I'm What's Inside Of Me
A primeira coisa que eu aprendi com essa vida que venho levando por mais da metade da minha existência, é que nada é o que parece.
Se você quer sobreviver em um mundo que não conhece, você precisa primeiramente Ignorar seus sentidos. Não confiar em ninguém.
O que você vê, o que ouve, o que as pessoas dizem a você, o que você acha que lembra, nada disso é digno de confiança.
- O que eu deveria fazer então? - Robert perguntou para V, que fumava um cigarro feito de seda dentro do escritório limpo e imaculado de forma quase estéril.
V sentou no sofá de veludo onde estava deitado e sorriu torto para o psicanalista, apagando o cigarro na folha de caderno que Robert deveria fazer suas anotações.
- Você é o psicanalista, não deveria ser você a me dar conselhos ao invés de recebê-los? - V se levantou para admirar a enorme janela que dava para o centro comercial logo abaixo.
- Se quisesse me aconselhar. O que diria? - Robert perguntou se levantando para ficar em pé ao lado de V.
- Eu sempre tive três regras básicas na cabeça.
- Quais são?
V sorriu mais uma vez para Robert.
- Deixe essa experiência tomar conta de você. - V falou baixo e grave. Seu corpo estava reto, porém relaxado, as mãos nos bolsos de um Smoking Branco feito sob medida, os cabelos escovados para trás em um castanho loiro, sua boca parecia seca, o que era provavelmente o motivo dele passar a língua nos lábios várias vezes.
Robert balançou a cabeça ligeiramente, tentando afastar seus pensamentos totalmente inapropriados em relação a V.
- O.. o que mais…quero dizer, faltam mais duas regras, certo ? - Robert gaguejou, mesmo após tentar não demonstrar vulnerabilidade.
- Absorva tudo, como um esponja. - V falou o olhando de canto de olho.
Robert tremeu com o olhar maldoso de V.
- Não se sinta mal por me admirar, - V se aproximou, ficando a centímetros do doutor, para sussurrar em seu ouvido. - Ou por ter sonhos molhados a noite comigo. - ele riu no ouvido de Robert ao perceber que ele ficou tenso, porém não vacilou com a posição superior.
- Por que não se importa ?
- Não disse que não me importo. - V apontou para cidade fazendo Robert olhar mais atentamente a agitação abaixo deles. - Eu fui criado por eles, fui criado para ser esse objeto sexual que nasceu para afastar as mentes perturbadas de suas vidas rotineiras e insatisfatórias.
Robert concordou com a cabeça, notando que V não falava com rancor, ele parecia realmente entender o fato de servir de distração para uma sociedade problemática, ele parecia gostar disso inclusive.
Ele se virou para sair do escritório, assim que seu celular começou a tocar, avisando que a sessão tinha acabado.
- Falta sua última regra. - Robert falou às pressas, antes que V saísse, já que estava com os pés na porta aberta pronto para ir.
- Não espere nada de ninguém, Só assim estará preparado para qualquer coisa. - V falou fechando a porta atrás de si sem se despedir.
V entrou na limusine que o aguardava, sorrindo por encontrar Yeol no banco ao lado motorista.
- Yeol, é muito bom te ver. - V falou sorrindo torto para o segurança.
- Bom te ver também Sr. - Yeol respondeu fechando o vidro filmado que os dividia, o deixando sozinho.
Yeol ainda trabalhava para HIT e era por isso que ele foi buscar V.
HIT estava se aposentando e passou seu legado para RM, que seguiria como CEO da empresa a partir dali e é claro que ele sempre arranjaria um motivo pra fazer uma festa de gala para comemorar qualquer coisa, então V estava indo para uma dessas exatamente agora.
Pelo seu irmão, por RM que seria anunciado como representante legal da firma durante o jantar.
...
Eles estavam sentados todos juntos numa mesa redonda, com um arranjo estranho no centro.
V vestia um smoking branco, no meio de vários pretos e cinzas, então era o destaque de atenção em vários momentos.
Ele sentiu o quanto Suga o olhava atônito com o excesso de atenção que recebia, provavelmente com medo de que ele surtasse ou algo assim, mas V sabia melhor que isso.
Depois daquela noite em seu apartamento, Jungkook se afastou por completo dele, sem dizer nada ou pelo menos xingá-lo antes de partir.
Suga agora sabia sobre Woo, mas também não falou nada, não parecia ter tomado nenhuma atitude precipitada ou qualquer coisa que chegasse ao seu conhecimento.
- Como se sente? - JHope perguntou ao seu lado, ainda um pouco inseguro em tocá-lo.
O mais velho sempre “falava com as mãos”, então era uma missão complexa para ele não fazê-lo.
- Já ouviu falar de regressão à mediocridade? - V perguntou, vendo Jungkook chamar IU para uma dança, não muito distante deles.
Ela vestia um vestido solto e leve, de um azul claro que lembrava o céu em seu melhor dia. Jungkook sorria para ela com carinho e admiração, ela parecia tímida, porém confiante ao mesmo tempo.
- Não. O que quer dizer? - JHope perguntou olhando para onde V olhava sem fazer nenhum comentário.
- Quer dizer que a vida não pode ser só ruim ou boa. Tudo volta ao meio antes que se reinicie o ciclo. - V falou sem conseguir desviar seu olhar do mais novo na pista de dança.
- Está preocupado que nada nem bom, nem ruim esteja acontecendo? - JHope perguntou encostando as pontas dos dedos nas mãos de V sem conseguir segurar o impulso.
- O problema de estar no meio dessa balança é que você sabe que em algum momento ela vai pender para um lado. - V falou abrindo a boca de leve para soltar o ar sem que parecesse um suspiro.
Jungkook parecia um anjo, o sorriso gentil, o olhar predatório, porém inocente, os lábios finos brilhavam enquanto tocavam uma na outra durante as palavras que ele preguiçosamente pronunciava.
- As coisas podem voltar a ficar ou boas. - V começou, mas foi interrompido por ser pego encarando o menor.
- Ou muito ruins. - JHope falou vendo que Jungkook encarava V durante a dança.
Os dois se olhavam ininterruptamente, sem se importar com a intensidade ou o tempo.
Fotógrafos se aproximaram da pista de dança, tirando fotos específicas do casal que fingia ignorá-los. IU se afastou um pouco de JK depois de aparentemente falar algo em seu ouvido porque a próxima atitude de Jungkook foi confirmar algo.
Ela o segurou pelo pescoço, suas luvas claras contrastavam com os cabelos negros de JK. V achou linda a luz do anel de diamantes no dedo da garota, brilhar entre seus fios negros e finos.
Ele travou as mãos na cadeira, tentando esconder seu ciúmes, apesar de não conseguiu não olhar.
Jungkook se inclinou para beijá-la, o beijo era doce e gentil, mas o olhos grandes e apaixonados do menor estavam em V.
V endureceu nervoso com aquela atitude, tinham câmeras demais para JK fazer uma coisa tão explicitamente cruel e vulgar.
Seu rosto ficou vermelho e quente, o forçando abaixar a cabeça enquanto tentava respirar.
- Wow. Isso foi interessante. - JHope falou rindo nervoso com a situação.
V estava pronto para olhar Jungkook mais uma vez, já que parecia um pouco mais calmo, mas quando levantou a cabeça sua visão estava bloqueada, por um garoto tímido que se remexia nos próprios pés enquanto sorria com os lábios trêmulos na direção de V.
- Jihoon - V falou grave e dominante, assustando sem querer o garoto.
- Desculpa atrapalhar. - Ele falou soltando a risada em forma de uma respiração nervosa.
- Posso ajudar? - V perguntou sorrindo de lado para o garoto que arregalou os olhos em expectativa.
- Pensei que talvez pudéssemos dançar, já que te devo uma dança. - ele falou tímido.
Era preciso muita coragem para Jihoon fazer o que estava propondo.
Sim o mundo evoluiu bastante, mas não o suficiente para que não gerasse notícias o suficiente por pelo menos uma semana sobre dois caras dançando numa festa tradicionalista no palacete comercial da indústria da música.
- Eu adoraria. - V falou se levantando da mesa.
“A primeira coisa que eu aprendi com essa vida que venho levando por mais da metade da minha existência, é que nada é o que parece”.
- Você está bem? - V perguntou ignorando a mão suada e trêmula de Jihoon respondendo sua pergunta.
Jihoon concordou com a cabeça tropeçando nos próprios pés. V o segurou de maneira ágil e eficaz, voltando a dançar com o menor, dessa vez liderando os passos e a velocidade da dança, que não tinha nada relacionado com a que tocava no momento.
- Você fica cada vez mais lindo. - Jihoon falou rindo enquanto engasgava algumas palavras.
- Você que é educado demais para ver por baixo de toda a maquiagem. - V sussurrou perto de seu ouvindo, o garoto amoleceu no corpo de V, que precisou aplicar mais força para apoiá-lo.
- Você não me ligou. - V sorriu depois que Jihoon o olhou como se tivesse levado bronca. - Eu gostaria de pensar que foi porque não precisava, mas o modo que enrijece o corpo antes de encostar as costas no assento me diz o contrário.
Ele sorriu tímido para V.
- Ele não gosta da sua ausência, fica irritado fácil, mas acho que já está superando - ele falou defendendo Woo.
- Você está ajudando-o e sem você nada seria possível, certo? - V perguntou notando Jihoon o olhar espantado.
- Quando eu o conheci ele tinha tido um outro garoto, ainda mais novo que eu. O menino foi embora para a América do Norte e o abandonou. Bom! Pelo menos segundo o que ele disse. - V sorriu doce para Jihoon, acariciando a lateral dos seus cabelos de forma sutil. - Eu achava que o ajudava, fazendo todas as coisas que ele queria e talvez eu realmente tenha ajudado. - V olhou para o menor que quase chorava por receber carinho do maior.
- Isso é bom, não é?! - Jihoon perguntou confuso.
- Não sei exatamente, pequeno.
Jihoon sorriu com o apelido, respirando profundamente antes de finalmente parecer calmo.
- Eu não quero te ver machucado. - V falou realmente preocupado com o menor.
- Eu vou ligar. - Jihoon falou abruptamente, com os olhos esperançosos por fazer algo que pudesse agradar V.
- Eu sei que vai. - V falou sorrindo triste para ele.
…
RM estava incrível e deu um discurso digno do líder que sempre foi e sempre será.
V estava sentado na mesa com os meninos, sorrindo distraidamente, quando alguém tocou em seu ombro, tomando sua atenção.
- Vem comigo. - Suga falou, vendo V enrijecer ao toque de suas mãos.
- Tae esse é Maddy. - Suga apontou para um garoto tímido, porém muito bonito que o olhava com certa devoção.
- Prazer em conhecê-lo. - Maddy falou acenando meio tímido.
V sorriu em resposta, acenando com a cabeça
- Quero que vá para a casa dos seu país hoje, eu comprei um carro para você. - Suga falou colocando as chaves de uma Ferrari em suas mãos.
- Adoro ganhar presentes, mas já tenho um carro. - V falou um pouco tímido.
- Maddy achou todo tipo de rastreador possível naquele carro.
- E um grampo. - Maddy falou tentando soar efetivo em seu trabalho.
- E por que quer que eu saia da cidade? - V perguntou, não se impressionando nem um pouco com as descobertas de Maddy, não é como se ele não desconfiasse disso. Woo nunca deixava pra trás alguém que ele achava pertencer a ele e ele não estava falando no sentido poético da frase.
- Não quero que só saia da cidade, quero que vá visitar sua família, tente esquecer toda essa merda que te rodeia. - Suga falou irritado fazendo V tremer com o som de sua voz.
Suga se aproximou o pegando pelos cotovelos para afagá-lo em seguida.
- Desculpa, não quis ser rude. - Suga falou beijando V no rosto.
- Vou me despedir dos meninos e vou. - V disse vendo Suga negar enquanto ouvia.
- Não, você precisa ir agora. - Suga falou, lembrando que Maddy constatou que V estava sendo seguido não virtualmente também.
V concordou com a cabeça sem questionar.
Eles foram juntos ao estacionamento, ignorando a irritação do frentista por não precisar trabalhar.
V destravou o carro com o controle que estava em suas mãos para poder identificá-lo no meio de vários outros, mas a visão de uma 812 superfast preta sendo destravada tinha um novo teor de excitamento.
- Quer mesmo que eu dirija uma autoestrada sem limite determinado com essa besta? - V perguntou alisando o carro com a ponta dos seus dedos e um sorriso largo no rosto.
- Confio em você irmão. - Suga falou sorrindo pela empolgação de V com seu novo brinquedo.
V se aproximou e abraçou Suga que não esperava pelo afeto repentino.
- Também confio em você. Seja lá o que for fazer que é necessário o meu distanciamento, faça. Só não o machuque. - V falou ameaçadoramente em seu ouvido o arrepiando dos pés a cabeça.
V podia até estar quebrado, sensível e levemente instável, mas ainda era o Taehyung que ele conhecia e uma coisa que ele tinha de sobra era o instinto aguçado e o costume de cumprir com o que prometia.
Suga concordou com o pedido de V, mesmo que não tivesse intenção alguma em cumprir.
- Dirija com cuidado. - Suga pediu, vendo V o olhar com um sorriso travesso impresso em sua retina, capaz de criar rugas no canto dos olhos, te dando a impressão de que ele realmente sorria, mesmo que definitivamente não fosse o caso.
- Cuidado você também. - V entrou no carro abrindo os vidros assim que Suga se aproximou e encostou as mãos na janela aberta.
- Outra coisa. Tinha mesmo que ser a porra do governador? - Suga perguntou se afastando assustado, pois V saía com o carro, deixando pra trás sua risada alta e espontânea causada pela pergunta do mais velho.
…
- Oi Papa. - V falou deitando no peito do seu pai ao abraçá-lo forte e necessitado.
- Sua mãe ficará tão feliz quando souber que veio. - Seu pai deu alguns tapas no rosto de V animado com a presença do filho, o guiando para dentro da casa.
- A mãe não está em casa? - V rodeou o sofá, analisando as fotos antigas expostas na prateleira junto com alguns livros e revistas.
- Sua mãe foi na feira comprar algumas coisas para o almoço, por mais que você pague para fazerem praticamente tudo por nós, sua mãe se nega que outra pessoa escolha suas verduras.
V sorriu com a visão da sua mãe indignada com os empregados.
- Sim, ela adora fazer isso. - V falou distraído enquanto acariciava um quadro contendo uma foto de sua infância.
- Sua mãe ficou indignada por você saber andar de salto alto melhor que ela. - Seu pai falou apontando com a cabeça para a foto de V numa passarela, vestido de Drag Queen.
- Ela adorou fazer minha maquiagem no entanto. - V pegou o porta retrato suspirando triste.
- Eu tive tanto orgulho de você aquele dia. - Seu pai falou indo ao lado de V para admirar a foto.
V limpou as lágrimas antes que caíssem desmedidas.
- Sinto falta da infância. - V falou sorrindo quando o pai se preocupou com a fragilidade do filho.
- Todos sentimos, a infância é tão mais fácil. - Seu pai disse olhando para a foto com carinho.
[Uma parte na infância de Taehyung]
Tae estava terminando de colocar o caderno dentro da sua mochila quando sua amiga Sook gritou por ele da porta da sala.
- O que aconteceu? - Tae perguntou sorrindo da cara apavorada da garota.
- Os meninos do vôlei estão perturbando meu amigo de novo.
Tae perdeu o sorriso enquanto era puxado pelas mãos pequenas de Sook até o meio do pátio de recreação. Ele odiava que alguém se machucasse e já tinha ajudado algumas pessoas no decorrer do ano de escola, visto que só ele podia colocar algum senso na cabeça de Lee, o garoto mais encrenqueiro da escola.
O garoto que Sook chamou de Kwan estava deitado no chão, sendo chutado pelo capitão do time de vôlei.
- Lee que merda cara. - Tae falou sentando ao lado do menino no chão, esticando o braço sobre o garoto para protegê-lo.
O negócio era que Tae era muito famoso na escola e ninguém ousava mexer com ele, não porque tinham medo dele, mas simplesmente porque ele não se importava e as meninas nunca mais olhariam na sua cara se você fizesse algo que o prejudicasse. Ele era chamado de príncipe de Alice, porque parecia um príncipe de conto de fadas e porque não podia vir de outro lugar que não fosse o país das maravilhas, porque ele era estranho e fazia maluquices o tempo todo.
Kim Taehyung sempre foi diferente de todos, mas o que mais impressionava era o fato de que ele não abusava desse Status de Principezinho em nenhum momento.
Ser amigo dele sempre foi algo desejado por todos no entanto, principalmente pelo fato de que Tae era rodeado de garotas e vivia na casa delas.
O que ninguém sabia é que ele ia na casa das meninas dançar de salto alto, fantasiado com óculos de coração e chales de penas falsas. Quando não estava brincando com Barbies e fazendo contos lésbicos entre a Barbie e a Nancy, estava ensinando a como jogar vôlei ou chamar a atenção de garotos.
- Não tô fazendo nada, foi o garoto que começou. - Lee falou apontando o dedo para o garoto deitado encolhido no chão.
Tae olhou para o menino de olho roxo que implorava para ele não deixá-lo sozinho com Lee.
- O que ele fez? - Taehyung perguntou entediado enquanto pedia a lata de refrigerante de uma pessoa aleatória na roda que ficava cada vez maior com o tempo.
O garoto deu a coca para Tae, só pelo fato dele ter apontado para o objeto.
O pai de Tae sempre o fez acreditar que você não precisa ter confiança para demonstrá-la. Talvez fosse por isso que seu sonho sempre foi ser ator, ele adorava fingir ser o que não era, o tempo todo.
- Ele tentou me espiar no mictório do banheiro e isso é realmente nojento. - Lee olhou feio para os que riram ao seu redor, cessando a risada assim que identificou algum dos rostos.
- Feche o olho. - Tae pediu para o garoto, apontando o olho roxo que já estava fechado pelo inchaço.
- Isso é sério ? - O garoto perguntou por causa da piada de mal gosto de Tae, mas sorriu um pouco dolorido com a cara engraçada que o maior fazia em resposta.
Lee olhou para o chão onde Taehyung colocava uma lata de refrigerante gelado nos olhos do garoto.
- Eu não ligo para o quanto é estrelinha aqui, se não se afastar agora, as coisas vão ficar feias para o seu lado. - Lee falou todo gângster para Taehyung que o ignorou por completo.
Lee estava prestes a chutar o rosto de Tae, quando um “O que está acontecendo aqui?” , Foi ouvido a distância e todos dispersarem incrivelmente rápido.
- Tudo bem Taehyung? - A professora de matemática perguntou, olhando a cena com receio, obviamente não querendo se meter em complicações.
- Tudo certo professora, ele só caiu. - Tae falou sorrindo quadrado para professora que o agradeceu com os olhos por não envolvê-la em brigas de criança.
Tae se perguntava o que uma professora que não gosta de adolescentes fazia numa escola cheia delas, mas seus pensamentos voltaram para o presente quando mãos delicadas encostaram em seu braço, o usando de apoio para sentar.
- Obrigado. - O garoto falou um pouco tímido.
- Taehyung. - Tae falou bebendo um pouco da coca que tinha nas mãos.
- Kwan. - O garoto falou ao mesmo tempo em que o sinal do fim do intervalo tocava.
- Tá afim de pular o próximo período? - Tae perguntou limpando o uniforme a medida que se levantava e dava a mão para Kwan fazer o mesmo.
- Claro. - Kwan vacilou com as palavras, deixando claro que nunca havia feito algo assim antes.
- Então me siga. - Tae sussurrou alto, como se falasse um segredo, com uma das mãos em concha ao lado da boca.
- Sempre vem aqui esse horário? - Kwan perguntou se balançando ligeiramente no balanço do parque de diversão da escola primária ao lado do prédio deles.
- Que? Não eu tenho aulas nesse horário. - Tae falou rindo travesso para Kwan que estava em dúvidas se acreditava ou não naquela afirmação.
- Você tá ferrado com Lee agora. - Kwan falou assustado, mexendo com os pés na área que rodeava o parquinho.
- Não devia ter me salvado.
- Acha que não vale a pena ser salvo?
Kwan deu de ombros desanimado.
-Você olhou mesmo para o pau dele?
Kwan parou de brincar com a areia arregalando os olhos para o sorridente Tae.
- O que? Fiquei curioso. - Taehyung falou fazendo os dois caírem na risada.
- Não parece ter valido muito a pena agora. - Kwan falou fazendo Taehyung arregalar os olhos dessa vez.
- Oh! Deus, eu salvei um pervertido. - Tae levou um soco de brincadeira no ombro.
Ele fez um “Aí ai” fingindo sentir dor enquanto massageava o local e fazia um bico fofo.
Kwan estava prestes a pedir desculpas, mas foi interrompido pelo som da risada alegre do maior.
- Da próxima vez que for dar em cima de alguém, tente começar pelos olhos e só depois desça para as partes cobertas. - Tae falou levando outro tapa antes de conseguir se desviar.
Eles correram pelo parque todo, tentando pegar um ao outro por motivo nenhum, mas pararam quando gotas de chuva caíram por seus ombros avisando que uma nuvem carregada de água gelada estava acima de suas cabeças
- Vamos embora? - Tae pediu, limpando a areia da roupa.
- Minha mãe me mata se eu chegar cedo em casa.
- Vamos para minha então.
- Seus pais não ligam?
- Só tá minha vó em casa agora e ela adora quando eu enfrento o sistema. - Taehyung falou orgulhoso, empinando o nariz ao falar de sua avó.
- Então vamos. - Kwan respondeu rindo do momento de orgulho de Tae.
…
- Estão vestidos? - A avó de Tae perguntou antes de abrir a porta.
- Só um momento. - Tae gritou, abrindo a janela às pressas para a fumaça do cigarro que eles fumavam escondidos sair.
Tae tinha achado um maço de cigarro dentro de um vaso velho de plantas e o roubou para experimentar, só que não queria fazer sozinho e nenhuma de suas amigas toparam porque achavam o cheiro nojento.
- Trouxe cookies e leite. - A avó de V falou entrando no quarto quando o seu neto gritou a permissão.
- Obrigado Vó. - Tae falou sorridente para o olhar analítico da mulher.
- Também liguei para escola avisando que fui buscar vocês no intervalo, pois se feriram numa briga entre gangues.
- Vó. - Tae gritou, rindo da sua avó.
- Fiquei pelo menos meia hora falando sobre montar uma reunião com as vigilantes do bairro para discutir sobre uma mudança drástica na direção da instituição.
- Eles caíram? - Kwan perguntou rindo da senhora simpática enquanto comia um cookie quentinho.
- Bom! Não sei, mas eles definitivamente esqueceram que vocês saíram sem a autorização da escola. - A avó falou piscando para o neto que sorriu orgulhoso da mulher.
- Obrigado vó. - Tae falou amoroso.
- Não me agradeça ainda. - A mulher falou estendendo a mão na direção do neto que olhou confuso por um instante.
Ele estava prestes a fingir ignorância e inocência, mas foi barrado ao olhar para os olhos afiados de sua avó.
Tae suspirou desanimado enquanto tirava o maço de cigarro de baixo do colchão e colocava em suas mãos.
- Bom lanche meninos. - A avó falou antes de fechar a porta.
- Você acha que ela vai contar para o seu pai ? - Kwan perguntou preocupado minutos depois do ocorrido.
- Acho que foi ela que escondeu no vaso do jardim, só ela vai lá atrás. - Tae falou antes de tomar um bom gole de leite.
- Acha que os cigarros são dela? - Kwan perguntou abismado colocando a mão na boca para o som alto não atravessar a porta.
- E se ela o escondeu, temos um interesse mútuo em manter meu pai fora disso. - Taehyung falou se sentindo o detetive mais esperto do mundo pela conclusão.
Kwan e Tae viraram melhores amigos da noite para o dia. Eles desbravaram a floresta atrás da casa de Kwan que a família do garoto erroneamente chamavam de “a mata do quintal que precisava capinar”. Fizeram fogueira num latão de tinta seca com a ajuda da avó de Tae. Se vestiram com vestidos da mãe de Taehyung. Acamparam entre lençóis no quarto, enquanto falavam dos nomes das estrelas que acharam num livro de astronomia jogado no sótão que pertenceu ao avô de Kwan. Comiam, brincavam e estudavam juntos.
Eles descobriram juntos o que era bater uma punheta, depois de uns mangás um tanto quanto explicativos do irmão mais velho de Kwan e se apaixonaram por fotografia depois de arrumar uma Polaroid velha da avó de Taehyung.
As coisas para Tae pioraram muito na escola. A ponto das meninas não quererem mais brincar com ele, Lee o espancar já duas vezes e as notas caírem de maneira alarmante.
Ele mal reparou nisso tudo acontecendo com sua vida, pois tinha Kwan ao seu lado para rir de cada situação.
Tudo pareceu desmoronar com o sumiço do seu amigo no entanto.
Kwan não aparecia há três dias na escola e dizia para Tae não ir até sua casa porque estava com virose e não queria que o mais velho pegasse.
Tae não acreditou muito e já estava de saco cheio de obedecer a Kwan.
Ele estava a mais de meia hora batendo no portão de ferro da casa de Kwan quando a vizinha resolveu ir falar com ele.
- Eles não estão. - A senhora falou o óbvio.
- Sabe onde estariam ? - Tae perguntou amedrontado pois Kwan não devia ter saído de casa doente.
- Uma ambulância esteve aqui mais cedo, fazendo um barulho completamente exagerado, eu falei para a…
Tae ignorou a mulher e saiu correndo até sua casa de forma que chegasse nela já quase sem ar.
- O que foi filho? - Sua avó perguntou preocupada.
- Kwan, está no hospital. - Tae falou com dificuldade por causa das lágrimas.
- Pega seu casaco. - A avó de Tae falou se levantando do jardim de onde plantava rosas brancas.
…
- Você tá bem? - Tae perguntou deitando na cama de hospital de Kwan que gemia com dor a cada mexida cuidadosa de Tae.
Tae não sabia ainda, mas Kwan era espancado pelo seu padastro não tão raramente quanto ele queria acreditar. A mãe de Kwan não sabia o que fazer e sua avó achava que um homem tinha que aprender a aguentar correções desde pequeno.
Há alguns dias atrás o padastro de Kwan o pegou olhando uma revista porno gay e o espancou tanto que eles tiveram que chamar a ambulância para o menino inconsciente, jogado numa poça de sangue no chão.
Tae sabia o quanto o pai do seu amigo era machista e homofóbico e desconfiava fortemente dos abusos de violência, mas nunca conseguiu fazer o garoto falar.
- Por que sempre te encontro nessa situação? - Tae perguntou acariciando os cabelos de Kwan.
- Pelo menos dessa vez não estou no chão. - Kwan tentou rir, mas resmungou com dor.
- Você devia ter me falado que estava no hospital.
- Não quis atrapalhar seus estudos.
- Tá brincando? Minhas notas já estão um lixo. - Tae falou fazendo Kwan rir de novo.
- Se ficar me fazendo rir vou ter que pedir para se retirar. - Kwan falou tentando bater no maior, mas não tinha forças para fazer direito.
Tae fingiu sentir dor mesmo assim, na esperança de levar um sorriso ao rosto machucado do amigo.
…
Uma semana depois do ocorrido, Tae estava sentado na cama, o olhar triste para uma camiseta de Kwan jogada na cômoda.
- Não vai visitar seu amigo hoje? - O pai de Tae perguntou entrando receoso no quarto.
- É errado ser gay? - Tae perguntou sem olhar para o pai que parou os passos por não estar esperando uma pergunta daquelas, mas sentou ao lado de Tae depois que a surpresa passou.
- Não. Por que a pergunta?
Tae olhou para o pai parecendo estar naquele ponto em que as lágrimas acabaram, mas a angústia ainda acompanhava o semblante.
- Se não é errado, por que as pessoas odeiam tanto?
O pai sorriu triste para o filho.
- Já ouviu falar na parábola chinesa de Tao?
Tae negou com a cabeça pensando que mal sabia a questão básica de matemática daquela semana.
- Existe uma parábola muito famosa entre o Taoísmo sobre um sábio chinês e seu discípulo. - Tae deitou a cabeça no colo do pai, como sempre fazia a noite para ouvir suas histórias.
- O sábio e seu discípulo em uma de suas andanças pelos arredores da China, avistaram um casebre de extrema pobreza onde vivia um homem, uma mulher, filhos pequenos e uma vaca magra e cansada. - Tae riu com a ideia de uma vaga dentro da casa junto com a família, mesmo que não fosse isso que seu pai quis dizer.
- A vaca tinha fome e sede. - O pai de Taehyung falou o fazendo perder o sorriso.
- O sábio e o discípulo pediram abrigo e foram bem recebidos, mesmo que não tivessem nada a oferecer. O sábio ficou curioso e perguntou como conseguiam sobreviver com tanta pobreza e tão longe da civilização. O dono da casa apontou para a terra esturricada e sem vegetação a frente e perguntou: - O senhor vê aquela vaca ? Dela tiramos todo o sustento. Ela nos dá leite que bebemos e transformamos em queijo. Quando sobra, vamos à cidade e trocamos por outros alimentos. É assim que vivemos.
- Esperto. - Tae falou olhando para o pai que confirmou a sua observação.
- No outro dia o sábio agradeceu e partiu com o discípulo. Porém antes de irem o sábio falou para seu discípulo: - Volte lá, pegue a vaca, leve-a a um precipício e a atire lá em baixo. - Mas a vaca é tudo que eles têm para sobreviverem. - o discípulo falou.
O sábio, respirou fundo e repetiu a ordem.
Indignado porém resignado, o discípulo fez o que seu mestre o mandou fazer.
-Isso é cruel. - Tae falou triste.
- Alguns anos se passaram. - Seu pai continuou. - O sábio e seu discípulo voltaram àquele lugar. Quando chegaram no lugar, viram que no lugar do casebre desmazelado havia um sítio maravilhoso, com plantações, animais de pequeno porte, setores de abastecimento e distribuição de alimentos, moinho de água e a terra não era mais seca e sem vegetação. O discípulo perguntou, agora para a família bem vestida com roupas de linho caro e bem costurado: - Mas o que aconteceu ? Alguns anos atrás esse lugar era miserável, não havia nada. O que fizeram para melhorar de vida em tão pouco tempo ? O homem olhou para o discípulo, sorriu e respondeu : - Nós só tínhamos uma vaquinha, de onde tirávamos todo o nosso sustento. Era tudo o que possuíamos, mas um dia ela caiu no precipício e morreu. Para sobreviver, tivemos que fazer outras coisas, desenvolver habilidades que nem sabíamos que tínhamos. Fomos obrigados a descobrir novas formas de ganhar o sustento e é estranho agora, olhando para trás, pensar que o mundo era cheio de possibilidades, mas nossa vida era sempre a mesma porque não víamos motivo em procurar melhorar.
-Ainda tenho dó da vaquinha que morreu estatelada no chão. - Tae falou levantando do colo do pai.
- Existem muitas formas de morrer, perder o corpo em que se vive é só mais uma delas. - Seu pai falou levantando da cama depois de dar batidinhas agitadas na perna.
...
Um mês depois daquele dia, Tae chegou a conclusão de que talvez as pessoas não aceitassem Kwan do jeito que ele era porque não viam nada mais além do que já estava a frente de seus olhos.
Com a ajuda de sua avó ele montou um desfile enorme no centro da cidade, conseguiu várias inscrições de participantes e a ajuda da prefeitura e imprensa local e quando menos esperava a cidade inteira rodeava o palanque decorado impecavelmente, por curiosidade ou porque realmente quisessem ver.
Taehyung fez um concurso de Drag Queen de proporções enormes. Ele até participou, apesar de não ter ganho.
O efeito que Tae queria não afetou a todos, na verdade, houve muito ódio dos moradores para cima do garoto e sua família, mas Tae estava mais feliz do que poderia imaginar, porque a mãe de Kwan percebeu quem era a pessoa errada em tudo aquilo é acelerou o processo de denúncia por abuso infantil contra o marido e Kwan ao ver aquela comoção toda, percebeu que uma semana depois ninguém mais falava no assunto e que sair do armário era um evento pessoal que estava longe de ser importante para o resto das pessoas. Lógico que receber apoio das pessoas que amava é importante e era justamente por isso que ter Tae e sua mãe em sua vida era a melhor coisa do mundo.
Uma semana depois todos sabiam que Kwan era gay, as meninas agora se aproximavam de Kwan porque Tae deu a impressão de que ter um amigo gay era legal, mesmo que ele soubesse que isso era ridículo de se estereotipar, apesar de ter funcionado contra a agressão de Lee que achava que ia para cadeia depois de saber sobre o pai de Kwan e tinha medo de ofender as meninas que o olhava feio toda vez que ia falar mal de um dos meninos.
Kwan amava a vida que tinha agora, não era perfeita, mas não importava, pois Tae o fez ver que ela era mutável e não importava as dificuldades do agora, porque logo ela seria só mais um obstáculo enfrentado ontem.
[ Vida atual de Taehyung ]
V alisou a foto dele montado de Drag ao lado de um Kwan sorridente levantando uma das muletas na direção da câmera.
- Você lembra da parábola do vaca que me contou uma vez? - V perguntou olhando para o pai que confirmou sorridente a pergunta.
- Acha que ela serve para tudo?
- O que quer dizer?
V deu de ombros, colocando o porta retrato no lugar.
- Acha que as coisas parecem sem solução só porque a pessoa esteja acomodada a ver a situação daquela maneira?
- O comodismo sempre será o pior inimigo da humanidade, não é por isso que a tecnologia futurista é toda voltada para o conforto e não para o ato do pensar por si só ?
- Acha que ficamos preguiçosos e por isso não pensamos mais? - V perguntou levantando uma sobrancelha.
- Acho que é mais fácil seguir uma multidão do que caminhar a contrafluxo.
V concordou com a cabeça baixa.
- Vou no jardim e já volto. - V falou sorrindo fraco para o pai.
- Fica a vontade filho.
...
“ Chegou bem?” - Suga perguntou do outro lado do telefone.
“Sim, mas não é por isso que estou ligando ”
“Por que está ligando Tae?”
“Vou ficar um tempo em Daegu”
Suga ficou em silêncio do outro lado da linha.
“Posso saber por que?” - Suga perguntou receoso.
“Quero ser internado, preciso receber tratamento de inversão a toda manipulação que sofri, mas acho que só consigo fazer isso, isolado de todos”
“Acho uma boa ideia, mas não acho que exista uma instituição para esse tipo de tratamento”
“Robert conhece um lugar”
“Robert seu psicanalista?” - Suga perguntou parecendo estar com ciúmes.
“É para pessoas vítimas de lares abusivos, mas acho que vai funcionar comigo também" - V falou sentando no jardim rodeado por rosas brancas que seu pai deve ter cuidado depois da morte de sua avó.
“Vou ver o que consigo fazer” - Suga falou desligando o telefone.
V olhou o vaso velho, virado de ponta cabeça, com um sorriso torto aparecendo no rosto ele o virou, encontrando um maço de cigarro velho e úmido pelo tempo guardado.
Pegou um cigarro com cuidado para não desmantelá-lo e o acendeu, deitando na grama alta para poder admirar as estrelas que começavam a brilhar num céu já quase todo negro.
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