Pitada de mel

— (...) Será arriscado, mas vocês dão conta. — Yara sorriu, ligando o holograma — Capturamos a dupla de terroristas que colocou um prédio abaixo. Descobrimos que aquele "espetáculo" foi como uma iniciação para o Esquadrão de Ação e Vanguarda.

— Interrogaram eles? — questionou Luisa, intrigada — Não é fácil fazer alguém desse tipo falar uma informação dessas.

— São um homem e uma mulher, e ... digamos que ... a moça é um tanto ... peculiar. — respondeu, mostrando o rosto de ambos — Parecem seguidores do Stain.

— O que faremos? — questionou, apoiando-se na mesa digital com ambas as mãos — Qual o nosso trabalho?

— Primeiro, faremos um interrogatório para reunirmos o máximo de informações possíveis sobre eles e uma possível reunião com o EAV.

— Posso ser a encarregada disso? — perguntou, deixando os companheiros surpresos — Sei exatamente como fazê-los confessarem e ajudarem. Há uma possibilidade de ... até convence-los a mudar de lado.

— ... Certo. Depois, dependendo das informações que coletarmos, arquitetaremos as posibilidades de infiltração. Vocês se passarão pelos dois se for o caso.

— Como assim ... — interrompeu o ruivo, ligeiramente nervoso — ... "se passarão pelos dois"?

— Disfarces. — respondeu Yoshiaki — Fingiremos ser os terroristas. Só que, p'ra isso, precisamos da colaboração de ambos. — virou-se para a mais velha, sorrindo — Acho que dou conta.

— Vão arrumar as suas coisas. — instruiu, gentil — Venham comigo. Mostrarei o lugar onde ficarão esta noite e quando voltarem da possível missão.

     Seguiram-na até uma parte mais afastada do prédio. Haviam varias portas com intervalos razoáveis entre as mesmas, plaquinhas enumeradas parafusadas ao ferro de que eram feitas.

P'ra quê tantos quartos?

— Para funcionários que têm turnos noturnos e para os estagiários. — explicou, sorridente — Suas malas e mochilas já estão lá dentro. Terão duas horas de intervalo para arrumarem tudo e descansar. Os crachás são como chaves. O estágio começa p'ra valer a partir de agora.

— Com licença. — Yoshiaki levantou levemente a mão — Desculpe a pergunta meio evasiva, mas ... a senhora é mãe? Tem todo um jeitinho para isso.

— Sou, sim. — alargou o sorriso — Tenho uma filha da idade de vocês. O nome dela é Mitsuha.

— ... Como ela é?

— Maluquinha. — riu, contagiando a dupla — Ela adora criar. Um sonho dela é conhecer a tal de Mei Hatsume da escola de vocês. — suspirou, um pouquinho desanimada — Só tem problemas para fazer amizades.

— Como ... — piscou forte, como se não acreditasse — ... Assim?!

— Quando ela tinha seis anos ... a melhor amiga dela, que era vizinha, desapareceu. — revelou, uma pitada de dor na voz — A casa pegou fogo dum jeito completamente misterioso. Nem o corpo da Luisa encontraram! — respirou fundo, tentando não ficar sensível na frente dos menores — Se já não era boa em fazer amigos antes ... ficou pior ainda depois disso.

— ... Elas ... — abaixou a cabeça — ... Eram bem amigas ... né?

— As melhores que você pode imaginar ... — uma lágrima de tristeza rolou, mas foi logo enxugada — Desculpa. Eu sou muito emotiva.

— Não, tudo bem. — sorriu-lhe, solidária — Deve ... d-deve ser difícil ver ... a filha assim.

Eijiro não tinha coragem de falar alguma coisa. Não conseguia nem imaginar como deveria ser ver a filha não conseguindo socializar. Sem contar do medo de entender o motivo da colega falar assim com a heroína.

     Quando a loira saiu, tentou pronunciar-se. Entretanto, a morena levantou o dedo num sinal que pedia silêncio.

— Não diga nada! — "ordenou", séria — Arruma as suas coisas rápido. A não ser que queira desistir de entender o que aconteceu comigo ...

— Espera ... — arregalou os olhos, animado — ... Você vai- ...

— Eu mandei calar a boca! — "repetiu", olhando-o com seriedade — Termina rápido de arrumar tudo e me encontre no meu quarto antes que eu desista de contar.

     Assim, passou o crachá pela tranca e entrou no dormitório. Eufórico, correu "organizar" o que trouxe para o estágio. Iria finalmente entender o que afligia a garota que roubou seu coração. Tinha uma boa ideia de parte dela pelo que deixava escapar vez ou outra, mas nada se comparava à própria narrar sua história.

     Bateu à porta, sendo recebido prontamente. Sentaram-se ambos na cama, lado a lado. Notou que a mala que ela trouxera era inteiramente de equipamentos, alguns que nem queria saber para quê serviam. Ficaram um minuto inteiro em completo silêncio.

— ... Não precisa se forçar a falar. — falou, apertando as próprias mãos — Você não me deve satisfações, afinal de contas.

— Realmente não sou obrigada ... — começou, desanimada — ... Mas eu quero muito isso. — olhou-o diretamente nos olhos — Vai ser um grande passo ... p'ra melhorar. Eu quero ... de alguma forma ... conseguir conviver comigo mesma de novo ... sem mais arrependimentos.

— ... Quando você quiser.

— ... Eu não tenho muitas fotos da minha infância. — começou, atiçando a curiosidade alheia — E eu odeio uma em particular.

— Por quê?! Qual!?

     Apenas mostrou uma fotografia pelo celular. Arregalou os olhos, incrédulo. Não podia ser ...

— Sim ... — afirmou, a voz embargada — Sou eu aí.

— M-mas ... — fitava aquela garotinha cheia de hematomas e sangue, o cabelo desgrenhado e chorando — ... Não pode ser você! — assentiu, escondendo o rosto entre suas mãos — ... Luisa ... é o seu nome de verdade, não é? — soluços por parte dela — Como ... como aconteceu tudo!?

     Contou tudo, e nos mais mínimos detalhes. Sobre sua curta vida feliz, o incêndio, "a rua", os dolorosos onze anos ... basicamente uma biografia completa.

     Horrorizado. Nem em "horrorizado" cabia o sentimento em seu peito. Como que havia suportado toda aquela pressão? Aquele treinamento tão pesado?

     Naquele momento, podia ver muito mais fundo. Via através de todos os disfarces, todas as defesas, todas as máscaras. Não tinha qualquer engano ou barreira. Era Luisa Yoshiaki pura, sem nenhuma mistura. Nada além das verdades que guardava a sete chaves e que a assombravam seu presente.

     Apesar de qualquer coisa ... foi bom. Bom para ela, bom para ele. A garota largava o que lhe corroía, tirando todo aquele peso das costas. O garoto sentia-se especial, sanando todas as dúvidas, compreendendo melhor quem gostava romanticamente. Eram cúmplices. Partilhavam, agora, algo delicado e profundo.

     O depoimento foi longo, sem interrupções. A ausência de som foi, por mais incrível que pareça, acolhedora. Lágrimas ainda escorriam dos olhos verdinhos, mas estava leve. Parecia que uma enorme cicatriz interna sarava. Foi surpreendida por um abraço apertado e quentinho.

— V-Você ... — fitou as esferas carmim, em choque —  ... N-não me od-deia?

Como eu vou te odiar!? — ajeitou-a melhor entre seus braços — Você é simplesmente a pessoa mais forte que eu conheço!

— Eu queria MATAR os heróis! — chorou mais um pouco — Eu sou um monstro, Kirishima!

— Pessoas abusam da fragilidade de crianças o tempo todo. Não foi culpa sua.

— Mesmo assim ... eu sou ... sou culpada.

— Não pense assim! — obrigou-a a encara-lo — Quando esse estágio acabar, eu vou te ajudar. Você não vai ter que fingir mais nada e vai aprender a conviver com o seu passado.

— ... Obrigada.

     Finalmente retribuiu o abraço. Pela primeira vez em anos ... estava realmente feliz. Era como se pudesse degustar dum mel maravilhoso após anos bebendo vinagre aos baldes. De sua dor ... finalmente saiu algo bom. Havia encontrado alguém que realmente se preocupava consigo. Não largaria dele tão cedo ...

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