MEIO
Yosun abriu os olhos lentamente, ainda sentindo as pontadas na cabeça e o primeiro que observou, foi que estava em lugar totalmente diferente agora. Se sentou com certa dificuldade e reparou no enorme lago brilhante, mas o que a assustou foi o fato de que ela se encontrava bem no meio dele, flutuando, como se fosse uma pena.
O lago era contornado por um pasto verde e por árvores que formavam uma cúpula, de tal maneira que o lugar seria tomado pela escuridão, não fosse o brilho da água.
Tentou se mover, mas uma força a impedia, a mantendo no lugar. Agora sim, ela estava com medo. Como fora parar ali? Será que eram os duendes pregando uma peça?
Sua cabeça começava latejava cada vez mais, conforme tentava desvendar esse mistério.
-Tem alguém aí? -Perguntou para o vazio e por alguns segundos, obteve o silêncio como resposta. -Droga! Quem quer que esteja fazendo essa brincadeira, saiba que meu pai é parte da corte real dos elfos, e ele vai ficar furioso quando souber disso! -Ameaçou, e sentiu um leve arrepio percorrer o seu corpo, um presságio de que talvez, já não estivesse tão só.
Escutou um barulho de folhas secas e criando coragem se levantou e assumiu uma posição defensiva. Aprendera desde cedo a lutar, não havia herdado os poderes da mãe, pelo contrário, tinha toda a habilidade do pai elfo.
-Não tenha medo, jovem híbrida. Não lhe farei dano algum. -Uma voz suave se ouviu, a sensação era de uma brisa tocando a sua pele, que se arrepiou em resposta. -Estava me procurando, aqui me tem. No que posso lhe servir? -Aquilo era real? Ela finalmente havia encontrado o unicórnio? Ou tudo isso não passava de um sonho maluco?
-Porque se esconde? Apareça, e saberei se é mesmo o que busco. -Yosun respondeu seria, ainda desconfiada.
-Se me ver, ficará hipnotizada, quer correr esse risco?
-Sim.
-Como preferir. -O ser não insistiu. Ele já estava cansado daquilo. Fora perseguido por assassinos e era um dos últimos que restavam da sua espécie. Ele queria acabar com aquela perseguição de uma vez por todas e se fosse necessário hipnotizar a uma pequena inocente, ele o faria sem remorso.
Yosun não podia crer no que estava vendo. Lentamente a imagem do unicórnio se formou bem ali diante dela, um animal tão incrível quanto havia imaginado. A pele reluzente e iridescente era algo tão lindo que uma pequena lágrima escapou pelos seus olhos caindo no chão de areia fina.
Espera! Ela não estava no meio de um lago?
Arriscando-se mais do que o compreensível, caminhou até ficar frente a frente com o unicórnio. Sua crina multicor parecia flutuar, mesmo que não corresse nenhuma brisa sequer ali.
Levou sua mão até os fios sedosos e uma sensação de paz começou a tomar conta do seu ser. Ela sabia dos riscos que corria, mas não conseguiu resistir, precisava saber qual era a textura da sua pele, do seu pelo... e o unicórnio, curiosamente, tampouco se moveu, como se fosse ele quem estivesse encantado pela pequena.
-Você é mais lindo do que eu imaginava. Porquê as pessoas acham que é perigoso? Veja, te toquei e não desmaiei, estou te vendo e não fiquei louca... ou será que sim? - Uma risada sapeca escapou pela sua boca e um relincho divertido preencheu o lugar silencioso.
-Tem razão, não entendo porque minhas defesas não a afetam. E me sinto atraído a ti, como isso é possível? -O ser mágico indagou e se aproximou ainda mais da pequena curiosa. Encostou sua cabeça na dela e Yosun envolveu suas mãos em um abraço carinhoso. -É a primeira vez que alguém se aproxima de mim. -Confessou emocionado.
-Isso é muito triste, todos merecemos ser amados... como se chama?
-Luminatto, mas minha família me chamava de Lumi.
-Muito prazer Lumi, me chamo Yosun e prometo que te protegerei e seremos melhores amigos! -A pequena declarou e recebeu um afago como agradecimento enquanto fazia pequenos movimentos com as mãos na cabeça do seu mais novo amigo. Ela cumpriria aquela promessa e lutaria até o fim se fosse necessário. Aquela matança não era justa, os unicórnios eram inocentes e ela sabia que tinha algo mais ali. Algo que a Ordem Caçadora não estava lhes dizendo.
-YOSUN! -Um grito ecoou no santuário, assustando ao animal que sem querer, levantou a cabeça de maneira tão súbita, que acabou jogando a jovem praticamente do outro lado do lugar.
Se aproximou rapidamente do corpo estendido da sua nova amiga e uma pequena lágrima escapou dos olhos negros ao perceber o sangue que escorria da enorme ferida que havia causado com o chifre no seu braço, a consequência do susto. -YOSUN! ONDE ESTÁ? APAREÇA!
Novamente aquela voz preencheu o ambiente e Lumi sabia que deveria sair dali o mais rápido possível se não queria ser descoberto. Sua magia de confusão de ambiente não funcionaria por muito mais tempo.
-Me desculpe Yosun, não queria te ferir... -Sussurrou enquanto galopava para longe dali o mais rápido que podia.
Quando já estava longe, desfez o encanto e o corpo desmaiado da pequena ficaria visível para qualquer um.
Vardar avistou o corpo da filha e correu até o seu encontro. Se ajoelhou ao seu lado, em prantos ao perceber a enorme poça de sangue que se formava do seu lado.
-O que você fez minha filha? No que se meteu? -As lágrimas negras do elfo se misturavam ao sangue formando uma macabra pintura rubro negra.
A levantou com cuidado e com rapidez a levou até o hospital, implorando que a pequena resistisse e não o deixasse, assim como fez com a amada.
Já no hospital, Yosun descansava em uma das macas recebendo soro e alguns medicamentos que somente fariam efeito em um elfo.
Ela ficou dias, semanas, meses naquela situação. Não estava morta, mas também não estava viva. Havia entrado em um sono profundo, no qual nem mesmo o pranto sofrido do pai ou os gritos angustiados de Lumi cada noite, eram capazes de fazê-la acordar.
Vardar estava se preparando para deixá-la ir. Aquela ferida estava envenenada e todos sabiam que tipo de ser provocava essa condição. Em breve a Ordem dos Caçadores chegaria e levariam o unicórnio para julgamento, condenação e execução.
Vardar a visitava todos os dias, mas sua esperança estava se deteriorando cada vez mais. Ele já estava resignado e sabia que a filha jamais voltaria a acordar. Já havia assinado a autorização e apenas esperava pelo médico principal para desligar todos os aparelhos que a mantinham com vida.
Quando o homem vestido completamente de branco chegou, um frio subiu pela sua espinha e sentiu seu corpo inteiro se arrepiando. Delicadamente o médico retirou todas as agulhas fincadas na pele da pequena e por último desligou todos os aparelhos que proporcionavam um estranho som àquela habitação, depois se retirou para dar algo de privacidade aos dois.
Uma lágrima escapou dos seus olhos, seguida de outra e mais outra. O que ele havia feito para merecer aquilo? Primeiro sua esposa, agora a sua filha. O mundo não era justo.
Com a intenção de dar um último beijo no pequeno rosto pálido, se aproximou o máximo que conseguiu, mas aquilo era demais incluso para um elfo guerreiro.
Sua garganta se fechou e um grito ficou emperrado no peito.
Acariciou os cabelos loiros e sedosos antes de se virar para sair de uma vez daquele lugar maldito.
Tentou dar um passo, mas algo o prendeu, talvez o jaleco se enganchou em algum lugar. Se virou para ver o que era que o mantinha no mesmo lugar. Seus olhos se arregalaram mais do que acreditava possível, quando viu uma pequena mão segurando na barra do jaleco branco, com toda a sua força.
-Y-osun? -Perguntou com a voz falha. Sua menina o observava com os olhos abertos e um sorriso encantador no rosto. -Você... achei que... -Vardar não conseguia formular uma frase coerente. Por alguns minutos pensou que havia perdido a filha e agora ela o encarava com aqueles olhos... multicor? O que havia acontecido com os seus olhos azuis da cor do mar em um dia de tormenta? Agora eles eram de várias cores: azul, roxo, rosa, amarelo, verde...
-Não precisa se preocupar pai, estou bem. Já me cansei de descansar. -Uma risadinha travessa soou e era música para os seus ouvidos. -Preciso encontrar Lumi e dizer a ele que estou bem... ele estava bastante preocupado, sabe. Me chamava todas as noites.
Disse em um sussurro e Vardar ficou apenado, pois tinha péssimas notícias para a filha e não sabia como isso a afetaria.
-Querida... tenho que lhe dizer algo, mas não sei por onde começar.
-Que tal do começo? -Inclusive a voz da menina havia mudado. Agora parecia mais serena, mais... calma. Por alguns segundos o pai ficou maravilhado com aquela cena, era como se fosse sua filha mas ao mesmo tempo fosse alguém totalmente diferente. -Pai?
-O seu... amigo, ele foi levado pelos caçadores. Depois que a encontramos, o médico identificou a ferida e se contatou com eles para caçarem o unicórnio. Eles disseram que foi um ataque, portanto ele iria a julgamento na corte.
-NÃO! -Um grito estridente se ouviu e tudo aquilo que era de vidro ou cristal se desintegrou em mil pedaços. -Não podem fazer isso com ele! Ele não teve culpa, apenas se assustou! Não posso permitir isso, pai! Eles não são maus, apenas são incompreendidos!
Sua voz ficava cada vez mais alterada e Vardar olhava para a filha, assustado e maravilhado ao mesmo tempo. Era algo surreal, Yosun nunca havia demonstrado nenhum tipo de poder, até agora.
-Você não pode ir até lá querida, sinto muito. -Disse antes de abraçá-la. Era verdade, apenas convidados podiam chegar até a corte e era praticamente impossível que convidassem uma híbrida para participar de um julgamento. Segundo os membros, eles eram instáveis, já que não se sabia qual poder manifestaram.
-Não me interessa, hoje mesmo partirei e farei com que me escutem. -A pequena declarou decidida.
-São mais de quatro horas de trem, querida! Você acaba de acordar de um coma de quase dois meses!
-Não me importo, como já lhe disse, me cansei de descansar! -Se levantou e saiu caminhando pelo hospital, sem esperar por uma resposta do pai.
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