Capítulo 5 - parte 1 (em revisão)
"A liberdade tem limites que a justiça lhe impõe."
Jules Renard.
O fim de semana passou tranquilo e sem a estranha gangue da risada fazer das suas, para alívio do delegado. A segunda-feira também foi sem inconvenientes e, na terça-feira, Arthur pegou Miguel mais Anabela e sugeriu-lhe que ela passasse a ir com eles para economizar, uma vez que usava a viatura da polícia e o desvio era insignificante. Passaram todo o tempo a investigar a gangue, como sempre sem sucesso, e, nessa calmaria toda, combinaram de dar uns tiros no clube depois do expediente, ideia do Miguel que desejava vencer o amigo há muito tempo, mas sem sucesso.
Ao meio-dia, além dos três, Moisés e Janjão acompanharam-nos para o almoço para alegria da Anabela que passou a gostar muito deles. Quando já iam retornar para a delegacia, a delegada perguntou:
– Vocês vão na festa de confraternização, quinta? O pessoal me convidou.
– Vamos sim, Belinha – respondeu Miguel. Piscando o olho, continuou. – Talvez apresente a minha namorada nova pra vocês.
– Epa, então é por isso você anda desaparecendo mais cedo, nã é? – provocou Arthur. – Vai casar de novo?
– Nem a pau – disse Miguel, erguendo a voz. – Prefiro virar veado.
– Preconceituoso – gozou a delegada.
– Nada disso, Belinha – respondeu ele, debochado. – Se eu fosse preconceituoso não pensava em virar veado para não casar. Nada contra eles.
– Preconceituoso com as relações estáveis, o casamento, por exemplo, seu bobo.
– É isso mesmo, Belinha – disse Moisés, rindo.
– Você não tem ideia do horror que é o casamento.
– Claro que tenho – respondeu ela. – Acordar com o maridinho do lado, curtir a vida feliz com alguém bacana presente... é muito gostoso e não tem nenhum horror. Quer coisa melhor?
– Credo, você é casada e anda traindo seu marido com meu amigo, safada?
– Eu sou viúva, Miguel – respondeu Anabela, fazendo cara de triste. – Ele morreu assassinado duas semanas depois que casamos.
– Sinto muito, Belinha – disse Janjão colocando a mão no seu ombro, enquanto Moisés também dava as condolências.
– Droga! Eu... ham... hein... me... me... d... des... desculpe, Belinha – gaguejou, sem jeito. – Não tive intenção...
– Deixe pra lá – disse ela voltando ao normal. – Isso faz quase seis anos, mas foi por isso que virei policial e da corregedoria. Quem o matou era da polícia.
– Sinto muito, Belinha – disse Arthur, compadecido. – Conseguiu prender o cara?
– Prender? – Ela fez um gesto com a mão que imitava uma pistola disparando e continuou. – Eu matei o filho da puta. Peguei ele tentando violentar uma garota de dezesseis anos e mandei bala. Só tiro para machucar muito e morrer bem devagar.
– Escute – disse Miguel, fingindo medo. – Você não anda zangada comigo, né?
– Não, seu bobo – respondeu Anabela, rindo. – Você até que é legal. Só reclama demais do meu cigarro. Mas claro que não tive oportunidade de viver os horrores do casamento. Era tudo flores.
– O Miguel é muito exagerado – disse Arthur, vindo em defesa do matrimônio. – Meus pais são casados há quarenta anos e são muito felizes até hoje. Eu era feliz, mas...
– Acho melhor trocarmos de assunto – disse Anabela, pegando a cintura do delegado e beijando seu pescoço. – Pare de pensar isso, carioquinha.
Arthur teve que rir.
― ☼ ―
À tardinha, após o expediente, os três foram para o clube de tiro com Moisés e Janjão junto. Anabela e Arthur davam um show à parte para os amigos quando o delegado fez uma careta.
– Gente, me desculpem, mas alguma coisa que comi não desceu legal – disse, aflito. – Ainda bem que os banheiros aqui são limpinhos. Já volto.
– Xi – disse Miguel. – Comemos quase a mesma coisa. Espero que não dê xabú que vou sair com uma gata.
Arthur ignorou o comentário e afastou-se a passos rápidos, enquanto os amigos continuaram atirando. Quarenta e cinco minutos depois, Anabela perguntou para Miguel, enrugando a testa.
– Será que tá tudo bem com ele? – recarregou a pistola. – Ele tá no banheiro faz um tempão e agora estou preocupada. E se lhe deu um treco? Miguel, você não quer olhar se tá tudo bem?
– Claro que tá tudo bem – tranquilizou o policial. – Ele tem telefone e, se tivesse passando mal, tinha ligado pedindo ajuda. Daqui a pouco aparece... viu? Olha ele ali.
― ☼ ―
Arthur afastou-se andando bem rápido e um tanto quanto aflito. Seguiu por um corredor largo e depois por um transversal, mais estreito e bem curto, onde ficavam os sanitários. Não viu a placa de aviso de piso molhado e foi por pouco que não se esborrachou no chão o que teria causado um acidente de proporções catastróficas para si mesmo devido ao seu estado, tamanha era a pressa. Irritado, perguntava-se por que motivo quando o sujeito não se sente bem fica pior à medida que se aproxima do banheiro. A hora de baixar a calça, então, era a pior e mais perigosa fase.
Já desesperado sentou-se no vaso sanitário, aliviado por ter chegado a tempo. O estrondo que se seguiu deixou bem claro que o problema dele era apenas gases, ao mesmo tempo que o seu rosto exibiu um sorriu de alívio por ter parado de sentir as fortes cólicas. Aguardou mais um pouco para ter a certeza de que não se tratava de um alarme falso e recompôs-se.
Lavou as mãos e saiu meio de rompante. Uma mulher que vinha passando, talvez saindo do sanitário feminino, assustou-se e fez um movimento brusco, perdendo o equilíbrio por causa do chão ainda molhado.
Arthur agiu por instinto de anos de prática de lutas marciais e atirou-se para a frente, estendendo os braços e fechando-os em torno da moça em um abraço que a impediu de cair de costas.
Aquele perfume que sentiu a seguir deixou-o inebriado e, antes mesmo de ver o rosto da sua dama misteriosa, já sabia quem estava nos seus braços na mais perfeita posição de entrega. Ele olhou para a garota e murmurou:
– Você! – Devagar, foi erguendo a mulher e puxando-a de encontro a si.
– Oi, Arthur – disse ela, sem tirar os olhos do delegado. Ergueu o braço esquerdo e pôs a mão atrás da sua nuca, puxando-o. – Que bom ver você!
Ele ia dizer algo, mas a mulher não o deixou. Aproximou o rosto do delegado, cada vez mais perto e colou os lábios nos dele em um beijo fervoroso e cheio de paixão que incendiou o policial de imediato. Beijaram-se e acariciavam-se como alucinados enquanto ela se colava ao seu corpo. O coração do Arthur parecia que ia sair do peito, de tão forte que batia, e ele voltou a ter a sensação de déjà vu quando ela parou de o beijar e olhou para os lados.
Puxou seu braço e abriu a porta do sanitário para deficientes físicos, empurrando-o para dentro e trancando-se com ele, recomeçando a agarrar o delegado que já tratou de despir a moça, tomando uma verdadeira sova da calça, muito justa.
Foi algo selvagem e bem louco, algo que Arthur jamais tinha feito na sua vida, mas, ao mesmo tempo, muito bom. Estavam ambos parados e ofegantes nos braços um do outro, sorridentes e aos beijos, ainda tentando acalmar os corpos colados que pulsavam. Arthur olhou para ela, tão bela, e sorriu-lhe.
– Você sempre transa assim com tanta paixão e energia? – perguntou-lhe a moça, arquejante. – Sei que não devia dizer isso porque acho que vai ficar muito convencido, mas você é maravilhoso!
Arthur apenas sorriu e voltou a beijá-la, recomeçando as carícias. Quando já não aguentavam mais e pararam, ele disse, enquanto a beijava com delicadeza:
– Acho que agora adquiri o direito de saber o seu nome.
– Depende – respondeu ela, afastando-se e começando a se vestir devagar. – Estes dias fui a um bar e vi você com uma loira lambida, sem falar que ela tava bem próxima de você. Próxima demais para o meu gosto.
– Minha colega de trabalho, Anabela.
– Então diga para ela que, na minha seara, ninguém mexe, entendeu? – ameaçou, mas seus olhos sorriam. – Acho melhor parar de olhar para meu corpo e se arrumar, seu taradinho.
– Será possível que só arrumo mulher autoritária? – brincou, começando a se vestir. – Que culpa tenho eu se você é uma das coisas mais lindas e gostosas que já vi na minha vida? Não vá arrumar confusão com Anabela que ela atira melhor que você.
– Você também é muito gostoso e por isso abri uma exceção, apesar de ser casado – respondeu ela, rindo. – Afinal esses seus colegas todos e ela, o que vocês fazem?
– Somos delegados de polícia – respondeu.
A dama misteriosa aproximou-se, pondo a mão sobre o seu peito e acariciando-o. Deu-lhe um longo beijo e disse:
– Gosto de policiais, tão másculos e determinados!
– Bem – comentou Arthur, beijando-a de volta e rindo. – Tem dois lá na nossa delegacia que de másculos não têm nada, antes pelo contrário, são duas mocinhas, mas eu não mexeria com eles se quisesse ficar inteiro. E olha que são sujeitos muito legais.
– Preciso ir – disse ela, voltando a beijá-lo.
– Quando vou vê-la de novo? – perguntou Arthur, triste por não mais a ter nos braços. – Não paro mais de pensar em você!
– Você continua casado, amor, mas quem sabe. Eu costumo ter sede com frequência e seus beijos são mágicos. Não só os seus beijos, você por inteiro é mágico.
– E seu nome? – perguntou, enquanto ela saía. – Acho que isto foi intimidade suficiente para você me dizer o seu nome.
– Será que foi? – abriu a porta e sorriu, angelical. – Lave o rosto que tá cheio de batom. Tá bom, meu nome é Diana, mas livre-se da loira lambida.
– Adeus, Diana. Você deve ser uma fada para me enfeitiçar assim – disse, sonhador. Após, pensou. – "Não há a menor dúvida que as ruivas são a minha perdição."
Arthur obedeceu e lavou-se, em delírio. Ela era a perfeição personificada e o seu nome não lhe ficava a dever em beleza. O delegado não parava de pensar nela durante o percurso de volta quando o telefone vibrou. Pegou nele para ver a mensagem e descobriu que era da esposa reclamando por que motivo não respondeu a mensagem anterior. Isso fez com que se sentisse culpado, mas não por muito tempo. Parou e olhou a outra mensagem que dizia que o filho ia ficar com o pai dele porque ela ia chegar tarde. Se ele pegasse a criança que avisasse. Arthur escreveu um pedido de desculpas dizendo que não viu o telefone vibrar por causa dos tiros no clube e que não se preocupasse que pegaria o filho.
Quando ia entrar no setor dos estandes, parou e aprumou-se porque sabia com toda a certeza que a sua cara traí-lo-ia, se não se cuidasse.
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