Dois meses atrás eu tive um sonho, ele era esquisito no começo, tinha muitos significados.
Eu viajava e encontrava um buraco no meio do caminho, ele era como um portal, mas também tinha asas, era preto e me chamava, eu entrava e uma sensação que eu jamais havia sentido inundava meu corpo, a felicidade, a paixão, tudo. Eu saia e a sensação ia embora.

Eu fiquei sem entender vários dias, depois resolvi ignorar.
Agora estou pensando em fazer o mesmo. Ignorar. Apenas ignorar.
Não sou tola, sei o que uma parceria significa, o peso dela, a responsabilidade.
Não sei se estou pronta para isso, não quero magoar a mim mesma, não quero magoar ninguém.

Estamos andando de volta para Velaris, e sei por que não achei a entrada. É deserto e somos o único contraste no branco cintilante da neve, nada como a floresta em que eu estava agora a pouco.

Onde descobri minha parceria.

O caminho todo fomos os quatro calados, sem dizer uma palavra. Cassian (que eu finalmente aprendi o nome) sugeriu que fossemos voando mas Elain e eu recusamos na hora. Não sei os motivos dela mas eu não me sentiria confortável sendo carregada por dois homens que não conheço.

- Bem-vinda! - Cassian diz quando finalmente entro na cidade e é tão divina quanto os boatos.

- Uau - digo, contemplando o lugar.

- Venha tem uma cafeteira ótima ali, Nestha estará esperando por nós. - Ele diz animado.

- Quem é Nestha e por que ela está esperando por nós? - pergunto sem um alvo em específico.

- É a parceira dele, avisei que iríamos buscar você. - Elain responde.

- Como assim me buscar? - paro bruscamente mas ela já está correndo saltitante com Cassian pelas ruas.

- Que merda tá acontecendo? - me viro para Azriel, ele parece distante. Inexpressivo.

- Sei tanto quanto você. - ele inclina a cabeça indicando a dupla que corre. - Vamos.

Assinto, não posso negar que o trio foi de grande ajuda, nunca teria encontrado este lugar sozinha, provavelmente teria morrido congelada pela neve ou alguma criatura terrivelmente grande e com fome teria me jantado.
Aceitar o café é no mínimo um obrigada. Mesmo que o que Elain disse ainda esteja zumbindo na minha cabeça.

Passo pelas ruas cinzas com paralelepípedos tão admirada com a beleza que sinto uma leve tristeza pelo caminho ter sido curto.
As casas, as lojas, as pessoas... Sinto um bem estar enorme aqui.
A cafeteria é linda, super aconchegante, com luzes e almofadas, sentamos em uma mesa na varada com bancos altos.

- Eu pensei que seria pior. - A mulher que suspeito ser Nestha por Cassian estar agarrado nela diz, olhando para mim de cima a baixo.

- Seja educada Archeon! Somos pessoas civilizadas entendeu? Ou a Feyre irá te castigar de novo. - Cassian diz desta vez olhando o cardápio. Mesmo que eu tenha a leve sensação que todos saibam o que pedir.

Nestha já tem uma xícara a sua frente.
Ela é bem bonita. Usa um vestido azul escuro de veludo e os cabelos presos em um coque com trança. Braços cruzados e testa franzida, ela está ao lado de Elain e a diferença é gritante.

Ela lança um olhar fulminante para o parceiro e só então percebo um detalhe.

- Espera, Feyre Archeon a quebradora da maldição? Grã-Senhora da corte noturna? Você é irmã da Feyre?

- Não, ela também é. - ela aponta um dedo para Elain que está distraída com o enfeite da mesa.

- Aí meu caldeirão, eu devia me curvar algo assim?

- Claro que não. - Elain diz rindo.

- Bom, então estou muito feliz em conhecer vocês mas o que você tinha dito antes? Sobre ir me buscar?

- Ah, isso... Bem, quando o Rei de - ela fica tensa - você sabe onde, me colocou no caldeirão eu acho que posso ter pegado um pouco de poder, demorei um tempo pra digerir isso mas basicamente eu consigo ver o futuro as vezes. Eu vi você, vi a parceira do Az que estaria ali. Chamei eles para irem comigo onde você estava, dizendo que algo importante havia sido perdido lá.

- Sério? - pergunto chocada.

- Não desse jeito, as visões não são tão diretas, mas se eu lhe contasse o que realmente vi me acharia louca.

- Então todo mundo já sabia disso?

- Menos ele. - Cassian aponta para Azriel que encara os dedos em cima da mesa. - Elain achou melhor vocês descobrirem sozinhos, pelo laço. Parece que funcionou.

- Não vim aqui a procura do meu parceiro, não cheguei a cogitar a ideia de ter um. - confesso.

- É compreensível. - o homem chama a garçonete, que anota os pedidos.

- Qual seu nome afinal? - É Nestha quem pergunta.

Não me impressiono ao notar que não tinha dito meu nome. Não costumo contar muitas coisas sobre mim. Não sou fechada ou algo assim, também não me considero introvertida, só acho que na minha posição, fazendo o que eu faço bancar a séria, fria, e ameaçadora funcione mais.

- Bryanna.- digo sentindo minha boca curvar um pouco em um sorriso.- Bryanna Callen.

Pela minha visão periférica consigo ver Azriel levantar a cabeça para me olhar, mas não durou muito.

Depois de tomarmos um café (eu não sabia o quanto precisava de um até ter um), Azriel teve que ir, a pedido do Grão-Senhor. Esperamos, enquanto eles conversavam animadamente sobre Velaris. O que pra falar a verdade foi bem estranho, eu apenas acenava na maioria das vezes.
Quando começou a escurecer Cassian explicou que talvez o homem-sombra poderia ter ido em alguma missão de espionagem, podendo demorar dias para voltar.

- Toma, fiquei o tempo que quiser e precisar. - Elain me entrega a chave de um quarto em uma das pousadas da cidade.

- Obrigada.

- Tem certeza que não quer ir pra Casa do Vento? - Cassian diz.

- Tenho, preciso pensar sobre o dia de hoje.
Ou talvez sair correndo para a corte mais próxima - penso.

- Bom então já gente já vai, Cassian nem devia estar enrolando aqui. - acusa Nestha ao guerreiro illyriano (que descobri hoje também)

- Eu enrolando? Você que tá! Amren disse pra você passar uma hora no arco-íris e já está anoitecendo! Sua lerda.

- Você me chamou de que? - a mulher está com chamas nos olhos e tenho certeza que pode ter desenhos de caveira também, já que Cassian começa a correr como se tivesse visto a morte. - CASSIAN VOLTA AQUI! REPETE O QUE VOCÊ DISSE! - ela corre atrás dele.

Seguro uma risada.

Quando estou dentro do quarto me jogo na cama.

Essa coisa de laço é uma loucura, segundo sei lá quem que inventou isso eu e essa outra pessoa somos feitos um pro outro. É bizarro.

Não tenho tempo para mais pensamentos, dois aspectos de sombra atravessam a porta. Com o susto me ponho de pé rapidamente.

- Quem são vocês? Eu paguei pelo quarto e... - elas se aproximam rápido demais tento recuar mas bato na cama.

- O encantador de sombras pediu para lhe entregar. - uma voz feminina diz.

Encantador de que?

- E o que é isso? - agora estão bem claras na minha frente, duas mulheres. Cabelos longos, lisos e escuros, pele negra e tão parecidas... Gêmeas, com certeza gêmeas. As criaturas mais lindas que já vi.

- Ele não nos disse. Apenas aceite por favor, não iremos lhe causar mal. - elas estendem uma carta, percebo. - Ah, desculpe, somos Nuala e Cerridwen. Podemos dizer que servimos ao Encantador de sombras, conhecido por Azriel.

- Ah.

Elas estendem a carta novamente, dessa vez aceito.
Abro e leio o conteúdo.
Quando vou questionar as meninas elas já não estão lá.