Capítulo 14 - parte 2 (em revisão)

Já anoitecia e um pequeno, mas determinado grupo preparava-se para uma caçada. Era uma ação que a maioria da população jamais saberia nem se importaria, desde que fosse levada a bom termo. A escolha do bairro não foi um acaso e sim apoiada nas estatísticas dos ataques da gangue.

Eles costumavam atacar entre as dezessete e vinte e três horas. Arthur olhou o relógio pela décima vez nos últimos cinco minutos. Mais uma vez verificou a arma e os pentes adicionais, certificando-se que teria condições de sustentar um tiroteio pesado sozinho até que chegasse o apoio.

Por determinação do Heitor, seria mantido o silêncio de rádio até que a central chamasse para atender o alarme. Arthur rejubilava porque o chefe da gangue cometeu um grave erro em subestimá-los.

Irrequieto, olhou mais uma vez para as horas: oito e sete. Suspirou fundo e pegou o maço do bolso para acender um cigarro, mas um estalo do alto-falante anunciou uma mensagem da central.

Sentiu toda a adrenalina fluindo pelo corpo quando foi comunicado o disparo do alarme silencioso de uma joelharia, mas era em Ipanema. Arthur soltou um palavrão enorme em meio a um chiado, soltando de uma vez todo o ar que segurou durante o tempo que a operadora falava. Pegou no microfone e disse, aos berros enquanto acelerava o carro:

– Atenção, é delegado Arthur Delgado no ar. Estou na divisa de Ipanema. Central, alerte a equipe da operação "Silencia Palhaço" a se dirigir ao local. Câmbio.

– "Confirmado, delegado. Central chamando equipe 'Silencia Palhaço', equipe 'Silencia Palhaço', seguir com prioridade para local do assalto. Confirmar, por favor. Na escuta."

Arthur não ouvia mais nada. Agora tinha uns três minutos para chegar ao ponto onde o crime acontecia, do contrário arriscava-se a perder a chance. Esqueceu todo o medo que tinha de correr de carro e disparou alucinado no meio de um trânsito ainda intenso. Não logrou nem mesmo ouvir a ordem do chefe que mandou abortar a operação porque estavam demasiado afastados. Tudo o que ele via na sua frente era asfalto, luzes e carros por onde desviava com maestria em uma corrida insana com um carro que nem sirene tinha por ser o seu veículo particular.

Pensou ter ouvido gritos desesperados da Anabela pedindo que respondesse, mas a sua mente estava um tanto desconectada do mundo. Dois minutos depois, entrava em uma rua fora das vias principais de movimento porque o assalto ocorria na sede administrativa da empresa e não nas lojas. Ele subiu na calçada e apontou o carro para a entrada, formando um ângulo de segurança. Abriu a porta e deixou os faróis acessos no máximo, gritando:

– É a polícia. Saiam com as mãos para cima. – Ele sabia que os criminosos ficariam ofuscados e ergueu-se, mas mantendo-se protegido pela porta. Se conseguissem ver alguma coisa, seria apenas uma sombra fugaz e só mesmo um atirador excepcional consegui-lo-ia pegar pelo som da voz.

– Saiam com as mãos para cima ou serei forçado a atirar – repediu, aos gritos. – Quem aparecer armado, será morto. Último aviso.

Um sujeito de preto avançou e ergueu a mão muito rápido, disparando. Arthur sentiu a porta mexer-se com violência ao receber o impacto em cheio, desequilibrando o delegado, mas, logo a seguir, foi contemplado com uma dor muito intensa no abdômen. A vista ficou turva por um segundo e, com um grito de dor, ele atirou-se para o lado e disparou, vendo o criminoso cair. Notou que não o matou e ia dar o segundo tiro quando mais quatro sujeitos correram, atirando na sua direção. Arthur estava deitado no chão e, apesar da dor, ergueu a arma e começou a disparar. Foram quatro tiros em cadência e, a cada bala que saia do cano daquela pistola, um alvo caia ferido de morte a vinte metros dele. Arthur sabia que não viveriam para ver o socorro chegar e nem se importou com eles porque agiu assim de propósito. A sua raiva contra a gangue era tão grande que ele escolheu feri-los de morte e de uma forma muito dolorosa, apesar da sua habilidade de atirador, mesmo ferido, ser suficiente para os neutralizar sem matar.

O único criminoso que lhe chamou a atenção de fato por tê-lo atingido sem condições de visibilidade ainda estava vivo, mas não se mexia mais e Arthur calculou que devia ter ficado em mau estado.

Levantou-se com dificuldade e olhou para o seu ferimento que sangrava demais, constatando que era bastante grave e mortal se não recebesse socorro imediato. Por uns poucos segundos tentou imaginar que raio de calibre os criminosos usavam para a porta ser perfurada e o projétil ainda ter potência suficiente para feri-lo. Parou de pensar nisso e pegou o microfone, sentindo muitas dores. Com a voz já aflita disse:

– Central, aqui é delegado Arthur Delgado. Solicito socorro imediato para mim e mais um meliante. Ferimento à bala muito grave. Peço socorro com urgência. Temos mais quatro, mas estarão mortos antes do socorro chegar.

– "Confirmado, delegado. Aguarde auxílio e não se exponha mais. Todas as unidades, todas as unidades..."

Arthur tirou a camisa e amarrou em volta da barriga para fazer pressão e diminuir a hemorragia. A seguir, aproximou-se do ferido, ignorando a recomendação. Andava com dificuldade, pressionando o ferimento com uma mão e mantendo a arma bem apontada com a outra, que até já tremia um pouco de fraqueza, mas o criminoso não reagia. Notou que o tiro foi bem parecido com o que recebeu, mas ele ainda vivia. Chutou a arma da sua mão, que ficou a meio metro dele, e agachou-se, notando o contorno dos seios e concluindo que era uma mulher. Arthur levou a mão ao capuz e puxou sem muita delicadeza, arregalando os olhos e gritando em desespero:

– Maria! – Começou a chorar e disse. – O que foi que eu fiz? Por quê? Por quê?

– Desculpe, meu amor – respondeu ela, já com a voz muito fraca, estendendo a mão. – Desculpe por feri-lo, eu não sabia que era você.

– Por quê, Maria, por quê?

– Chantagem. Faziam chantagem comigo – respondeu. – Meu enteado armou uma situação para mim e filmou um homem tentar me violentar, só que eu o matei graças às suas aulas de artes marciais. Era tudo armação e ele aliou-se a um policial corrupto que deu um jeito de fazer com que eu jamais conseguisse provar a minha inocência. Como Sílvio não podia pegar os meus bens, me obrigavam a fazer os assaltos para enriquecerem às nossas custas. Depois, ameaçaram matar você, se eu não cooperasse. Quase todos da gangue eram chantageados de alguma forma.

Arthur ouvia aquilo chorando com grossas lágrimas que caiam dos seus olhos para o rosto da Diana que, apesar da agonia, permanecia serena. O delegado estava muito fraco, mas nem sentia mais a sua dor porque uma outra, muito maior, instalou-se no seu coração.

– Eles ameaçavam entregar o vídeo onde eu matei o homem, mas cortaram as cenas da tentativa de estupro – continuou a moça, erguendo a mão para o seu rosto. – Quando descobriram que você ficou comigo, passaram a ameaçar de matar você e sua família, meu amor, e foi por isso que não quis continuar o relacionamento, só que depois me mandaram umas fotos onde você discutia com a loira lambida e outra onde você chorava. Nessa hora, descobri que era tarde para mim. Você precisa de pegar esse policial e meu enteado sabe quem é ele, é o único que o conhece de verdade.

– Estão todos quase mortos, meu anjo.

Diana levou a mão ao bolso, com dificuldade, e tirou o telefone. Estendeu-o para Arthur.

– As ordens... vinham por SMS... prometa que vai... matá-lo por mim. Ele nunca... participa... das operações.

– Eu juro – disse Arthur, chorando cada vez mais.

– Amor, agora tudo o que eu tenho será seu, tudo, e nada mais importa. Meu advogado irá procurá-lo com o testamento. Faça bom uso. Eu sei que não vou sobreviver, mas saiba que sempre, sempre o amei todos estes anos. Tudo o que eu sempre quis era viver com você e que aquela criança adorável fosse nossa, mas o destino não quis assim. Eu vou sempre amá-lo e estarei lá em cima, velando por você e sua felicidade.

– Não, Maria, pelo amor de Deus, não quero aquela fortuna e muito menos que você morra...

– Faça uma fundação... – sua voz era demasiado fraca e ele também piorava a olhos vistos –, que ajude as pessoas... era o que eu pretendia fazer quando... me livrasse disto... faça... por... mim.

– Faço tudo o que quiser, prometo, mas não morra, não morra.

– Eu queria... me livrar... disto tudo. Por isso fiz de você... meu herdeiro... queria passar para você e... destruir a gangue... nem que morresse ou... fosse presa – disse, com dificuldade. – Eu quero um beijo, Thurzinho, meu último beijo.

Quando ele afastou a boca dos lábios dela, seus olhos estavam fechados e o delegado tentou erguê-la para o carro, mas nem mesmo conseguia ver para que lado ficava porque estava quase tão perto da morte quanto Diana. Sentiu uma presença ao lado e virou o rosto. Era um vulto de preto, com uma pistola na mão. Arthur chorava tanto que não conseguia mais focar, mas sabia que seria morto em breve pelo último deles. O criminoso, provavelmente o piloto do carro, deixou a pistola cair e arrancou o capuz.

Arthur levou as mãos ensanguentadas ao rosto e clareou a vista, deparando-se com outra mulher. Por um momento a surpresa e a raiva suplantaram a dor e ele pegou a sua arma do chão, apontando para Cíntia.

– Se você ama seu filho, saia daqui – disse, ameaçador. A seguir berrou. – Saia daqui, já, saia.

Devagar e com os ombros encolhidos, Cíntia baixou a cabeça e afastou-se. Quando passou perto do grandalhão morto, chutou a sua cabeça com toda a força durante três ou quatro vezes e começou a correr.

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