— Seja o que for ... você foi muito bem, Luisa! — sorriu, animada — Com toda a certeza, eu não faria melhor na situação! As suas performances ajudaram a acalmar o Stain.
— Que bom. — disse, seca como o Saara — Foi só isso ou tem mais notícias?
— Mandaram você beber isso de um gole só. — estendeu-lhe uma garrafa, cujo conteúdo a morena conhecia muito bem.
Catou e destampou com um polegar, virando e bebendo. Seu corpo estremeceu um pouco em desgosto:
— Odeio vinho!
— Sabe que precisa criar resistência a álcool para se passar por maior de idade, né? — perguntou, surpresa, pegando o frasco da mão da amiga.
Ainda não havia se acostumado com a rudeza de Yoshiaki em algumas situações, mesmo com um ano de amizade.
— Mas isso não quer dizer que eu goste dessa desgraça! — praticamente rosnou — Vai logo p'ra base. Diz "oi" prô Dabi e manda o meu "paizinho" ir pra put@ que pariu!
Chocada com a reação hostil da amiga, a loira transformou-se novamente num estudante qualquer, indo embora cautelosamente.
A morena tentava não cometer nenhuma outra loucura por causa de seu desequilíbrio emocional. Aquele choro na luta contra o Monoma iria assombra-la para sempre!? Segurava um rosnado na garganta, começando a duvidar dos ensinamentos de Stain.
Respirando fundo para não enlouquecer, voltou a correr. Era inevitável sua mente vagar por todos os acontecimentos de sua vida sofrida. Desde que o homem acolheu-a, havia treinado tanto que nem escravo trabalhava assim.
Só pensava em evoluir. Em treinar. Em superar. Em vingança. Em ser melhor.
Só que ... durante estes quase onze anos, ela nunca parou para pensar se ele estava 100% correto em sua ideologia. Aliás, treinava tanto que não tinha tempo para pensar nem se ela preferia o feijão em cima ou embaixo do arroz.
O "ideal heróico" havia realmente sido ofuscado pela fama e pelo dinheiro, mas ... matar assim todos os ocupantes do cargo não era a solução. Apenas causaria o pânico da população – coisa que ninguém que não fosse vilão gostaria de ver.
Chegou no All Might. Mesmo com a imagem destorcida e força extinta, seu exemplo e sorriso continuam inspirando e trazendo esperança às pessoas. Continuava sendo o "Símbolo da Paz". Porém, mesmo com sua pura luz ... não condenava "indigno" nenhum.
Então ... todo o esforço ... todo o sacrifício ... toda a dor ... foram em vão? No final ... ela era uma- ...
— Zaza? — acordou de seus pensamentos, vendo Kirishima — Eu te procurei por todos os lugares!
— Fui prô outro lado da escola. — mentiu, sorrindo forçadamente.
Ela só não sabia que o colega estava começando a perceber quando o sorriso era falso ... e quando não era.
— Ãhn ... — fingiu-se de ignorante, abrindo um sorriso verdadeiro — O Midoriya 'tá tentando montar o cubo mágico. — tomaram o caminho do dormitório .
— Ele fez aula?
— Não. Só na burrada, mesmo.
Quando abriram a porta ...
— DESISTO! — gritou o esverdeado, farto daquilo — É impossível!
— Será que macumba ajuda? — sugeriu Sero, brincando.
— Alguém tem uma galinha? — questionou Denki, animado e ingênuo.
— Me dá logo isso, desgraça! — estendeu a mão, analisando o trabalho que o colega fez quando o objeto já estava nela — Você monta por CAMADAS, E NÃO LADOS! — começou a mexer rápido nele, braba — Eu não acredito que VOCÊ não sabe montar! — as duas primeiras "camadas" já estavam arrumadas — Pura matemática, Midoriya! — face amarela montada — Só decorar as regras! Não é impossível!
Arremessou o cubo montado à ele e subiu as escadas rapidamente. Izuku encarava-o como se fosse uma descoberta científica revolucionária. O ruivo estava boquiaberto. Sabia que Kayami (Luisa) era inteligente, mas não que chegava a tanto.
Por sua vez, a morena estava em seu quarto. Encarava uma correntinha dourada com pingente de coração. Havia saudade em seu olhar, mas, principalmente, dor.
Apertou um pequeno botão, fazendo o coração abrir. Uma foto de família encontrava-se em seu interior. Uma mulher tipicamente japonesa. Um homem de pele negra e alto, ligerísimos traços afro-descendentes. A garotinha de cinco anos era a mistura perfeita dos dois.
A pele cor de chocolate ao leite. Os olhos tinham um tom tão verde quanto o da grama bem-cuidada. Os longos cabelos escuros eram ligeiramente encaracolados, uma espécie de faixa branca formando um laço acima de sua cabeça. O sorriso mantido em seus lábios era do tipo que só criança inocente consegue dar.
— Eu era feliz. — falou consigo mesma — Foi chegar de noite no meu aniversário de seis anos ... que ... — olhou para uma de suas cicatrizes no braço esquerdo — ... Eu me obriguei ... a virar um ... monstro.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top