Interrogatório

Respirou fundo, reunindo todo o seu auto-controle. Aquela conversa/ confissão com Kirishima fez com que recuperasse confiança e deixou-a bem mais leve.

     A porta foi aberta, revelando a dupla de terroristas. Eram uma mulher morena com o rosto cheio de cicatrizes e um homem ruivo carrancudo. A expressão da menor era séria e desinteressada, como se estivesse ali por não ter mais o que fazer. A mulher riu escandalosamente:

Uma pirralha!? — questionou, audaz — P'ra me interrogar!? HAHAHA!

— Ria mesmo. — "incentivou", cruzando os braços — Vamos ver quem que ri por último, mocinha.

— Quem que tu pensa que é!? — deixou a cara de deboche para uma ameaçadora — Quer ser heroína!? Quer salvar pessoas p'ra ficar famosinha!?!

— Olha, eu não sei se você sabe, Yari ... — o homem interrompeu, genuinamente desinteressado — ... Mas os interrogados aqui somos nós.

— Você é sempre calado, amor! — revirou os olhos — Fica caladinho agora que eu dou um jeito na indigna, aqui!

— ... Indigna!? — repetiu, tentando esconder e controlar sua raiva — Eu sou, na visão do idiota do Stain, indigna para ser heroína!?

— Claro! — semicerrou os olhos, um sorriso debochado brincando nos lábios — Todos da UA são! Pessoas que salvam vidas apenas pela fama e dinheiro! Apenas querem alimentar o próprio ego, ignorando os pequenos casos e descartando algumas vidas "insignificantes"!

Analisou aquelas palavras com cuidado, empata. Ela faria o mesmíssimo discurso extremista há uns meses atrás. Aproximou-se, enterrando a destra no cabelo da refém e dando um leve puxão para frente.

— Agora, eu que farei perguntas aqui. — "ordenou", ameaçadora — O que vocês iam fazer com a Liga dos Vilões?

— Tomar café. — disse, irônica — Queria ver o novo estilo do Tomura!

O que vocês foram fazer lá!? — praticamente sibilou.

— Eu não abro o bico!

— Ok ... — suspirou, frustrada — ... Então, vai ter que ser na marra.

Soltou a mulher, desembainhando uma faca do cinto enquanto ia lentamente até o homem.

— O que você vai fazer!?

— "Sempre priorize a vítima, deixando de lado suas metas pessoais e desejos mundanos" ... — recitou, o tom debochado, apontando para o rosto dele com a lâmina mortalmente afiada — ... Ou você fala, ou eu torturo ele.

— Você não faz mal nem a uma mosca!

Tão rápido que não conseguiu seguir seus movimentos, fez um corte no braço dele:

— Verdade? — um falso sorriso maldoso formou-se com a expressão aterrorizada da maior — Então, vai falar? — levantou uma sobrancelha — Mudou de ideia?

Fez um corte mais fundo perto de sua mão, fazendo-o segurar um gemido (grito) de dor. A heroína profissional e o amigo, desde o outro lado das paredes, ficaram entre admirados e assustados com as medidas da morena. Mas o ruivo mais novo sabia que ela tinha um plano por trás daquilo.

Pelo que parecia, os interrogados eram seguidores fiéis do Stain. Luisa era especialista na mentalidade do mesmo. Ninguém que pensasse como ele deixaria um inocente – ou algo bem próximo disso – ser torturado tendo alguma chance de salvá-lo.

     E eles pareciam ser bem íntimos. Chegava a ser um bônus. Arrancaría as informações dela rapidinho.

Não fale nada. — exigiu com os dentes trincados, ríspido.

— HERÓIS NÃO TORTURAM!! — gritou a mulher, tentando (inutilmente) safar-se da cadeira — VOCÊ NÃO É HEROÍNA!!

— Seria tão legal se você falasse ... — seu tom era de chateação, enquanto fazia leves aberturas na pele branquinha do refém — ... Eu não queria ser malvada, mas ninguém me dá o que eu quero ... — deixou os braços dele para começar a cortar levemente a roupa do mesmo na região torácica — ... Poxa vida ... e o meu aniversário ' tão pertinho ...

— Sua ... sua ... — repetia entre os dentes, lágrimas ameaçando cair — .. Eu ...

— Você ...? — praticamente cantarolou, atravessando a pele alheia com a ferramenta.

— Recrutas. — resmungou, praticamente soluçando — Aquilo era um teste para sermos recrutas do Esquadrão de Ação e Vanguarda. Isso se a gente passasse.

     Afastou a faca do ruivo, caminhando novamente até ela. Enterrou a canhota em seu cabelo. "É verdade" deduziu logo que usou seu dom.

— Passaram no teste? — recebeu um aceno positivo — Onde é a base?

— Nos deram um mapa que diz como chegar lá. — engoliu a saliva, nervosa — É nesta cidade. Acontece que é só do EAV.

— Onde fica a base principal!?

Eu não sei! — soltou mais lágrimas — Só mandaram seguir o mapa e entrar entre amanhã e depois de amanhã. — baixou a cabeça, não conseguindo conter o choro.

     Desviou o olhar para o outro, vendo que também chorava – em menor intensidade. Suspirou, ligeiramente borocoxô. Tinha certeza que eles estavam cheios de ódio e dor ... como esteve nos últimos onze anos.

— Por que queriam entrar?

— Stain estava com eles. — respondeu, seco — Gostamos dele. Pensamos básicamente a mesma coisa desde um desastre que aconteceu na nossa cidade. — respirou fundo para se controlar — Nossas casas eram numa espécie de montanha que desmoronou. Não sobrou quase nada ... e nossos pais morreram.

— Nenhum herói veio nos ajudar. — completou, rouca — Chegamos numa cidade vizinha, tentando sobreviver sozinhos.

— ... Podemos ajudar vocês. — disse, ganhando a atenção deles — Heróis, infelizmente, não conseguem estar em todos os lugares ao mesmo tempo ... e existem alguns que não são tão bonzinhos, sim. Mas matar todos só vai causar o pânico geral e um estouro na criminalidade!

— Mas a maioria está errada! — argumentou, as gotas salgadas caindo incessantemente — E-eles- ...

Não. — interrompeu — Acreditem em mim. É a minoria ruim que "faz barulho" e ganha destaque. E é impossível ser tão igual ao "ideal heróico". — olhou no fundo de seus olhos — ... Stain não estava com a Liga dos Vilões. Só usam esta "carta" p'ra recrutar ingênuos traumatizados como vocês.

— Como sabe disso? — questionou, desconfiado — Como posso saber se podemos confiar em vocês!?

     Sorriu, solidária. Tentou não pensar muito naquilo, mas estava sentindo-se dentro dum espelho. Eles eram exatamente como ela mesma era no início do ano. Inocentes profundamente machucados, colocando fé em quem prometeu ajudá-los ... mas que, na verdade, apenas queriam usá-los para seus próprios interesses.

     "Por que eu me sinto melhor...?", questionou-se o ruivo mais velho. Sempre foi bom em manter-se indiferente e frio, mas a morena conseguiu fazê-lo chorar. Agora, a energia que emanava era acolhedora, diferente do gelo negro que rodopiava ao seu redor quando entrara na sala.

— Eu também estou machucada. — largou a mulher — Não sei se mais ou se menos que vocês, mas estou. — ficou séria, no meio das cadeiras — Perdi meus pais num incêndio. Acontece que ficar remoendo e culpando assim não vai trazer ninguém de volta para mim ... e nem para vocês. — respirou fundo, tentando não chorar junto aos dois — Mas ... se sobreviveram, se esforcem para esse tipo de coisa nunca mais acontecer!

— É impossível. — resmungou, frustrada — E nós vamos p'ra atrás das grades pra sempre de qualquer jeito.

— "De qualquer jeito"? Hehe ... — sorriu, sacana, deixando-os intrigados  — ... Sabiam que pode haver redução de pena se declararem tudo o que sabem ... e ajudarem na investigação?

— Nós ... — seus olhos aguados brilharam em expectativa, esperançosa — ... Poderíamos ter ... uma segunda chance?

— Claro que, por via das dúvidas e pela lei, teríamos que vigia-los e mante-los presos por um tempo de qualquer jeito. Mas a pena seria reduzida, e fazer a reabilitação psicológica pode ajudar. — sentiu-se vitoriosa ao ver o olhar de alegria do ... casal?  — Para isso, vocês têm que colaborar conosco.

— EU ACEITO! — só não pulava de felicidade por estar amarrada — "TOPEI"!

— ... Eu também.

     Com um sorriso mais que satisfeito nos lábios, saiu. Eijiro e Yara brotaram ao seu lado:

Assustador. — falou, nervosa — Porém, eficaz. Um ótimo trabalho!

— Desde quando você aprendeu a interrogar assim? — perguntou, curioso, assim que a mais velha afastou-se.

— Desde que eu tinha dez anos. — tombou a cabeça, borocoxô — O "pai" sempre disse que era importantíssimo.

— ... Eles mexeram com a sua cabeça, não é?

— ... Era como um espelho. — falou, o olhar perdido — Se eu me olhasse no espelho há alguns meses ... não veria algo muito diferente.

— ... Vai dar tudo certo. — afirmou, sorrindo com os dentes — Vamos ajudá-los e curar essas feridas dentro de você ... Luisa.

Virou-se para ele, retribuindo o sorriso. Apesar dos pesares ... estava sanando seu interior aos poucos. E algo deliciosamente doce saía das cicatrizes.

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