Capítulo 8 - parte 1 (em revisão)
"O afeto ou o ódio mudam a face da justiça."
Blaise Pascal.
Na manhã seguinte, Arthur pegou Miguel mais Anabela e foram para a delegacia da Tijuca prestar depoimentos. Era às nove e, para espanto dos três, o delegado titular estava lá a essa hora.
Aguardando sentados no banco com Anabela cheia de atenções e dengos para o lado do Arthur e Miguel concentrado, lendo, chegaram Cíntia e o chefe dela, todo rebentado. Arthur ergueu o sobrolho e, depois, encarou o homem que tinha o olhar de medo. Sorriu para a esposa, gentil, e ela retribuiu, fazendo Anabela franzir a testa. Eles sentaram perto. Cinco minutos depois, os cinco foram chamados e sentaram-se em um banco longo, lado a lado. Sacana, Arthur murmurou para o homem, que estava ao seu lado:
– A próxima vez, procure saber com quem está lidando. Você está vivo porque Cíntia se machucou ao tentar me parar.
– O senhor dizia algo, delegado Delgado? – perguntou o titular da delegacia, com olhar ameaçador.
– De forma alguma, colega. Estava apenas com algo na garganta, não se preocupe – respondeu, bancando o cínico.
A sala era retangular e o delegado ficava em uma mesa. Ao seu lado, um escrivão digitava no computador. Após identificados, o grandalhão foi o primeiro chamado a depôr.
– O que o senhor fazia na casa do delegado Arthur Delgado?
– Eu fui buscar a minha funcionária, Cíntia Delgado, que tinha problemas no carro dela e eu passava por ali perto na hora. Ia pegar o garoto deles quando escorreguei do alto da escada e caí, me acidentando. Acho que foi um patim ou skate, não lembro bem. Espero que entenda, tendo em vista a gravidade do acidente.
O delegado titular da delegacia da Tijuca fez uma careta tão grande que Anabela quase riu.
– Tem certeza, senhor Sílvio Dantas? – perguntou. – Eu tenho em mãos um laudo da Unidade de Pronto Atendimento e o que consta aqui são lesões por espancamento. Afinal, tombos não deixam marcas de soco ou chute e o senhor tinha verdadeiras pegadas nas roupas como se alguém tivesse sapateado em cima de si.
– Com certeza eles cometeram um lapso – insistiu Sílvio. – A única marca de pancada que pode ter foi o soco acidental que dei na senhora Delgado ao cair. Estávamos sozinhos.
– Então quem chamou o socorro? – perguntou, olhando para os outros quatro.
– Eu chamei, delegado – disse Anabela. – Fui procurar o delegado na sua casa, mas ele já tinha saído. Estranhei a porta aberta e entrei. Encontrei a criança muito assustada, peguei-a no colo e liguei para o socorro e para o delegado Zonnato porque o telefone do Arthur estava fora de área ou desligado. Miguel chegou e eu levei o filho do casal para os avós paternos enquanto ele cuidava de ajudar a senhora Delgado e o colega dela.
– A senhora confirma, senhora Delgado?
– Bem, senhor – respondeu Cíntia, levantando-se. – Eu perdi a consciência e só acordei no hospital com Miguel ao meu lado.
– Por que será que não acredito em uma única palavra do que dizem aqui? – questionou o delegado, coçando a cabeça. – Escute, senhor Dantas, se você está com medo ou sendo coagido, basta falar que o culpado fica sob custódia e o senhor não correrá riscos.
– Insisto no que disse, senhor.
– Está dispensado, senhor Dantas – disse o titular, irritado. Virou o olhar para o Arthur e continuou. – Delegado Arthur Delgado, sente-se.
Arthur obedeceu.
– Onde o senhor estava?
– Na Presidente Vargas, quando vi a mensagem e retornei para casa – respondeu com toda a calma.
– Delegado, eu li a sua ficha com toda a atenção e fiquei impressionado. Seu pai é um general aposentado, herói no combate contra os terroristas na selva Amazônica, nos anos setenta. É fã incondicional dos esportes com tiro e ensinou o senhor a atirar desde a mais tenra idade, sendo que o senhor é campeão de tiro em praticamente todas as modalidades que existem, não é verdade?
– Fez o dever de casa, delegado, mas o que isso tem a ver com eu estar aqui?
– Diga-me uma coisa que não está clara aqui na sua ficha: além de constar que é um atleta muito bom, nada de excepcional, mas muito bom, consta que é mestre de artes marciais de vários tipos. Que tipos de artes marciais são essas?
– Sou mestre de Kung-fu em quatro estilos, Krav-magá, Jiu-jitsu e MMA. Além disso tenho algum conhecimento de Muay-thai e Tai-chi. Mais uma vez, o que isso tem a ver com a situação?
– O senhor tentou matar por espancamento o senhor Sílvio Dantas, delegado?
– Pode ter certeza, meu caro confrade, que no dia em que eu desejar matar alguém por espancamento, esse alguém não estará vivo à sua frente para dar depoimento, logo, eu não tentei. Afinal o senhor não viu a testemunha alegar que caiu da escada?
O delegado bufou.
– Tá, vocês estão dispensados. – Quase berrou. – Mas saiba que ficarei de olho em você.
– É a sua função, delegado, da mesma forma que é a minha, também. Quem sabe ficamos mutuamente de olho um no outro? Passe lá pela Zona Sul e venha confraternizar conosco. Às vezes vamos treinar no clube de tiro, no Centro. Venha um dia. – Arthur falava com gentileza, mas Cíntia sabia muito bem que aquilo era uma ameaça velada que ele proferia, caso o delegado inventasse de complicar a sua vida.
Irritado, o chefe enxotou os cinco da sala. Na saída, Cíntia pegou o braço da Anabela.
– Posso falar com você um segundo? – pediu. – A sós.
Sílvio continuou andando para se afastar o mais possível do delegado quando Arthur, que tinha ficado ao lado do amigo, disse:
– Ei, grandalhão. – Sílvio, virou o rosto. – Não se preocupe que não sou homem de guardar ressentimentos, mas tenha muito cuidado com a Cíntia, do contrário a sua vida não valerá um centavo, entendeu?
Após receber a ameaça declarada, o homem saiu o mais rápido possível, enquanto Anabela e Cíntia falavam, na verdade a última falava. Ela entregou um cartão, sorriu e saiu para encontrar o colega.
– Cada vez entendo menos, mano.
– Pergunte para a gaúchinha, ora. – Arthur encolheu os ombros.
Foram para o carro e o casal ficou na frente, terminando de fumar. Miguel não resistiu e perguntou:
– Ei, Belinha, o que foi que ela queria?
– Você pode não acreditar, mas queria se desculpar pelas grosserias que disse e fez. Além disso agradeceu porque limpei a barra dela com o filho. Como será que ela sabe isso, amor? – perguntou com um sorriso perigoso, carregado de ciúmes.
– Domingo, eu fui pegar mais coisas minhas e do Pedrinho. Ela estava lá, arrasada – disse Arthur, contando toda a história de forma bem resumida. – Na essência é isso.
– Tem certeza que foi só isso, amor? – perguntou a delegada, enlaçando a sua cintura e encostando-se e ele. – Porque ela disse que desejava que eu o fizesse feliz, mas que iria tentar reconquistá-lo.
– Xi – disse Miguel. – Vou ali no boteco tomar um café.
Arthur sorriu para Anabela e enlaçou a sua cintura.
– Ela tem esse direito, Belinha – respondeu. – Ela está desesperada e perdida. Cíntia não tem mais ninguém na vida; os pais e o irmão morreram em um acidente grave quando tinha vinte e um e, por tudo o que eu senti por ela, precisava de ajudar e de lhe dizer que a perdoava. Desculpe se a chateei com isso, mas eu não poderia ter feito diferente; faz parte da minha natureza.
– Essa é a minha preocupação, amor – disse ela fazendo beicinho e encostando a cabeça no seu peito. – Você é bom demais. Nunca vi ninguém tão bondoso. Você devia ser santo e não policial. Desculpe, mas sou bastante insegura por causa do meu passado e é muito difícil competir com ela.
– Vocês mulheres são estranhas. – Arthur sorriu. – Engraçado mas ela disse a mesma coisa de você por causa das nossas afinidades esportivas.
– Sério? – Anabela ergueu o olhar.
– Sim. É que sempre desejei que ela corresse comigo. – Arthur puxou a namorada e foram caminhando até à rua Uruguai procurar o bar onde Miguel estava. Assim que o encontraram pediram dois cafés. – Não vale a pena você ficar com ciúmes. Lembre-se que ela é mãe do meu filho e vou ter que a encontrar muitas e muitas vezes.
– Você gosta dela?
– Gosto sim, gaúchinha, gosto muito. Não pretendo negar meu passado, mas pretendo viver meu futuro e, no momento, ele é você.
– É, e para complicar esse futuro para o meu lado – disse Anabela, apreensiva –, ainda tem a tal Diana, a sua dama misteriosa e linda de morrer.
– Vamos esquecer esse assunto, por favor? – pediu Arthur, sacudindo a cabeça. – Já disse que ela é um problema para mim e evito pensar nisso.
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