Non Trusted Person (Rafe)

Anos à frente

V estava sentado no balcão da cozinha quando ouviu um barulho na porta da entrada do apartamento, seguido da maçaneta sendo aberta. 

Seu sorriso foi involuntário, mas o corpo se enchendo de adrenalina, não.

- Você se decidiu. – Ele afirmou, sorrindo torto para Jungkook que entrava na sala arrastando uma mala e uma bolsa enorme de couro em um dos ombros.

- Bom, você tem um estúdio de pintura incrível. – Jungkook respondeu com sua risada infantil para V que não conseguiu deixar de sorrir em resposta.

Os dois se encararam por um tempo, congelados em uma situação, não desconfortável, mas cautelosa. Ambos estavam com medo de tomar o próximo passo, mas bastou Jungkook largar as malas no chão para V desgrudar os pés do lugar e correr para abraçar o menor.

Meses antes

Jungkook percebeu cedo que ficar com a IU porque ela precisava dele, não era o suficiente para durar, mas perceber que amava V e que sempre o amaria não fez com que o mais velho o aceitasse de volta.

V passou por uma extensa investigação, pela polícia de Seoul, já que houve um incêndio criminoso numa casa cheia de evidências que levavam direto a ele, porém não havia corpo. Por um motivo que ninguém sabia explicar, Woo tinha conseguido escapar do incêndio. Os meninos deram o dia de visita na reserva de tratamento de V como álibi e ninguém conseguiu provar o contrário, até porque eles foram vistos andando pela reserva e conversando com os vizinhos no mesmo dia do incêndio, então o caso foi arquivado em aberto e todos seguiram com suas vidas.

V abriu uma organização que ajudava pessoas que queriam passar por cirurgia de readequação sexual, ajudando com psicólogos, cirurgias plásticas e até mesmo abrigo para quem fugiu de casa, foi expulso ou simplesmente não tinham para onde ir.

Jungkook se enfiou em tours, uma atrás da outra quando os meninos começaram a ir para o serviço militar e de alguma forma quando foi sua vez, não é como tivesse algo ruim nisso. Ele voltou mais disciplinado, centrado e calmo.

Seu ódio em relação a Woo e sua procura incessante pelo cara, foi o motivo principal de V ter se afastado, não fazia bem a ele aquela caça às bruxas do menor e era como se ele não soubesse falar de outra coisa, quando não queria que V revivesse tudo de novo, na esperança de que, de alguma forma isso lhe fornecesse novas pistas de onde procura-lo.

Suga e Jimin tinham adotado uma criança órfã chamada Rafael e foi quem salvou V no final das contas. Suga pediu para V deixar o garoto usar o estúdio de pintura do apartamento por algum tempo, até que o que ele estava preparando para o garoto ficasse pronto e V não viu problema nenhum nisso, apesar do garoto constantemente o fazer lembrar de um Jungkook novo e inocente que ele amava mais que tudo no mundo ele segurou a barra, afinal era bom ter alguém além dele no apartamento.

- Taehyung, você sabe onde posso achar mais daquela aquarela antiga? – Rafe perguntou depois de entrar na sala, fazendo uma reverência respeitosa ao maior.

V tirou os olhos do céu azul claro para encarar o sobrinho.

- Vou perguntar para seu pai. – Ele falou voltando a olhar o vazio através da janela da sala e não notou o mais novo se aproximar.

- Não tem medo de cair? – Rafe perguntou, vendo seu tio sentado na soleira da janela aberta.

Os dois olharam juntos para a queda, não muito grande, que seria se V se desequilibrasse.

- Isso foi exatamente como aprendi a viver. – V resmungou sorrindo quadrado para a feição confusa do Rafe.

- O que quer dizer? – Ele perguntou abrindo a outra parte da janela para sentar igual à V, que não contestou ou o impediu, apenas sorriu de volta.

- Que minha vida sempre esteve a um passo do perigo. - V respondeu rindo em seguida por Rafe ter revirado os olhos por causa da frase.

Rafe gostava de passar um tempo com V, ele era silencioso, o tratava como adulto, apesar de todos os outros tios o ver como só um garoto de quinze anos e acima de tudo, ele tinha uma aura sombria que o seguia de alguma forma, mesmo quando sorria parecia algo triste ou forçado e Rafe amava a forma como isso ficava em suas pinturas. 

Quem olhasse de longe poderia até pensar que Rafe estava apaixonado pelo mais velho depois de ver uma sala inteira cheia de quadros com o V representado na tinta de várias formas distintas, mas V entendia o que o mais novo via nele, até porque era exatamente o que ele via em si próprio quando olhava seu reflexo no espelho ao acordar. Suga também entendia a visão artística do garoto, mas ficava receoso no quanto a representação do olhar triste do irmão em milhões de quadros o faria sentir.

Um dia V teve um de seus pesadelos e precisava de Suga, era em tudo que conseguia pensar. A madrugada explodia clara como o dia em curtos episódios por causa dos relâmpagos e V viajou até a casa do irmão, de moto, no meio da noite e em uma rodovia molhada e perigosa, porque os telefones ficaram sem serviço por alguns minutos devido à queda de uma antena próxima, dada a tempestade.

 Quando V chegou na casa de Jimin e Suga ele estava completamente molhado e os olhos vidrados, apesar da clareza que o frio e a água gelada proporcionaram para sua mente na estrada.

Jimin quem tinha atendido a porta porque era o único acordado àquela hora, pois estava ensaiando para uma dança que JHope tinha pedido ajuda na criação para ensinar o novo grupo de Kpop que RM tinha criado recentemente. Já era o segundo grupo que ele criava depois que passou a administrar a companhia de HIT.

Quando Jimin viu o estado de V  a única resposta que teve foi começar a chorar, por achar que as coisas tinham regredido ao ponto em que o irmão sofreria tudo de novo, mas ainda assim teve forças para acordar Suga e fazer um chocolate quente enquanto seu marido, dar banho em V e colocar, um pijama seco no garoto que olhava Suga com aquela necessidade doentia e infantil de obedecer, que Suga passou a odiar com todas as suas forças.

No meio da madrugada, Rafe levantou para tomar água, mas travou os pés no meio da escada ao ver Suga com o olhar vago para a janela, um copo de Whisky numa mão e a outra acariciando os cabelos úmidos de V, enquanto V estava sentado no chão, as mãos jogadas ao lado do corpo e a cabeça deitada nas pernas do seu pai. A cena era tão íntima e bizarra que Rafe não conseguia fazer seus pés se moverem de volta para o quarto, ele mal conseguia fazer algo além de olhar aquilo. V estava numa posição tão vulnerável e Suga tinha um olhar que Rafe jamais conseguiria esquecer. Tinha alguns momentos que Suga puxava os cabelos de V bruscamente e o menor, ao invés de reclamar,  suspirava aliviado com a dor.

O olhar do seu pai variava entre alucinado e nervoso, como se variasse entre estar sob efeito de drogas e lúcido em um intervalo curto de tempo.

Rafe não entendia o que estava acontecendo e ele queria chamar Jimin mais que tudo, até porque foi ele quem o tinha salvo de voltar a morar com seu tio biológico que abusou dele a sua infância inteira.

 Ele fugiu de casa e conseguiu ir longe o suficiente quando acabou entrando para o sistema como um órfão sem parentes próximos. Quando completou 13 anos, as freiras do orfanato onde ele vivia precisou se livrar dele, porque ele era velho e elas só tinham licença para cuidar de crianças abaixo de 10 anos, sua mãe tinha morrido, segundo as freiras.

Foi quando Jimin o acolheu, o impedindo de voltar para o tio que tentou pegar o garoto de volta, mas Jimin e Suga eram muito bem conectados, o suficiente para que isso não acontecesse, até porque seu tio era bêbado, agressivo, tinha queixa na polícia e nenhum dinheiro no bolso, não é como se tivesse sido difícil para seus pais adotivos conseguirem a sua custódia permanente.

Os meninos não sabiam o que realmente aconteceu com Rafe, apesar das marcas em seu corpo e a insistência de que ninguém o tocasse, além de Suga que de alguma forma não o incomodava quando assim o fazia.

 Mesmo assim, a situação era o suficiente para eles desconfiarem, até porque ele tentou se matar no dia em que Jimin e Suga apareceram para adota-lo. Rafe achava que ia voltar para o tio e era literal quando dizia que preferia morrer à isso.

Foi assustador para Rafe ver aquele olhar que o fez fugir e abandonar sua mãe, nos olhos do seu pai, afinal era o mesmo olhar de prazer e fúria que seu tio tinha enquanto Rafe era espancado ou abusado por ele. No entanto, de alguma forma as reações de V era o que o fascinava, simplesmente porque ele não entedia. Rafe não sabia dizer o que sentir com aquilo, porque todas as vezes em que se sentiu vulnerável, mesmo sendo só uma criança, ele lutava, gritava e chorava enquanto torcia mentalmente para os santos de sua mãe fizessem aquilo parar, mas quando olhava para V era como se tudo que o rodeava a noite, durante o sono e o perseguia de dia, durante os momentos longe dos pais fosse exatamente o que V queria para si. Ele não conseguia tirar isso só de analisar a expressão de V, mas era como se pudesse sentir.

Tudo aquilo foi aterrorizador o suficiente para que ele precisasse passar para o papel na tentativa de esquecer, porém todos os dias que desenrolava o papel, escondido embaixo da cama, desenhado com carvão o seu pai e V naquela madrugada de tempestade, ele sentia uma urgência em se aproximar de V, como se precisasse de respostas mais do que precisava de ar para respirar. 

O resto da semana foi uma extensa reclamação sobre o quanto o barulho do seu irmão mais novo o atrapalhava desenhar e depois o quanto o barulho da obra para o seu novo estúdio de pintura o atrapalhava estudar, o que fez Suga pedir para V que ele emprestasse o estúdio de pintura para Rafe provisoriamente.

Rafe foi criado na rua, quando não tinha que lutar com um monte de órfãos, empilhados numa casa de adoção provisória, pelo último pedaço de pão, então, sim! Ele sabia manipular seus pais adotivos, principalmente porque eles eram capazes de fazer qualquer coisa para que Rafe se sentisse amado e confortável. Ele também sabia que era cruel e errado manipular pessoas que amava, mas ele também aprendeu da pior forma a lutar pelos próprios interesses e não se apegar ao fato de que alguém se importa, porque ninguém realmente se importa.

Esse testamento de que ninguém se importava com Rafe, se transformou de um fato resoluto para algo cada vez menos verdade, principalmente pelo modo que Jimin o amava incondicionalmente e mostrava isso a ele todos os dias. Suga também demonstrava de sua forma silenciosa e reservada, mas demonstrava. O que fez com que a cabeça moldável de Rafe começasse a perceber e entender uma versão de vida paralela e completamente oposta da que viveu durante seus treze anos de existência.

- E então? Por que olha tanto para o céu? – Rafe perguntou mais uma vez,  olhando para V que colocava uma de suas pernas jogadas para o lado de fora da janela, como se não temesse a queda, na mente de Rafe, V não parecia temer nada.

- Antes eu olhava porque me imaginava transformando num pássaro e voando livre por toda essa extensão de tom azulado. – V falou sorrindo triste para como sua mente no passado, gritava por ajuda, mesmo que no silêncio de seus pensamentos.

- Eles lutam contra a força do vento para poder procriar e se manterem na existência, mesmo que não saibam porquê. Não é pacífico ou bom, você está romantizando uma batalha cruel da sobrevivência do mais forte. – Rafe falou olhando com outros olhos para o céu, que já estava começando a escurecer com a falta do sol que terminava sua rotação naquela parte da Terra. – O que te faz olhar agora? – Rafe perguntou voltando a olhar V.

V sorriu amargo para Rafe que se arrepiou com a expressão cruel do mais velho.

- Agora eu olho para me lembrar que não existe liberdade sem luta, nem paz sem guerra e que se eu quiser me manter são, eu preciso cravar meus pés no chão ao invés de querer voar para lugar nenhum.

Os dois se encararam como se mais ninguém pudesse compreender melhor aquilo do que eles mesmos, como se pertencessem à uma espécie separada e por isso entendiam a língua estrangeira que seus olhares jogavam em ambas as direções.

V desviou o olhar, tirando um cigarro do bolso sem se importar com a ordem que Suga lhe dera para não fazer na frente de Rafe.

- Quando eu tinha oito anos, meu pai morreu num acidente de carro e minha mãe mudou de cidade. – Rafe entrelaçou os dedos nervosos na calça jeans manchada de tinta. – ela não tinha dinheiro e por isso fomos morar com meu tio, irmão do meu pai.

V olhou para Rafe, parando mais tempo que o necessário na palma trêmula de uma das mãos que vacilavam entre apertar e relaxar no tecido grosso da calça.

- Foi ele quem te queimou de cigarro? – V perguntou dando um trago no seu cigarro enquanto apontava com a cabeça para a cicatriz na mão do garoto, ele tinha uma igual na coxa.

Rafe fechou a mão, como se pudesse esconder para sempre aquilo, mas suspirou desanimado depois de perceber que seu objetivo sempre foi desabafar com V, mesmo que tivesse demorado para perceber isso.

- Teve um dia de tempestade, em que você foi parar em casa. Você lembra? – Rafe perguntou vendo V acenar positivamente enquanto desviava o olhar. – Eu vi vocês durante a madrugada, o jeito que os olhos de Suga brilhavam era tão...

- Seu pai. – V falou o interrompendo.

- O que?

- Ele é seu pai, não devia chamá-lo de pai? – V perguntou curioso.

- Ele fez algum mal a você? – Rafe perguntou fechando suas pequenas mãos em punho.

V levantou uma sobrancelha para o menor, tentando não rir da situação.

- O que faria se eu dissesse que sim? – V perguntou finalmente rindo.

- O que fosse preciso. – Rafe falou travando os dentes.

- Seu pai salvou minha vida mais vezes do que posso contar. – V falou depois de um tempo de silêncio entre eles.

- Salvou? – Rafe perguntou confuso, sem saber se já devia relaxar as mãos ou não.

- É por causa daquele dia que você tem agido estranho com Yoongi ultimamente? – V perguntou o olhando de forma compreensiva quando Rafe concordou.

- Bem. Você não devia tratá-lo mal por isso, eu já teria enfiado uma bala na cabeça e estourado os miolos se não fosse pelo seu pai. – V falou jogando o cigarro pela janela e descendo da dobradiça para caminhar até a cozinha.

- Não sei se você deveria falar essas coisas para um garoto de quinze anos. – Rafe falou imitando V e sentando no balcão da cozinha para ver o maior preparar café.

V deu de ombros sorrindo travesso para o menor que devolveu com outro sorriso.

 Ele amava o sorriso de Rafe, lembrava muito os de Jungkook e de alguma forma, isso lhe causava uma sensação suave e gostosa ao invés de o sufocar de saudade como fazia antes.

- Por que? – Rafe perguntou depois de um tempo.

- Por que o que? – V se virou, vendo o garoto balançar os pés no ar enquanto batucava os dedos no mármore. Ele nunca ficava quieto, estava sempre em movimento.

- Por que você parecia gostar enquanto meu pai te machucava. – Rafe perguntou lembrando da cena de Suga puxando os cabelos de V na sala da sua casa.

V travou no meio da cozinha enquanto Rafe tirava o caderno de folhas amarelas que Suga havia dado a ele e que ele sempre carregava no bolso de trás do jeans ou dentro do moletom e começou a desenhar com o pequeno pedaço de carvão que ainda restava no seu bolso.

- Seu tio te batia? – V perguntou com naturalidade depois de voltar a se mexer com o barulho do apito da chaleira de água quente no fogão.

- Sim. – Rafe respondeu distraído com seu desenho, o que automaticamente o deixou à vontade para conversar.

- Quando ele te batia você se sentia um merda e queria mais que tudo que um raio caísse na sua cabeça ou na dele ou qualquer outra opção que fizesse aquilo parar? – V perguntou fazendo o pedaço de carvão de Rafe se despedaçar na folha amarelada do seu caderno velho.

Rafe encarou V que o entregou uma caneca de café com o cheiro de canela impregnando o ar.

Ele concordou com a cabeça enquanto aceitava o café de V.

- Vem, vou te mostrar uma coisa. – V falou, indo até a janela lateral da cozinha e subindo pela escada de incêndio até o terraço do prédio.

Rafe teve que se esforçar para não derrubar sua caneca de café e subir as escadas nada estáveis atrás de V, mas se V conseguiu ele também devia, afinal seu espírito competitivo nunca o deixaria desistir de um desafio imposto.

Ele já tinha chegado quase sem fôlego no terraço, mas teve que travar a respiração ao ver o enorme jardim, estilo japonês que tinha ali.

- Você quem fez? – Rafe perguntou admirado com as flores coloridas enquanto sentava num banco de ferro no meio do jardim, apontado por V.

- Seu pai me ensinou que a terra pode ser algo bom para relaxar a mente e acabou me ajudando a criar isso. – ele falou olhando para a pequena estufa de vidro, cheio de rosas brancas e vermelhas na lateral do terraço, com um sorriso triste no rosto.

- Quando você apanha de alguém por tempo o suficiente. – V começou a falar nos intervalos de beber seu café. – as coisas ficam diferentes. – ele deu de ombros para o próprio argumento.

- O que quer dizer com diferentes?

- É como se sua mente passasse por estágios. Primeiro você odeia passar por aquela humilhação, você odeia sentir dor, você não entende como ninguém te ajuda ou o que você fez para merecer aquilo.

Rafe concordou, familiar com o sentimento.

- Depois você começa a torcer por um milagre, como criar forças do nada e mata-lo ou que você simplesmente pudesse fechar os olhos e aparecer em outro lugar. – V sorriu para Rafe, tentando ganhar tempo para continuar, já que era algo difícil para ele também.

- O que acontece depois?

- Você tenta fugir.

- Foi o que eu fiz. – Rafe falou extasiado por ter alguém que o entendia, já que nunca tinha contado aquilo para ninguém, além de sua mãe que achou que ele estava mentindo para conseguir atenção ou algo assim, porque o homem bom que a acolheu nunca faria algo assim a eles.

- A força que você precisa criar para fugir é imensa Rafe, eu admiro você por ter feito isso tão novo. – V falou tocando nas mãos do menor que a afastou imediatamente, assustado.

V não se ofendeu, ele entendia.

- Eu não tive essa força, ela foi arrancada de mim. – V falou voltando a se encostar no banco, de uma distância segura de Rafe, o fazendo relaxar ao perceber o gesto de V.

- Se você não tivesse fugido, provavelmente chegaria a essa próxima fase, fico feliz que não tenha, no entanto. – V falou pensativo.

- Você não conseguiu fugir? – Rafe perguntou tomando o resto de seu café já frio e pegando o caderno para fazer novos rabiscos em uma folha limpa.

- Jimin tentou me ajudar, mas de alguma forma depois que os deuses não vieram jogar raios em cima dele para mim, eu comecei a suportar a dor, a não temê-la. – V deu de ombros. – Eu sentia minha mente vagar para um lugar seguro, eu definitivamente sentia dor, mas ela não me incomodava mais como antes.

Rafe parou com os rabiscos olhando para o maior. 

Rafe não sabia se V o ignorava ou se não estava mais ali para perceber seu olhar questionar em cima dele.

 V parecia em transe, preso num momento do passado. Rafe reconheceu aquele olhar e tentou passá-lo para o papel mais uma vez.

- E depois que você aprende a suportar os abusos, você meio que usa eles para jogar sua raiva no mundo, como pessoas fazem com o Boxe, tae-kwon-do ou sei lá, ioga, só que de uma forma inversa.

- Você está dizendo que passou a gostar? – Rafe perguntou surpreso.

- Não, mas passei a usar como forma de esquecer meus problemas. – V respondeu finalmente saindo de seu transe e voltando ao presente.

- O que meu pai tem com isso? – Rafe perguntou sem perceber que tinha voltado a chamar Suga de pai de novo.

- Ele me afastou da pessoa que me fazia mal de uma forma assustadora se quer saber. – V falou rindo do nariz enrugado do menor. – E Jimin parece um santo, mas é assustador quando quer. – V completou.

- Disso eu não tenho dúvida, ele jogou toda minha aquarela na chuva uma vez, só porque eu não tinha ouvido ele me chamar para o almoço, tipo várias vezes seguidas. – Rafe falou revirando os olhos mais uma vez.

V riu por se identificar com a indignação do mais novo.

- Eu não queria ser salvo, porque estava entupido de problemas e já tinha me viciado em tira-los da cabeça sentindo dor e humilhação, então seu pai me apoiou e tentou me compensar de alguma forma, até que eu conseguisse ver sozinho que precisava de ajuda. – V falou tremendo um pouco com o vento gelado de começo de noite batendo no seu corpo quente por causa do café.

- O que ele fazia?

V puxou o ar, soltando com tudo enquanto tentava colocar em palavras o sentimento.

- Ele tentava me tirar do poço e quando não conseguia ele entrava no poço comigo e ficava lá até eu me sentir pronto para sair e voltar a realidade.

Rafe revirou os olhos mais vez fazendo com que V pensasse se não era uma mania do garoto.

- Sem analogias Taehyung. O que ele fazia?

- Ele usa os comandos de voz nos quais eu fui acostumado a receber enquanto apanhava e parece cruel e estranho, mas me acalma quando minha mente não consegue lidar com o racional e quando não é o suficiente ele me obriga a voltar à realidade. – V falou olhando Rafe de maneira agressiva, deixando claro que ele não conseguiria arrancar mais nada de V.

- Você fala no presente como se ele ainda fizesse. – Rafe resmungou, abusando da sorte teimosamente.

V sorriu para aquilo. O garoto estava crescendo igual seu irmão.

Que Deus ajude a humanidade a aguentar mais um Agust D na Terra!

- Eu falo assim porque sei que ele sempre estará aqui para me proteger e me ajudar a superar meus medos, mas é algo do meu passado e é bem raro de me atormentar, porém...

V levantou puxando aquele ar fresco, com aroma de flores distintas.

- Porém, faz parte de você. – Rafe terminou a frase sem olhar para o mais velho pegando as canecas vazias quando entendeu que iam voltar para o apartamento.


- O garoto quer mais daquela tinta velha. – V falou quando Suga entrou no apartamento, vindo do estúdio de música para buscar Rafe e leva-lo para casa.

Suga enrugou a testa se aproximando de V em pé no meio da sala, com os pés vacilantes e o olhar vago.

- Você está bem irmão? – Suga encostou a mão cheia de anéis no rosto de V que se inclinou para o toque quente e familiar.

- Ele também precisa do Robert. – V falou lembrando o quanto seu psicanalista virou seu aliado, principalmente depois que começou a ajudar no projeto de aconselhamento psicológico da ONG que V tinha criado.

Suga se afastou comprimindo a boca pelo nervosismo recém instalado no estômago.

- Por que ele precisaria do seu psicanalista?

V deu de ombros.

- Ele me ajudou quando ninguém mais pôde.

- Não. – Suga falou tentando não gritar. – Eu te ajudei quando ninguém mais pôde. – Ele falou furioso.

V o olhou com os olhos brilhando em excitação, fazendo com que Suga tossisse e arrumasse a postura ao perceber o que estava acontecendo.

- Ele sofreu abusos e não é como se você fosse o profissional no assunto porque conseguiu me ajudar, nós morávamos há dez anos juntos e eu confiava em você mais do que confiava em mim mesmo, não é o mesmo caso. – V falou com a voz rouca, tentando conter o que seu corpo achava que precisava de Suga.

- Ele contou tudo isso para você? – Suga perguntou olhando nervosamente para o corredor, para que o garoto não os pegasse sussurrando sobre ele.

V concordou com a cabeça, ainda um pouco perdido em pensamentos.

- Por que? – Suga perguntou com um pouco de ciúmes transparecendo na voz.

- Acho que um fodido sabe reconhecer o outro. – V falou rindo de um jeito amargo enquanto Rafe surgia na sala com sua mochila nas costas e algumas folhas que V sabia ser A0, na mão.

- Eu preciso limpar o quarto já que você se recusa a entrar lá, então posso vir mais cedo amanhã? – Rafe perguntou distraído com o celular nas mãos.

- Não. – Suga respondeu fazendo Rafe tirar os olhos da tela.

- Você não entra no estúdio? – Suga perguntou preocupado.

- Por que não Taehyung? – Rafe perguntou indignado.

- Eu tenho reunião com a Gucci, - V respondeu sério.

- V-ssi, por que não entra no estúdio? – Suga tentou mais uma vez, ja que da primeira  o mais novo não respondeu.

V sorriu, inclinando o rosto para o lado, o que fez com que, de alguma forma, Suga soubesse o que era, tocando em seu ombro como forma de apoio.

V suspirou quase ronronando com  o toque firme de Suga em seu ombro. 

Suga afastou a mão de V, sorrindo sem graça para o irmão.

Rafe entortou o nariz ao ver uma cena tão íntima entre os dois, ele entendia melhor agora, mas não conseguia deixar de sentir ciúmes. V era o ser humano mais lindo que Rafe já tinha visto andar na Terra e Suga era casado com seu pai, não cabia em sua mente o fato de Jimin não ter o menor ciúmes de V, afinal eles se chamavam de irmãos o tempo todo, mas Rafe só conseguia ver várias pessoas que moraram juntos por muito tempo e pareciam íntimos demais um com o outro, ele tinha vindo de fora daquele ambiente, então era tudo muito estranho para ele, mas seus tios e seus pais pareciam ter criado uma bolha ao redor da família e nunca repararam o quão estranho parecia quando eles começavam a se falar com o olhar, dormirem abraçados ou obedecer a RM em tudo, era confuso para Rafe.

- Eu posso ficar sozinho até você voltar. – Rafe falou no meio do silêncio pesado entre eles.

- Absolutamente não, você é muito novo para ficar sozinho. – Suga falou nervoso.

Rafe revirou os olhos bufando enquanto cruzava os braços.

- Por mim tudo bem. – V respondeu fazendo o mais novo abrir um sorriso genuíno.

- Não me desautoriza na frente do meu filho. – Suga falou bravo.

- JHope está de folga amanhã, vou pedir para ele olhar o garoto. – V falou tentando não olhar para Suga, exatamente por ainda estar nervoso.

- Hoseok é muito barulhento. – Rafe falou negando com a cabeça.

- Para de chamar todo mundo pelo nome, usamos apelidos nessa família e é o Hobi ou seu irmão, escolhe. Ah! E não pense que eu não sei  que é você que coloca  o gato no jardim e fecha a porta– Suga falou beijando o rosto de V e pegando a mochila das costas de Rafe para irem embora.

-O gato peteca meus pincéis e come tinta. - Rafe gritou indignado.

- Se despede do seu tio. – Ele falou já da porta.

- Me dá uma cópia da chave? – Rafe pediu enquanto apertava as mãos de V para ir.

- Eu tenho a chave. – Suga gritou do corredor adivinhando a pergunta de Rafe.

- Você nunca fica aqui de fim de semana e tem essa garota... – Rafe começou, mas não soube bem como terminar.

- Nem pensar garanhão. – V falou rindo do mais novo que ia embora batendo os pés  no chão agressivamente, antes de bater violentamente a porta do apartamento.

- O que acha da nossa proposta senhor Taehyung? - A CEO da Gucci perguntou para V, depois de explicar que o queria responsável pela nova coleção de inverno da Gucci.

Eles estavam na imensa mesa redonda, lotado de pessoas que V sabia que que eram importantes, apesar de não reconhecer nenhuma delas. Seu chá já tinha esfriado e a conversa no terraço do seu apartamento com seu sobrinho Rafe o tinha despertado para algo que não havia pensado antes.

- Eu sempre quis trabalhar com vocês um dia. - V falou vendo a empresária abrir um sorriso animado. - Mas, eu já tenho a ONG que cobre boa parte do meu tempo. Eu posso participar dessa coleção sem problemas, se vocês aceitarem meus termos. - V falou com sua voz grave, baixa e imponente, fazendo todos ficarem estáticos para que conseguissem ouví-lo.

A mulher enrugou o queixo desgostosa com a exigência, mas fez um movimento com as mãos para que ele continuasse.

- Eu quero que as roupas não tenham classificações gênero, nada de feminino ou masculino, que sejam apenas roupas com tamanhos diferenciados e com algumas opções que variam a peça, entre larga e apertada, coisas assim.

- Como botões ou cordões? - uma assistente falou ao interromper as próprias anotações aceleradas.

V concordou com um sorriso, gostando automaticamente da garota.

- Isso é complexo e parece mais um movimento, nós só o queremos para uma coleção. - a empresária falou distraída.

- Não. Vocês me querem porque eu sou um dos nomes mais falados no mundo, graças à minha carreira, meu projeto na ONG e principalmente minhas conexões. - V falou tomando seu chá frio. - A Gucci está três pontos atrás nas vendas semestrais e vocês acham que com a mídia e os fãs que eu carrego por onde passo, possa fazer com que esse número suba. - V terminou inclinando para mesa e olhando direto nos olhos da mulher que sorriu amargo para a recém descoberta da inteligência de V.

A CEO se recostou na cadeira, depois de ver que mesmo que recusasse o garoto, que até então ela pensava ser só uma carinha bonita, seus associados iriam votar à favor de qualquer forma, então não é como se tivesse uma escolha.

- OK, mas eu escolho os modelos e a cara principal que vamos expor nos layouts. - a mulher falou não aceitando perder e um pouco furiosa por se curvar para uma criança.

V deu de ombros sorrindo debochado para a mulher que tinha acabado de se dobrar em suas mãos.

Ele se recusava a posar como modelo e todo mundo sabia disso, o que ninguém sabia é ué V amava fazer isso, mas não podia por causa das cicatrizes que carregava no corpo.

- Por mim tudo bem, mas eu quero ela. - V apontou para assistente de antes que agora sorria animada para ele.

Ele praticamente parecia uma criança mimada exigindo tudo da maneira dele, mas ele foi usado por tempo demais, não aceitaria se rebaixar para mais ninguém e que se foda se aquilo o deixava parecendo um esnobe.

A mulher bufou enquanto concordava com a proposta sem olhar para V.

- Ótimo. - V respondeu se levantando da mesa e abaixando 90º Graus respeitosamente para cumprimentá-los antes de sair.

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