Capítulo 9 - parte 1 (em revisão)
"O perdão vai além da justiça humana; é perdoar aquelas coisas que absolutamente não podem ser perdoadas."
C. S. Lewis.
O ano de 2017 começou bem e sem os ataques da gangue da risada, como haviam prometido. Cíntia levou o filho para um chalé na praia, em Cabo Frio, enquanto o casal de delegados decidiu aproveitar para festejar na praia. Deixaram o carro afastado das ruas problemáticas e divertiram-se muito, esquecendo os problemas do trabalho.
A primeira semana de Janeiro foi tranquila, mas, na segunda, explodiu a bomba. Em um assalto espetacular e desafiador, a gangue roubou dez milhões em jóias, no Leblon. Furioso, Arthur esbravejava até para as paredes e nem mesmo a doçura da namorada acalmava-o. Olhando o vídeo da segurança, fez uma descoberta sutil mas que o poderia ajudar. Pegou no telefone e ligou para a inteligência.
– Vocês têm algum especialista em computação gráfica para nos ceder por uns dias? – perguntou, após se identificar. – Precisamos do melhor.
– "Rodrigo é o melhor cientista da área, mas está de férias. Posso fornecer o telefone pessoal dele, só que caberá ao senhor convencê-lo, delegado."
– Por favor. É muito urgente mesmo – pediu, anotando o número. – Obrigado, vou falar com ele agora mesmo.
– O que pretende fazer, amor? – perguntou Anabela, curiosa.
– Achar um padrão – respondeu, sem mais detalhes.
O delegado ligou e, após sofrer um pouco, convenceu o especialista a ouvi-los por meia hora. Durante a tarde, encontraram-se em um bar perto da praia, no Leblon. Ele era um homem de estatura mediana, com um pouco de sobrepeso mas de aparência simpática. Vestia uma bermuda folgada e camiseta florida, bem descontraído. Quando os policiais se aproximaram e sentaram-se na sua mesa, Rodrigo não tirava os olhos da Anabela, que se fez de desentendida enquanto Arthur bufava e quase rosnava.
– Rodrigo, o senhor já ouviu falar da gangue da risada? – perguntou o delegado, tentando ser objetivo.
– Apenas por alto – respondeu ele. – Parece que eles vêm fazendo a gente de besta.
– E vêm mesmo – disse Anabela. – Estão sempre um passo à nossa frente.
– Pois é – arrematou Arthur. – Olhando o vídeo do último assalto, eu pensei que talvez fosse possível identificar a quantidade de elementos da gangue pelas imagens, como alguma característica particular de cada um. Estão sempre de preto, com roupas folgadas e um deles é tão grande que deve ser sempre o mesmo. Mas, quanto aos demais, seria legal tentar ver quantos são, como criar uma identidade digital para cada um deles, mesmo sem ver os rostos.
– A princípio isso é bem possível – respondeu o cientista, compenetrado, embora encarando Anabela sem parar. – Até andei elaborando alguns algoritmos novos para melhorar esse tipo de identificação.
– Acha que pode ajudar a gente? – perguntou Miguel. – Estamos meio desesperados.
– Preciso de uns quinze dias para terminar os novos algoritmos, então podemos conversar melhor – disse ele. – Mas não considerem isso um resultado garantido porque ainda aprendemos muita coisa nessa nova tecnologia.
– Você não imagina como isso ajudará, Rodrigo – respondeu Arthur, pensativo. – Eu sei que não é coisa simples, mas seja o que for que conseguir, já ajuda.
Despediram-se e Arthur ficou mais aliviado, caminhando abraçado na colega, para tristeza do cientista, mas, quando ele viu os dois acendendo cigarros, fez uma careta e voltou para a sua cerveja.
– Se esse desgraçado voltasse a enfiar os olhos no seu decote mais uma vez ia comer aquele copo ou levava bala... com ou sem ajuda – resmungou Arthur e tanto Anabela quanto Miguel caíram na risada. – Sujeitinho tarado, aquele. Estava comendo você com os olhos!
– Eu que sou muito gostosa, amor – brincou Anabela. Fez pose com o andar e continuou, rindo – Você não me acha bem gostosinha?
– Até demais, mas só para mim, porra – resmungou ele, que depois riu. – Nem pensar em pegar minha gata. Que vá comer outra por aí. Tem sobrando, ora.
― ☼ ―
No dia seguinte, Arthur recebeu uma ligação estranha e começou a empalidecer na frente do amigo. Ele disse apenas quatro palavras rápidas:
– Estou indo agora mesmo – desligou o telefone e tentou ligar para a namorada, sem sucesso.
– Algum problema? – perguntou Miguel, curioso.
– Sim – respondeu, sem explicar. – Cara, Belinha foi na Corregedoria. Quando ela retornar, diga-lhe para não me esperar. Depois eu ligo ou passo na casa dela e explico.
– Ok.
Arthur pegou as chaves e saiu correndo. Ligou para o pai já entrando no carro.
– Pai, vocês podem cuidar do Pedrinho? – pediu. – Eu ia ficar aí, mas agora não tenho hora para voltar. É por causa da Cíntia...
Assim que saiu do estacionamento, ligou a sirene e acelerou o carro de forma um tanto exagerada. Estava com sorte e conseguiu chegar bastante rápido ao Hospital São Francisco, na Tijuca. Estacionou de qualquer jeito e saiu do carro, entrando esbaforido na emergência.
– Sou o delegado Arthur Delgado – identificou-se. – Recebi uma ligação urgen...
– Boa tarde, delegado – disse a moça, interrompendo. – Vou informar o médico que você chegou.
– Obrigado. – Arthur viu uma máquina de café e começou a pôr algumas moedas nela, escolhendo um café bem forte. Dez minutos depois apareceu um médico.
– Delegado? – estendeu a mão. – Sou o doutor Sérgio e fui eu quem falou com o senhor.
– Boa tarde, doutor. Como ela está?
– Sua esposa vai ficar bem e teve muita sorte de não ter perdido a vida.
– Afinal, o que foi que aconteceu?
– O socorro a trouxe aqui por causa do acidente no trânsito, mas sua esposa sofreu uma overdose das grandes.
– Caraca! – exclamou Arthur, surpreso. – Cíntia nunca nem experimentou drogas, doutor! Nem mesmo beber ela bebe grande coisa! Quanto muito uma taça de champanhe ou cerveja com os amigos.
– O senhor tem certeza?
– Pelo amor de Deus, doutor. São dez anos de casamento e quase quatro de namoro. Conheci minha esposa ainda adolescente e garanto para o senhor que ela jamais se envolveu em nada disso, nem mesmo um pileque ela tomou na vida!
– Então, delegado, a sua esposa foi drogada por alguém de forma intencional. Nesse caso, a intenção era provocar um ataque cardíaco ou acidente de trânsito fatal. Venha.
Arthur acompanhou o médico para uma sala de recuperação e encontrou Cíntia olhando para o teto com uma das mãos erguidas, fazendo desenhos abstratos no ar. Seus olhos estavam desfocados e tinha um sorriso estranho. Vestia uma bata de hospital e suas roupas estavam dobradas na cadeira ao lado. Vários eletrodos foram conectados no seu peito para monitoração dos sinais vitais. Tirando um pequeno hematoma na testa, que nem se notava à primeira vista, ela aparentava estar intacta.
– Por milagre, delegado, ela saiu ilesa exceto por uma forte torção em um dos tornozelos – olhou o prontuário. – No esquerdo, mais precisamente. Ela não consegue apoiar o pé no chão.
Cíntia ouviu os dois falando e virou o rosto para eles. Tentou forçar o foco e reconheceu o marido. Abrindo um grande sorriso, estendeu os braços, mas um deles estava amarrado por causa do soro e não o conseguiu erguer.
– Meu amor da minha vida – disse ela com alegria muito exagerada. – Estava morrendo de saudades de você.
O delegado aproximou-se e ela pegou a sua mão, puxando-o para si. Arthur cedeu e Cíntia beijou-o, começando a rir. Apontou para o teto e disse.
– Olhe que pinturas lindas, amor, fui eu que fiz.
Cíntia parou de falar e voltou a fazer gestos abstratos com o dedo indicador apontando para o teto, às vezes rindo. O policial olhou para o médico, horrorizado.
– O que ela tomou, doutor? – perguntou, aflito. – Garanto-lhe que nunca a vi nesse estado.
– Não sabemos. Pelo jeito que o coração dela batia, pode ser algum derivado da cocaína, mas há muitas outras drogas que dão efeitos similares. O resultado dos exames ainda não chegou, contudo, ela está bem melhor. O coração já estabilizou e está fora de perigo. Você vai precisar de ter muita atenção esta noite para qualquer possível mal-estar.
– Terei, doutor – disse, preocupado. – Que coisa mais estranha!
– Sugiro que fique sentado com ela mais um tempo antes de eu lhe dar alta – Se daqui a uma ou duas horas ela não tiver nenhuma reação negativa ou alérgica, eu libero sua esposa.
– Obrigado, doutor – disse Arthur. – Onde fica o sanitário?
– Passe a segunda porta, do lado esquerdo – respondeu, apontando o corredor.
Arthur virou-se e já ia saindo quando a voz da mulher o interrompeu:
– Não me deixe, meu amor, de novo não, por favor – pediu, chorosa.
– Tudo bem, querida – disse, beijando sua testa. – Vou apenas ao banheiro. Acalme-se.
– Promete que vai voltar?
– Prometo.
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