Interior despedaçado
Luisa encarava Neito, tão séria que fazia o mesmo ficar desconfortável. Alongava seus braços, a faca e a faixa na mão.
— Em 3; 2; 1 ... LUTEM! — gritou Midnight, uma corneta tocando ao fundo .
Os dois correram. O loiro desviou do primeiro ataque dela, tocando-a:
— Aí! — gemeu, caindo de costas para o chão — Mas- ...
— Cala a boca e luta! — deu-lhe um chute no estômago.
Fez cortes rasos em seus braços e pernas, rasgando o uniforme de educação física com a lâmina dupla. Ele tentou imobiliza-la pulando nela, mas a morena usou o impulso para inverter as posições e ficar em cima dele. Enrolou seus braços e pernas com a faixa, deixando-o imobilizado.
Só que ela não tomou o devido cuidado e uma das mãos dele acabou encostando tempo o bastante para usar o dom copiado ...
"— Levante, agora! — ordenou o moreno, sério.
— Eu ... eu não consigo ... — balbuciou, respirando com dificuldade.
— Ah, quer descansar!?! HERÓIS CONTINUAM LUTANDO, MESMO NÃO AGUENTANDO MAIS NADA!! Levante e tente mais uma vez! Não seja uma egoísta como o desgraçado do Endeavor, Luisa!!"
Lágrimas amargas começaram a escorrer sem descanso, formando dois pequenos rios. Não escutou Present Mic anunciando que havia ganhado, muito menos os comentários (zombeteiros, diga-se de passagem) sobre estar chorando. Largou a faixa, a respiração irregular:
— O que que você fez ..? — perguntou, a cabeça girando, tentando ficar de pé — Monoma, o que você me fez lembrar? — tentou secar as lágrimas, mais lembranças horríveis passando como um filme — O que você fez na minha cabeça!?!
— Kayami ... — na arquibancada, o ruivo apertava a cadeira com muita força, preocupado.
— Para ... — pediu, as mãos na cabeça, Midnight e Cementos já preocupados com ela — Para ... por favor, para ... — mais lágrimas, caindo de joelhos — Para ... tira isso da minha cabeça! — ficou desesperada com o que lembrou — Tira agor- ... AAAAAAAAAAAAH!!
Usou seu dom em si mesma, gritando de dor – fazendo até eco no estágio –, logo cuspindo um monte de sangue. Gritou de novo na segunda tentativa de fazer aquilo parar, desmaiando com o gás da professora. Kirishima levantou e correu como se sua vida dependesse disso para a sala da Recovery Girl. Foi acompanhado por Izuku e Ochaco, que não entenderam nada.
O que viu partiu seu coração. A amiga dormia, chorando e balbuciando coisas que não compreendia. Nunca havia visto ela daquela maneira, e odiou ter que ver tão cedo.
A morena se encontrava num lugar totalmente escuro, um "vidro" branco brilhante enorme à sua frente.
Uma cena de uma mulher e uma menina filmando-a e entrando correndo em casa, apavoradas com o que havia à frente delas passou. "Eu não era um monstro ..." pensou, o peito doendo. Uma "melodia" de rock começou a tocar em sua cabeça, fazendo as imagens mudarem para uma menina de sete anos treinando com um par de facas:
— Aí! — disse, colocando a mão no corte que fez acidentalmente no braço.
— Você precisa aprender a manejar as facas mais rápido! — disse um homem, entrando na sala.
— Sim, senhor. — respondeu, fazendo um curativo improvisado com uns panos jogados num canto.
— Não me faça me arrepender de te acolher, Luisa!
— Não irá, senhor! — empunhou as facas novamente, retomando os movimentos repetitivos.
Cansada de ser o que você quer que eu seja.
Me sentindo sem fé,
Abaixo da superfície.
Não sei o que você quer de mim.
Sempre sob a pressão de seguir os teus passos.
Agora, a cena era do homem dando uma surra numa menina de 11 anos, que tentava revidar com suas facas de dois gumes. A garota correu para o vidro, batendo freneticamente nele:
Cada passo que dou é mais um erro pra você
A menina cuspiu sangue, tentando se levantar para continuar a treinar, as pernas e braços tremendo de fragilidade e cansaço:
Me tornei tão entorpecida!
Consigo te sentir aqui.
Fiquei cansada,
Muito mais consciente!
Uma menina de 9 anos tinha olheiras profundas, socando o saco de pancadas como podia:
— Beba isso e faça cinquenta flexões! — ordenou o homem, vendo-a beber a taça de vinho em uma virada e começar as flexões — Melhorou um pouco na resistência, pelo menos ...
Eu me tornei "isto".
Tudo de que preciso ...
É ser bem mais eu,
E muito menos você!
— LEVANTA, LUISA YOSHIAKI!! — gritou, vermelho de raiva — PASSAMOS APENAS DEZ HORAS TREINANDO, ENTÃO LEVANTE LOGO!!
— Desculpa ... — pediu, ficando em pé com dificuldade e se colocando em posição de ataque.
Não vê que está me sufocando?
Segurando com força demais,
Com medo de perder o controle?
— Vai virar a noite treinando enquanto escuta eu falando sobre o ideal heróico! — ditou, fazendo-a beber um copo de vinho forte de uma só vez.
E tudo que você queria que eu fosse ...
Está caindo por terra ...
Bem na sua frente.
— PARE LOGO COM ESSE EGOÍSMO E LEVANTE PARA TREINAR! — gritou, vendo a garota de 13 anos segurar o choro — SEUS PAIS NÃO TERIAM MORRIDO SE FOSSE MENOS MOLE.
— S-sim, senhor. — disse, forçando-se a continuar treinando, apesar da dor agonizante em seus ossos.
Cada passo que dou é mais um erro pra você.
— Não ... para, papai ... — pedia a morena, batendo fortemente no vidro, relembrando como ele a batia quando mais nova.
E cada passo seu é mais do que eu aguento.
Me tornei tão entorpecida!
Consigo te sentir aqui.
Fiquei cansada,
Muito mais consciente!
— Finalmente está dando resultados significativos, Luisa ... — disse o homem, sério, fitando uma garota de 14 anos, que tinha os olhos brilhantes pelo "elogio".
Eu me tornei "isto".
Tudo de que preciso ...
É ser bem mais eu,
E muito menos você!
— Não vai acabar com ninguém assim! — falou o homem, levantando a garota de 6 anos pela gola da camiseta.
Eu sei ...
Que estou perdendo toda a minha fé!
— SE QUER SER MELHOR QUE ENDEAVOR, LUTE PARA SER UMA HEROÍNA MELHOR!! — gritou, chutando a criança de 8 anos.
Mas eu sei ...
Uma espécie de espelho apareceu no vidro, e a visão foi macabra.
Seu reflexo estava sujo, um olho roxo, o cabelo solto despenteado e a pele cheia de arranhões vermelhos de sangue. O líquido carmim escorria dos machucados numa quantidade considerável. A Luisa do reflexo desenhou um sorriso no vidro com o próprio sangue.
Você era como eu até alguém te decepcionar!
Caiu para trás, chorando com o que viu. Acabou cantando junto com aquela voz para ver se a dor passava:
EU ME TORNEI TÃO ENTORPECIDA!!
Consigo te sentir aqui.
Fiquei cansada,
Muito mais consciente!
Eu me tornei "isto".
Tudo de que preciso ...
É ser bem mais eu,
E muito menos você!
Colocou as mãos no rosto para chorar, ouvindo seus gritos abafados dos anos onde treinou dia e noite sem parar. Onde não havia espaço para emoções que não fossem a raiva e a dor.
— Hey. — disse uma voz melodiosa, doce — Ainda dá tempo de ser feliz, Kayami. Você só precisa querer e ... se deixar ser feliz.
Tirou as mãos, vendo Kirishima sentado à sua frente com "pernas de índio", seu habitual sorriso contagiante. Lhe estendeu a mão, aumentando seu sorriso e mostrando seus dentes de tubarão.
Acordou de sobresalto, a respiração irregular. A cabeça girava. Chorava um Amazonas inteiro.
— O que aconteceu? O que o Monoma te forçou a lembrar!? — Eijiro brotou do seu lado.
"Recovery Girl" pensou, tentando ritmar a respiração. Viu que Ochaco e Izuku também estavam lá, mas o mais preocupado era o ruivo, sem dúvida nenhuma. Não conseguia parar de chorar, principalmente pela visão daquele espelho. Abaixou a cabeça, uma mescla de sentimentos ruins.
— O que aconteceu lá? — perguntou o esverdeado.
Ela simplesmente levantou os dois braços, sem levantar a cabeça:
— Alguém me abraça? — perguntou, a voz fraca e rouca — Faz tempo que não recebo um de verdade ... e eu 'tô realmente precisando.
O ruivo foi com cuidado e abraçou o corpo da menor, sem hesitar. Apertou as costas do amigo, chorando em seu ombro. A dupla abraçou os dois, também. Ficaram assim por alguns minutos, até a morena apenas soluçasse:
— Desculpa ... — disse, apertando ainda mais o ruivo contra si — Eu menti ... meu dom não é ser flexível ... é mexer na cabeça dos outros ... desculpa por mentir! — pediu, soltando mais algumas gotas salgadas.
— 'Tá tudo bem. — consolou o esverdeado, o tom doce — Dá pra intender o motivo.
— Somos seus amigos, não é? — falou a castanha, fazendo carinho nas costas dela.
— Seja o que for que aquele drogado te fez lembrar, saiba que pode contar comigo. — Kirishima sussurrou em seu ouvido, fazendo cafuné .
Depois daquele momento, teve toda a certeza. Luisa Yoshiaki estava apaixonada pelo amigo ruivo do sorriso encantador de dentes pontiagudos e uma cicatriz na pálpebra direta, e não se arrependia.
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Música usada de base 👇👇👇
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