Nocturna I - O despertar do condenado.

Lya estava ansiosa, esperou alguns dias que ele acordasse.

— Gianni, acorda! — A voz suave vinha da escuridão, despertando-o daquele silêncio.

Gianni abriu os olhos, sua visão embaçava tentando se adaptar à luz ambiente. Piscou algumas vezes, até que conseguiu o foco. Um teto com um belo lustre reluzia. Ouviu seu nome novamente, e girou a cabeça para a direção daquela voz que ecoava no ambiente.

— Lya... — Reconheceu-a e gemeu baixo. — Onde estou? — Confuso, tentou se levantar. Seu corpo estava frio e seus lábios secos, a garganta ardia como se tivesse comido a pior das pimentas. — O que aconteceu? Responda logo, demônio! — resmungou irritado em um inglês carregado de sotaque italiano.

— Está em minha morada, trouxe-lhe para cá tem alguns dias. — Ela estava ao seu lado na cama, sentada sobre a perna, apreensiva, observando-o preocupada. — Gianni, você foi baleado, perdeu muito sangue e eu... — Sua voz suave tinha um tom receoso. — Eu não pude ajudar.

Ele olhou em volta após sentar e, ainda confuso, sentia aquele ardor aumentar na garganta.

— Que ardor é esse? Sinto queimar a garganta. — Tocou o pescoço.

— Entristece-me quando me chama de demônio.

— Não é o que é? — retrucou, levantando ainda zonzo. Apoiou-se na parede ao lado da cama para não tombar.

Lya seguiu-o com o olhar, falando quase sussurrado a ele.

— É o que somos. — Levantando da cama, andou cautelosa para perto dele.

— O quê?! — Virou a face, analisando a situação por um momento. Sua respiração começou a ficar pesada, e seus olhos se abriram em assombro ao começar a perceber o que aconteceu. — Não... — Seus lábios trêmulos tentavam balbuciar algo. Ele sacudia a cabeça, negando avidamente. — Não... Não, por Dio não... — Um urro de dor brotou do peito dele, ecoando naquele quarto.

Lya encarava-o com os olhos marejados, ela o havia transformado, não queria perdê-lo, não conseguiria caminhar pela eternidade sem aquele humano.

— Gianni, escuta-me, não tive outra opç...

— Saia daqui monstro! — Andou pelo quarto, desnorteado, gritando. — Dio mio, não, esse destino não... — Afastou-se dela. — Não se aproxime, nãooo! — Agitado, empurrou-a. — Saia! — Gianni estava sedento e transtornado; expulsou-a do quarto.

Lya trancou a porta atrás de si ouvindo os gritos de desespero de seu amado, seu corpo tremia sentindo toda a ira que ele emanava. Seus olhos vermelhos fitavam o chão de piso de madeira nobre; desesperada, seu corpo arreou ao deslizar na porta até sentar no chão. Lya chorou como nunca havia chorado em sua eterna existência, chorou lágrimas de sangue.

Gianni renegava a cada momento aquele estado degradante que foi levado a se tornar, seu desespero tomava cada parte de sua alma. Alma? Acreditava não ter mais, perdendo-se para sempre no estado de criatura amaldiçoada. Arrastava-se pelo quarto, e em um ataque de fúria destruiu tudo à sua volta; a sede era enlouquecedora, deixando-o por muitas vezes agir como animal raivoso. E por todas as noites era o mesmo calvário: acordar e desesperar-se ao perceber que era real o pesadelo.

Nas noites seguintes, negava o sangue que lhe era servido, no entanto, sem muitas opções e quase em surto passou a tomar aquelas bolsas de sangue fresco que eram deixadas na porta do quarto. O ex-humano tomava o sangue, as lágrimas escorriam pela face mostrando o desespero que ardia em seu corpo transformado. Perdeu tudo, perdeu sua vocação, seus amigos e sua fé. Tornara-se um ser amaldiçoado, fadado a se rastejar pelos becos escuros atrás de humanos para saciar aquela maldita sede de sangue. Um monstro assassino, foi o que se tornou. O ex-padre urrava em desespero, pedindo perdão a Deus por ter sido tolo e se entregado à tentação daquela criatura maldita.

— Lya... — Ele pronunciava seu nome com repulsa e dor.

Em breves momentos de lucidez, pensava nela e a culpava por tudo, por tê-lo seduzido, feito abandonar sua fé e perdido a disputa interna contra o que sentia por ela. Perdeu-se para sempre e a maldita tinha que pagar. Os dias confinado naquele quarto começou a transformar seus sentimentos em ódio.

A vampira não ousava se aproximar, não ainda; preferia manter cautela e aguardar o momento certo para entrar naquele aposento, o que para ela era um calvário, pois sentia toda a dor e angústia dele. Sua mente se torturava e a dor no peito aumentava. Não podia perdê-lo, não tinha outra escolha, se não o transformasse... Suspirava pelos cantos em sua morada, aguardando o momento certo para se aproximar e conversar com o seu afeto e dizer a ele que não estava sozinho.

Gianni aguardou o momento certo, sabia pelo olfato que ela passava algumas vezes pela porta do quarto e que ficava ali, de pé, esperando talvez uma oportunidade ou até mesmo que ela o chamasse. Ele não a chamaria, estava furioso demais para tal, esperaria a maldita entrar, e foi assim que ficou aguardando o momento certo, nutrindo o ódio por ela.

Alguns dias se passaram, Lya evitava entrar no quarto, sentia o ódio dele crescendo a cada despertar noturno. Aguardou, deixando todas as noites na porta do quarto a bolsa de sangue fresco.

Pouco mais que um mês e o silêncio havia se instalado naquele aposento. Ele estava quieto, mas estranhou a forte presença que emanava daquele quarto. Envolvente e atraindo-a quase como imã. Decidida, caminhou até a porta do quarto e parou, esperando calmamente pela permissão.

A porta se abriu, permitindo que Lya entrasse; viu-o parado e encostado no batente da porta que dava para a varanda, olhando a noite fria. Estava vestido com roupas simples e suas mãos nos bolsos da calça.

Lya olhou ao redor, tudo estava revirado e muitas coisas quebradas. Os ataques de fúria resultaram naquele estrago, mas ela não se preocupava com aqueles itens quebrados, queria saber como estava e, cautelosa, caminhou lentamente em seus passos suaves até ficar alguns passos de frente para ele.

— Gianni.

Ele virou os olhos na órbita na direção de sua voz, a íris vermelha em uma face sombria, alguns segundos em silêncio e, finalmente, Gianni virou o rosto para ela; seu cheiro o atraía. A sede apertou, fazendo comprimir os lábios e trincando os dentes. Tamanha fora a pressão que suas presas feriram a própria língua, fazendo-o sentir o gosto do seu sangue.

Um rosnado brotou do peito, e em um movimento rápido, atacou-a. Ira, era o que os olhos dele mostravam. Agarrou-a pelo pescoço, chocando seu corpo contra a parede ao lado da porta.

A força fora tanta que Lya arfou com a batida das costas na parede e agarrou o pulso dele, fincando as unhas na pele para forçá-lo a soltar seu pescoço.

— Gian...ni... — chamou-o com dificuldade.

Maledetta... – A palavra ecoou rosnada. — Destruiu tudo, jogou-me no inferno.

— Gian...ni, p-por favor... — Ela segurou com mais força o pulso dele, tentando se libertar daquele aperto; sentia a fúria descontrolada e precisava ser mais enérgica. — Gianni, solte-me!!

Ele soltou outro rosnado furioso e, mesmo que quisesse evitar, a voz dela em tom de ordem o fez afrouxar os dedos, porém, mantinha-a presa pelo pescoço.

— Egoísta, tirou tudo de mim, tirou minha paz, minha fé e agora minha vida. Eu não quero ser um monstro! Não quero ser como você. — Ele tremia e seus olhos vermelhos brilharam com as lágrimas contidas, sua feição era de sofrimento e a vampira sentiu cada tom doloroso daquelas palavras.

Era a mesma dor, ela sabia bem como era, queria poder compartilhar desses sentimentos confusos e ajudá-lo, precisava acalmá-lo de alguma forma.

— Gianni, escuta-me, não tinha outra opção, eu não queria perdê-lo.

— Não me interessa suas justificativas, não me interessa nada que possa amenizar o que estou sentindo. — Ele cuspiu ódio entre aquelas palavras. — Nada justifica ter me tornado este monstro, nada justifica ter destruído tudo à minha volta. — Ele a prensou contra a parede e voltou a gritar, furioso. — O que quer de mim? Já não está satisfeita com o que me fez?

— Gianni, acalme-se, vou lhe ajudar, vamos superar juntos... — ela falava em tom melodioso para poder acalmá-lo.

A voz de um puro para cria nova era como um bálsamo de acalanto; dificilmente um ser transformado resiste ao apelo do chamado de seu criador, Lya usava esse artifício para acalmar Gianni, que sentiu o baque daquela voz, finalmente esmorecendo diante dela e, mesmo que desejasse lutar contra a indução que ela estava lhe fazendo, suas forças se esvaíram e ele soltou o pescoço da vampira.

— Eu preferia ter morrido. — Seus braços caíram ao lado do corpo e obedientemente se afastou.

Ela imediatamente levou a mão ao seu pescoço e tossiu algumas vezes, ainda estava encostada na parede tentando se recuperar do ataque dele quando sentiu a pressão do ar perto de sua cabeça, e o braço de Gianni estava estendido ao lado. Olhou-o, espantada. O punho dele estava fechado onde desferiu um soco na parede, os olhos vermelhos denunciavam a volta da ira e a sede de sangue possivelmente fazia-o agir quase como uma fera irracional.

Maledetta... — Ele voltou a socar a parede. — Maledetta... Maledetta... Maledetta... — Ele socava incansavelmente a parede perto dela, grunhindo a cada baque do punho. Sua raiva era tanta que não sentia dor e seus dedos começaram a sangrar.

— Gianni, por favor, pare com isso, está se ferindo... — Lya desesperou-se e segurou o punho para impedi-lo de se ferir. Abraçou-o ao passo que o empurrava para longe da parede.

— Solte-me! — falou em sussurro, sem forças e sedento. Seus dedos feridos pingavam sangue.

Lya estava cautelosa e sussurrou em italiano para o amado se acalmar.

— Realmente tudo acabou naquela noite. — Vencido, baixou a cabeça.

— Gianni, eu não podia perdê-lo... Eu...

— Egoísta.

Ela calou-se, e entristecida afagou o rosto de Gianni.

— Havia uma promessa, Lya...

Ela sabia, sentiu um arrepio subir à sua espinha.

— Tirou-me o direito de escolha. — Olhava-a frustrado, afastou-se daquele abraço. — Eu lhe pedi, você não cumpriu... — Gianni recordava da promessa e de como estava frustrado e magoado com a vampira.

Seu olhar vermelho estreitou-se e voltou a agarrá-la pela nuca com força, satisfeito ao ouvir seu grunhido. Puxou-a para perto, encarou-a e afagou com a mão ferida a face, deixando o rastro de sangue na pele alva e macia de seu objeto de desejo. Forçou-a a virar o rosto expondo a sua jugular, tocou com os lábios a pele sentindo o odor e fazendo-a grunhir enquanto lambia a pele. — Diga-me como faço isso? É só morder? — murmurou entredentes com tom de raiva, odiando-se por agir feito um animal desesperado pela sede.

Lya, a princípio, deixou agir, suportando aquele aperto, chegando a arfar com a força que ele exercia sobre ela; era estranho, já que era recém-transformado e não deveria ter tanta dominação sobre ela. Surpreendeu-se quando virou o seu rosto e lambeu sua pele. E fez um gesto sutil com a cabeça, confirmando a ele que era o que deveria fazer.

— Finque as presas e se alimente, quando se saciar basta lamber o local e o ferimento se fecha. – As mãos dela tocaram os cabelos escuros de Gianni quando sentiu as presas do seu vampiro e o som do sangue escorrendo pela garganta.

Gianni ficou um bom tempo sugando-a, era saboroso, saciava-o e aliviava-o por dentro. Aquele sangue era um verdadeiro néctar dos deuses. O ex-humano excitou-se, seu corpo reagiu imediatamente e temia viciar nela. Com breve murmúrio, afastou os lábios e lambeu rapidamente a ferida. Seus olhos se cruzaram e um desejo irracional lhe atingiu de tal forma que não conseguiu se afastar. Um turbilhão de emoções acontecia dentro dele e, relutante, tocou-a, trazendo para mais perto de si. Lya olhava-o com o mesmo desejo; não entendia os motivos e os olhares denunciavam o que queriam um do outro. Gianni segurou-a pela nuca e aproximou o rosto ao dela, murmurando algo em italiano, ainda esbravejando sua raiva, até que a surpreendeu com um beijo voraz, retribuído na mesma intensidade.

— Quero você. — Afastou os lábios, roçando aos dela, voltando a beijá-los com o desejo que guardara tanto tempo. Sua mão desceu as costas, parando na altura do quadril, trazendo-a de encontro a ele, roçando seu corpo ao dela. — Ti voglio. — Não estava pensando, simplesmente entregando-se aos desejos e instintos. Erguendo-a, fazendo com que enlaçasse sua cintura com as pernas. Carregou-a para cama.

— Gianni, espere... — Aqueles afagos e carícias ousadas despertava nela o mesmo desejo, no entanto, havia o receio. Tentava pará-lo, mas era inútil.

Lya sentia cada contato arrepiando; roçou seu corpo ao dele, permitindo que se encaixasse entre suas pernas, o desejo falava mais alto. Desejava aquele sangue, cheiro e corpo. Retirou a blusa de Gianni enquanto trocavam beijos ardentes. Ele puxou com urgência o vestido, arrancando-o de seu corpo e lançando ao chão. Iria saciar sua sede e aquele desejo contido de uma vez.

— Estou lhe castigando por ser má e egoísta, fez o que fez e vai arcar com isso. — Voltou a beijar seus lábios com luxúria, avidamente. Ofegou quando os afastou. — Agora terá que me suportar por toda eternidade ou até que ambos vão parar no inferno.

Ela sorriu, receosa, mas estava tão envolvida com aquele contato íntimo e retribuiu os beijos na mesma intensidade.

— Cometerei mais e mais erros se essa for a minha punição. — Puxou a calça dele para retirá-la com pressa.

Ele parou e a olhou sério.

— Sua punição está apenas começando.

Gianni, naqueles últimos dias, pensara sobre sua nova condição; sofrera por isso, mas agora só via em sua mente uma coisa: Lya. Era culpada, iria fazê-la pagar por tudo, não sossegaria a alma até conseguir. E por mais que não conseguisse admitir, a amava e, agora, na mesma condição que ela, queria dominá-la para sempre. Afagando seu corpo e sentindo seu aroma, sugou os seios expostos, ouvindo os seus gemidos e segurando forte o seu ombro.

Fizeram amor naquela noite, sob o som da neve batendo a vidraça da enorme janela do quarto que pertencia à morada de Lya. Algumas horas depois, saciados, adormeceram ao raiar do dia.

Na noite seguinte, Lya acordou sonolenta e estendeu a mão em busca de seu amante, mas sentiu o local vazio. Levantou e procurou por Gianni, não havia nada além dela e o quarto destruído. Entristecida, levantou, enrolando-se no lençol. Nesse instante, encontrou um bilhete com um rosário de contas negras e cruz prateada por cima. Voltou a sentar na beira da cama, abriu o papel dobrado e leu aquelas palavras em italiano:

"Minha existência é, de agora em diante, sua responsabilidade, e todo o mal que eu venha a praticar, porque não foi minha escolha estar do seu lado. Boa noite, meu amor. "

Ela pegou o rosário que pertencia a ele, ficou rolando entre os dedos as contas negras e, depois de alguns minutos, colocou em seu pescoço como um colar, tocando a cruz prateada como algo precioso.

— Buona notte, amore mio.

https://youtu.be/OWClqgzL7iM

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