Capítulo 1 - parte 3 (em revisão)
Ambos saíam da joelharia após conversarem com o dono, o gerente e alguns funcionários. Olharam as câmeras de vídeo e notaram que os assaltantes tinham estudado muito bem a loja antes de entrarem porque pareciam saber com toda a precisão o local das câmeras de segurança, até das ocultas. Além de mascarados, evitaram sempre ângulos diretos que os pudessem trair com trejeitos. As roupas pretas, folgadas, provocavam uma incógnita sobre os genótipos deles, até mesmo sobre o gênero, embora Arthur pudesse jurar que, pelo menos um deles era mulher e outro um homem de certeza, já que parecia ter uns dois metros ou mais. Claro que ele sabia que existiam mulheres de dois metros, mas, no Brasil, eram um tanto raras. Ao lado da joelharia havia um bar e decidiram tomar um café enquanto conversavam.
– Será que o cara da segurança cantou a pedra? – perguntou Miguel, pensativo. – Os meliantes parecia saber direitinho a posição das câmeras.
– Pensei nisso, mas perguntei ao dono da empresa e ele disse que o segurança é de toda a confiança. Mesmo assim, vou dar uma investigada na vida dele – disse Arthur, que levou a mão ao bolso da camisa e descobriu que estava sem cigarros.
No bar não vendiam, mas o caixa apontou a banca da esquina, do outro lado da rua e o delegado foi até lá.
Miguel ficou na porta, de pé, bebericando o café e olhando o amigo pagar os cigarros enquanto já pegava um e acendia. Ele detestava cigarros e fumaça, mas, pela amizade que tinha com Arthur, até aturava embora reclamasse muito. Viu a cara de prazer e alegria do amigo ao aspirar a fumaça e ficou imaginando como raio alguém poderia sentir prazer com aquilo.
Seus devaneios foram interrompidos com uma gritaria para o lado esquerdo e ele virou o rosto de forma a identificar o que era.
Viu de cara um marginal correndo com uma bolsa na mão enquanto dois policiais seguiam no seu encalço, mas longe demais para lograrem pegar o assaltante. Miguel ia correr para apanhar o criminoso, só que notou que o amigo estava em melhores condições estratégicas e forma física também, apesar de fumar feito um retardado.
― ☼ ―
Rudinei andava pela praia de Ipanema de tocaia para encontrar alguma vítima fácil. Ele precisava de dinheiro para comprar crack e já se sentia desesperado com a abstinência, entretanto sabia que não adiantaria precipitar-se porque, se fosse apanhado, ia direto para o presídio já que era um fugitivo condenado. Usava uma roupa muito simples, parecendo um mendigo, mas os tênis de boa qualidade nos pés traíam-no, apesar de nenhum policial ainda ter notado isso. Rudinei sabia dos riscos, só que era a única forma de poder escapar quando cometesse o crime, uma vez que era um excelente corredor.
Após uma espera que lhe pareceu interminável, ele deparou-se com a vítima perfeita: uma mulher muito chique que usava um salto alto demais para sair correndo além de carregar a bolsa de forma displicente.
Aproximou-se com calma, avaliando. Quando ela se virou para ver a vitrine de uma loja, Rudinei acelerou o passo e arrancou-lhe a bolsa com violência, derrubando a mulher com um encontrão que gritou, assustada. Bem naquele momento um homem passava a lado e a sua reação foi de tal forma veloz que o jovem criminoso quase foi apanhado no ato, mas, com sorte, esquivou-se e começou a correr, perseguido pelo homem que berrava "pega ladrão" em altos brados, alertando os transeuntes.
Em pouco tempo, dois PMs também seguiam-no a correr, todos a gritar, mas o povo tinha medo de segurar o criminoso e abria caminho. Rudinei começou a rir, olhando para trás. Vendo que tinha uma dianteira substancial sobre os perseguidores, riu mais e decidiu dobrar para a esquerda na esquina seguinte que na certa despistaria os policiais. Deu uma gragalhada e começou a curva quando sentiu algo muito duro no rosto. Sem explicação ficou tudo claro, como se tivessem disparado um flash nos seus olhos e, por fim, teve a sensação de que o nariz estava amortecido e quebrado em mil pedaços ao mesmo tempo que a saliva ficou doce e a cabeça formigou enquanto escurecia de repente. Sem reagir, caiu de costas com tanta violência quanta era a velocidade com que corria e desmaiou por uns poucos segundos.
A consciência retornou muito devagar, enquanto ainda respirava ofegante. Sentiu uma coisa muito pesada sobre o seu pulso direito e o nariz doía imenso. Ergueu o braço livre e levou a mão ao rosto, sentindo algo úmido e pastoso. Devagar, abriu os olhos e olhou para a mão, vendo-a toda manchada de sangue. A segunda coisa que notou foi um cano preto e, a seguir, quem o empunhava. Assustado, tentou erguer-se, mas o estranho usava um dos pés para o manter firme contra o chão, pisando no seu pulso.
― ☼ ―
Arthur tinha acabado de acender o seu cigarro, feliz, mas mais feliz ainda por ser o primeiro cigarro do dia, uma vez que àquela hora, em geral, já teria fumado meio maço.
Lembrou-se do amigo e do café que desejava tomar, começando a andar de volta quando uma gritaria chamou a sua atenção. Olhou para a esquina e viu o meliante correndo na sua direção, rindo da cara dos perseguidores e sem o ver. Abanou a cabeça e parou, abrindo um pouco as pernas flexionadas e mantendo uma postura de lutador que o fazia ficar muito difícil de ser derrubado. Quando o assaltante chegou perto, olhou para trás e gargalhou. Aproveitando isso, Arthur ergueu o punho, enrijecendo o braço e, impávido, assistiu o assaltante entrar em nocaute por vontade própria enquanto dava nova baforada no cigarro. Pegou a arma das costas e chegou bem perto.
O criminoso abriu os olhos pouco depois e virou o rosto para se deparar com uma pistola na frente da sua cara e um pé sobre o seu braço.
– Perdeu, mané – disse Arthur. – Polícia civil. Fica quietinho ou toma um teco no meio dos olhos.
Os PMs chegaram correndo, esbaforidas, e algemaram o criminoso enquanto Arthur mostrava o distintivo. Cumprimentaram-se e o delegado foi para o bar tomar seu café, vendo o amigo que ria sem parar.
Arthur pegou o copo que lhe foi entregue e apontou os policiais com o nariz:
– Esses aí nunca que iam pegar o trombadinha. O desgraçado corria muito – disse rindo. – Aqueles dois PMs, gordinhos daquele jeito... sei não.
– E você nem precisou de fazer esforço. – Miguel deu nova risada.
– Quem mandou correr sem olhar prá frente? – Arthur encolheu os ombros. – De qualquer forma, eu pegaria o idiota. Modéstia à parte, preso muito a minha saúde e forma física.
– Eu sei, meu velho – disse Miguel. – Agora só falta acabar com esse cigarro aí.
– Tem razão, mas é o primeiro do dia – comentou Arthur. – Eu estou fazendo um esforço para reduzir, ok?
– Isso é ótimo. Fazemos o quê agora, já que você é o chefe?
– Vamos visitar mais algumas vítimas, cruzar informações, sei lá – disse ele. – Dá tempo de visitar mais um antes do almoço.
― ☼ ―
Os dois passaram o dia levantando informações e, quando terminou o expediente foram para o clube de tiro. Iam calados, cada qual pensando ao seu modo, quando Arthur rompeu o silêncio:
– Eles atacam só na Zona Sul, em especial Copacabana, Leblon e Ipanema. Tenho a impressão que são orientados de alguma forma.
– Como assim?
– Esses caras não são criminosos comuns – respondeu Arthur, pensativo. – Não atuam como os traficantes de favela e muito menos como aqueles doidos de São Paulo que arrombam cofres explodindo tudo, dando tiros para o ar e matando toda a vizinhança de susto e medo. Estes aqui parecem até elegantes. No normal, arrombam à noite ou tardinha, evitam matar ou ferir, até mesmo fazer alarde. São superorganizados e parecem saber a nossa metodologia, como se fossem policiais ou ex-policiais. Além disso, desconfio que possam receber informações de alguma forma que desconheço. Será que há corruptos na nossa delegacia?
– Corruptos há em qualquer lugar, meu caro. Contra isso não adianta argumentar porque faz parte da natureza humana.
– É verdade, uma pena, mas é verdade – afirmou Arthur, estacionando o carro. – Bem, chegamos, então vamos esquecer o trabalho e dar uns bons tirinhos por aí.
– Ok. – Miguel riu. – Que arma você vai usar? Eu trouxe só a minha nove mm.
– Tenho duas – respondeu Arthur. – Uma Beretta nove mm e uma Magnun ponto quarenta e quatro; uma delícia que faz "o estrago".
– Ei, eu quero dar uns tirinhos com ela.
– Be my gest – disse Artur rindo. – Tá melhor o meu inglês?
– Yep – respondeu Miguel, também rindo. – Vamos nessa.
― ☼ ―
Os dois foram para o estande principal, que continha dez boxes e começaram a atirar, competindo entre si. Miguel bem que tentava, mas o amigo era um atirador nato e as apostas passaram a ser onde ele acertaria a bala.
– Bem, agora eu quero bem no meio dos olhinhos – disse Miguel, colocando uma nova folha no alvo. – Nossa, que cheiro bom!
– É mesmo – comentou Arthur, apertando o botão para afastar o alvo. – Uma gata bem cheirosa deve ter passado sem a gente ver. No meio dos olhos? Tem certeza? Isso é muito fácil.
– Tenho – disse Miguel, apertando o botão e afastando o alvo até ao ponto máximo. – Mas numa distância decente.
Arthur olhou e riu. Virou-se para o amigo e perguntou, apontando com a arma para o alvo, displicente.
– Que tal no meio olho?
– É, no olho é mais interessante.
Arthur pôs o tapa ouvido e apontou. Não demorou muito e atirou. Miguel apertou o botão para o alvo aproximar-se e lá estava o buraco, bem no olho esquerdo.
– Você é um demônio, Arthur – comentou ele, rindo. – Muito bem, onde quer que eu acerte?
– Para você pode ser na testa, mas na mesma distância.
– Ok, só que eu quero usar a Magnum.
– Sei, você usa a Magnum e o papel fica destruído, daí diz que acertou fácil. – Arthur riu. – Nem pensar.
– Qual é, mano.
– Tá bom. – Arthur tirou a arma das costas e entregou para o amigo, que conferiu o tambor. – Que belezura de revólver, mas pesadinho.
– Cuidado que isso dá um senhor coice, seu mané.
– Tô sabendo. – Miguel apontou e atirou. Mesmo com os abafadores de ruido eles ouviram o disparo um tanto alto, tamanho era o poder da arma.
Já iam puxar o alvo, que ficou bastante destruído, quando ouviram um estrondo que fazia o tiro da ponto quarenta e quatro parecer pequeno. O alvo do box ao lado oscilou bastante e, de bocas abertas, os dois espreitaram por trás da parede separadora.
A primeira coisa que ambos viram foi um par de pernas femininas tão perfeitas que nem pareciam de verdade e foram subindo o olhar, maravilhados com a mulher. Miguel, mais afoito, assobiou baixinho e ela, que já tinha tirado o abafador, virou o rosto para eles. Arthur arregalou os olhos.
– Isso é que é arma! – disse Miguel, sorrindo. – Se bem que prefiro toda a vida o avião que está usando.
– Mas que cantada mais sem graça – afirmou ela, mantendo-se fria e sem falar mais nada. Virou-se e deu novo disparo, sem proteção alguma, mas não parou por aí, foi atirando até descarregar o pente e a placa do alvo caiu no chão, destroçada.
– Você está certa – disse Miguel. – Foi mal. Ponto cinquenta?
– Sim – respondeu ela. Olhou para Arthur e continuou. – Eu conheço você de algum lugar. É que é muito raro eu esquecer de um rosto.
– V... v... você tem razão – gaguejou o delegado, muito sem jeito. – Almoçamos no mesmo restaurante, ontem.
– Isso mesmo – respondeu ela, sorrindo. – E uma hora você ficou me secando.
– B... b... bem, me desculpe – gaguejou de novo. – É, é, é que você chamou minha atenção.
– Ok, você também chamou minha atenção – comentou a moça e Arthur chegou a sentir os ouvidos latejando.
– Bem – começou Miguel, na clara intenção de aproveitar o momento. – Já que quebramos o gelo, que tal tomarmos alguma coisa e batermos um papo?
– Desculpe, meu chapa – cortou a moça. Olhando a aliança no dedo de Arthur, continuou. – Você não faz o meu tipo e seu amigo é casado, uma pena porque eu não flerto com homens casados.
Deu um sorriso e saiu andando, seguida pelo olhar deles.
– Ao menos diga o seu nome – pediu Arthur.
– Outro dia, quem sabe – respondeu ela, saindo do estande e sorrindo. – Precisamos de ser bem mais íntimos para isso.
Os dois amigos ficaram olhando um para o outro, de olhos arregalados. Arthur disse, chateado.
– Cara, nunca amaldiçoei tanto uma aliança quando agora.
– Não é pra menos – disse Miguel. – Então foi essa belezura que você encontrou no restaurante? E que perfume!
– Pois é.
– Cara, ela foi com a sua cara. Nem sei como, mas foi.
– Não sabe como, por quê? – perguntou Arthur, sem entender.
– Ora, eu sou muito mais bonito – respondeu Miguel, rindo.
– Se liga, mané – disse Arthur, sacudindo a cabeça. – Vamos tomar umas cervejas e depois para casa.
― ☼ ―
Be my gest – Seja meu convidado. N.A.
Yep – Yep ou Yeah são variantes de Yes (sim). N.A.
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