༆ XXIII


Viva os dias de glória, pq agr começa os dias de luta

e eu fiquei chocada cm o total de 0 pessoas percebendo que ninguém pegou a Alyn falando quase a mesma coisa que o azriel disse pro Tamlin na outra reunião
"Cuidado como fala sobre a minha Grã-Senhora."

Darren e Ystria cuidaram de mim e Fellius deu um jeito de encobrir o vômito com uma camada de gelo. Tamlin havia sugado todas as minhas energias, sabia que seria contestada e julgada, mas não imaginei que chegaria nesse nível.

Mas uma coisa que ele disse não saiu de minha cabeça. Minha mãe havia traído Beron? Com quem ela teria feito isso? Essas perguntas esmagavam meu cérebro e faziam minha boca secar. Eu já tinha feito a minha parte, contei tudo que sabia para Helion e se ele quiser pode entregar tudo para eles. Eu só preciso de chocolate quente e biscoitos.

Estava ofegante, coberta de suor e cansada. Não conseguia sequer me sentar direito por conta das pernas bambas. Nunca mais aceitaria brincar com Fellius e Renard. Os dois são incansáveis e cheios de energia, depois do terceiro round tive certeza que a qualquer momento eu seria rasgada ao meio.

Me olhei em um espelho no corredor vendo as bochechas coradas de frio e os cabelos desgrenhados. O vestido continuava impecável. Passei os dedos entre os fios tentando consertar um pouco o estrago.

Nós três ficamos o resto da manhã brincando de guerra de bolinhas de neve no jardim. Foi uma ótima forma de descontar meu ódio sem matar ninguém. Teria sido ainda melhor se Renard e Fellius não fossem tão competitivos. Ajeitei meus seios que estavam quase saltando pelos decote e me virei para ir atrás dos meus responsáveis.

Consegui convencer Ystria e Darren a retornarem para a reunião com a condição que Fellius e Renard cuidariam de mim. E depois de quase cegar Renard com uma bolinha de neve nós decidimos que estava na hora de parar. Ajeitei o vestido e tentei parecer menos eu.

Me abandonaram sozinha nos corredores depois que eu ameacei queimar a calda de Renard se ele não parasse de me chamar de esquentadinha. Agora tenho que ir atrás do salão onde todos irão comer.

Tive que pedir ajuda aos guardas para que me levassem até lá. Eles pareciam desconfiados, mas não disseram nada e me guiaram até as portas duplas de gelo grosso. Tentei não encostar em nada além da maçaneta, ou poderia derreter sem querer e causar um estrago ainda maior para os Grão-Senhores. Acho que essa é a razão pela qual eu nunca quero governar.

Todas as cabeças da sala se viraram para a porta assim que a abri. Cuidadosamente a fechei novamente e sentindo calor se espalhar por minhas bochechas andei apressadamente até a mesa de Helion.

Estava envergonhada pela forma como reagi diante deles. Não deveria ter perdido o controle, ou ao menos deveria ter deixado que Rhys, Feyre ou até o próprio Azriel tivessem feito algo. Mas não me arrependo, o que é ainda pior. Deveria sentir algum remorso após torturar a mente de alguém, mesmo esse alguém sendo o Tamlin.

Me sentei e fiquei em silêncio olhando para a mesa. O grande salão de paredes brancas estava com cinco mesas ocupando parte de seu espaço. Tarquin e Tamlin dividiam apenas uma mesa, já que o Grão-Senhor da Primaveril veio sozinho. Percebi que estavam falando comigo e me virei.

— Sim? — Perguntei meio perdida. Renard me olhou sério como se soubesse que tipo de pensamento está se passando pela minha cabeça.

— Você tem que comer, está em jejum desde ontem a tarde. — Darren diz apontando para o prato vazio a minha frente, só assim percebo que todos eles já estão servidos. Helion me encarou do outro lado.

— Porque está tanto tempo sem comer? — Perguntou sério.

— Não estou com fome. — Respondi. Não conseguiria comer agora, mesmo que quisesse. Meu estômago ainda está dando voltas desde a saída da reunião. As palavras de Tamlin continuam ondulando ao meu redor.

— Isso é novidade. — Manch brincou ganhando a repreensão de Fellius e Ystria.

— Você estava com fome ainda a pouco, por que não tenta comer? — Darren diz pegando em minha mão e dando um aperto carinhoso. Esse era o problema, eu estava com fome, eu quero comer, mas sei que assim que a comida chegar ao meu estômago vou colocar pra fora. E esse não é o tipo de vexame que se pode passar duas vezes.

— Se não comer vou falar pra keala e ela vai te deixar de castigo por uma semana sem comer doce. — Levantei a cabeça rápido e encarei Fellius.

— Você não teria coragem.

— Vai pagar pra ver? — Desafiou. Ele talvez seja um dos únicos que reparam o quanto eu como os docinhos do palácio. Isso se dá por eu sempre roubar os seus depois do treino, almoço, café e jantar. E até mesmo se ele estiver lanchando.

— Renard, faça alguma coisa! — Peço me virando para meu amigo. Meus olhos implorando para ele.

— Nem vem, você queria um irmão mais velho, agora tem. Se vira. — Ironizou levando o garfo com comida a boca. Lhe mostrei o dedo do meio.

— Traidores. — Murmurei enquanto Darren pegava meu prato e servia. O cheiro de filé mignon ao molho de mostarda com risoto de alho poró fez minha boca salivar. Assim que colocou o prato a minha frente percebi o quanto era bem elaborado, diferente das comidas caseiras de Keala. Os olhos de todos na mesa estavam presos em meus movimentos enquanto corto um pedaço da carne.

Quase gemi ao sentir o gosto da comida, percebendo que o enjôo era culpa da fome também e logo estava devorando a comida com calma. Ystria me serviu uma taça de vinho assim que terminei e depois de beber um pouco me lembrei de quando, durante nossa viagem até a corte Diurna, acabei esquentando o vinho durante uma noite fria.

Segurei a taça e balancei um pouco enquanto usava meu poder para aquecer o líquido. Estendi a taça para Ystria que ergueu a sobrancelha.

— Pega logo. — A mesma tomou a taça de minha mão e arquejou minimamente ao sentir o calor do líquido. Levando a taça ao nariz e inspirando o cheiro do vinho. Logo levou aos lábios e xingou bebendo mais.

— Menina, faça isso de novo quando voltarmos e te consigo o seu peso em ouro. — Sorri de lado para ela e pisquei um olho.

— Perdemos algo? — Darren pergunta olhando entre min e Ystria. A fêmea entrega a taça para a outra e assim que Darren prova sua expressão se ilumina. — Onde conseguiram isso? Eu quero!

— Me dê sua taça. — Pedi. A mesma me estendeu a sua e fiz a mesma coisa. — Prove.

Logo os machos perceberam nossa interação e depois de experimentarem o vinho quente tive de esquentar para todos da mesa. Nossa mesa com certeza era a mais barulhenta, graças ao nosso acordo de não falar de coisas sérias de mais durante refeições. Já estava mais animada quando encarei Renard do outro lado da mesa e sorri.

Mas ao olhar para a janela atrás dele senti minha alma deixar o corpo e como um raio uma lança atravessou a vidraça e perfurou a mesa. Um grito de horror foi ouvido e então o salão se encheu de vozes falando uma por cima da outra. Meu amigo estava paralisado encarando a aste de freixo que quase lhe acertou.

— Todos pra longe das janelas! — Gritei vendo os membros da Corte Crepuscular levantarem, o macho com asas estava com sua espada em punho. Ignorando minha própria ordem me aproximei do vidro estraçalhado.

— Saia daí, Alyn! — Reconheci como a voz de Helion, mas apenas mantive minha atenção do lado de fora. E foi então que eu vi, com um sorriso malicioso e vestida inteiramente de vermelho, Milliken. Os guardas e soldados lutando contra um pequeno exército que trouxe consigo.

Os olhos se prenderam em mim como uma promessa silenciosa de morte.

— Todos para fora, agora! — Gritei saindo dali. Isso não era um ataque qualquer, vieram me pegar. E dessa vez conseguiriam.

— Que droga é essa?! — A pergunta exasperada veio de Renard ao perceber a expressão de meu rosto.

— Milliken. — Só precisei dizer isso para que o grupo entendesse. — Fellius, você e Ystria vão junto de Kallias, por agora vocês recebem ordens dele. Darren, sele as portas, ninguém entra ou sai dos cômodos. Helion, se junte aos outros Grãos-Senhores. — Ordenei e começaram a fazer o que disse. Ao nosso redor o caos estava feito, os illyrianos haviam sumido assim como Feyre. Morrigan estava junto de Nae, a irmã mais nova de Fellius e Viviane. — Manch, faça o que for, mas não deixe que entrem no palácio.

Renard me encarou como se já soubesse o meu plano e acreditei que sabia. Abrindo o bolsão de magia tirou de lá dois punhais e jogou para mim. Cortei a saia do vestido e tirei o adereço em meu pescoço ficando apenas apenas com o short justo, as botas e o corpete tomara que caia. Prendi meus cabelos em um rabo de cavalo e saí da sala sendo seguida por Renard.

No caminho até a porta principal encontramos um turbilhão de soldados e alguns corpos sem vida. Renard correu em minha frente e saltou, pousando na forma de um enorme lobo branco. Me agarrei ao seu pelo e seguimos para o lado de fora.

O ar se prendeu em meus pulmões quando vi que as bestas de Hybern massacrando soldados da invernal. Saltei de Renard e me enfiei no meio deles, e com uma leveza digna de princesa comecei a matar todos os soldados de Vallahan que entraram em meu caminho. A adrenalina me deixando ainda mais rápida. Os treinamentos de Fellius agora fizeram milagres, percebi.

Usei o feitiço de invisibilidade para ganhar vantagem sobre os inimigos. Rhysand e Helion lutavam lado a lado dos soldados e Cassian deslizava entre os soldados como em uma dança com a morte. Renard destroçava todos e Ystria era quase Invisível, mas consegui ver um raio atravessar seis soldados. Todos lutavam para impedir que invadissem o castelo, a única coisa que não sabiam era que isso não era uma invasão. E sim, uma busca. Um aviso, claro e vermelho, como o sangue cobrindo a neve. Nós vamos pegar você.

Cortei a garganta de mais um soldado quando fui derrubada. Joguei uma bola de fogo na besta e aproveitei sua distração para enfiar uma lança em seu crânio. Não sei quanto tempo durou, mas quando percebi estava coberta de sangue e os soldados de Vallahan estavam com vantagem. Foi logo depois de cravar a espada no estômago de um soldado que vi ela.

Milliken estava parada no alto de uma casa próxima olhando ao redor como se um mar de sangue não estivesse aos seus pés e me perguntei por um instante se ela já estaria acostumada com aquilo. Mas assim que dei um passo em sua direção Azriel pousou em frente a casa atraindo sua atenção ao matar seis de seus soldados com movimentos rápidos. Puta que pariu.

Uma mão agarrou minha cabeça e me forçou a virar. Gelei ao encontrar o olhar gélido de um soldado.

— Olá, querida. — Um soco foi desferido em minha boca e cuspi sangue. Senti um chute em meu estômago. Deixei o poder fluir e antes que me arrependesse o atingi. Um rugido animalesco semelhante ao de um animal ferido saiu de sua garganta conforme o fogo dourado lhe atingia, enfiei a lança em seu peito.

Por pouco não percebi a presença atrás de mim a tempo de desviar. O soldado me encarou com ódio e arranquei a lança do outro enfiando em sua garganta assim que ele se atirou sobre mim com a espada em punho. Me distrai por um instante vendo Cassian e Feyre lutando lado a lado. Voltei minha atenção para um soldado que tentou me atingir.

Quando o lobo branco, — agora cheio de manchas vermelhas,—  apareceu e arrancou a cabeça do macho não escondi meu alívio que durou pouco. Renard me levou até onde estavam atacando mais. A cidade. O centro dela estava destruído e as paredes manchadas de vermelho vibrante. Engoli em seco e continuamos nosso caminho, matando e defendendo.

Vi Kallias e Fellius por ali, mas não continuei olhando. Os soldados que não conseguia matar com fogo usava a espada que roubei de algum morto caído no caminho. O sangue em minha pele estava seco e o suor impregnado em mim me incomodava, mas não parei até que apenas soldados da corte estivessem de pé.

Procurei por Milliken, mas encontrei apenas o rastro de sangue levando até a floresta congelada. Soube então que era uma armadilha. Olhei por cima do ombro decidindo se seguia para minha possível morte ou ficava e ouvia sermões de todos os Grão-Senhores sobre o quão irresponsável eu fui por ter entrado nisso apenas com dois punhais.

Respirei fundo e atravessei para a entrada do palácio, onde os últimos soldados inimigos estavam sendo presos. Percebi que vários corpos de uniforme branco estavam perdidos entre os mortos. Todo meu plano havia falhado.

Essa é a forma da vida olhar na minha cara e dizer: "Não é você quem dá as cartas, queridinha." Provando o quão inútil sou. Se tivesse suspeitado poderia ter erguido a porra do escudo ao redor da cidade. Isso tudo seria evitado e agora não teríamos mortos. Meus cabelos em algum momento se soltaram e agora estão cobertos de sangue e grudados em meu pescoço.

Vi Fellius e Kallias voltando do centro com alguns soldados. O semblante abalado e sério dos dois me deu a certeza de que por muito pouco não perdemos tantos quanto eles. Deixei a espada cair e me sentei na calçada. Cabeças, tripas, braços, pernas. Espalhados pela rua e pela calçada que antes imaculadas e impecáveis. O cheiro de pinho, lenha e neve foi substituído por cheiro de sangue e suor e podridão.

Ignorei o olhar que Fellius me lançou ao passar por mim. Já estava preparada para ouvir o que infernos eles quiserem dizer. Observei os soldados começarem a juntar os corpos em pilhas. Alguns demonstrando respeito por seus companheiros, outros sequer esboçando qualquer tipo de emoção. Me perguntei se os soldados perdidos hoje teriam família, filhos e esposas. Se suas mães estariam esperando notícias suas, se tinham alguém para chorar suas mortes.

Senti uma mão em meu ombro, mas não desviei o olhar.

— Sua primeira batalha? — Reconheci a voz de Cassian, o general da Corte Noturna. Não me movi quando o mesmo sentou ao meu lado, as asas fechadas atrás das costas.

— Nunca tinha matado ninguém antes. — Não escondi o amargor em minha voz, evitei olhar para minhas mãos cobertas de sangue. — Hoje matei pessoas suficientes pelos próximos cinquenta anos.

— Entendo. — Disse simples e suspirou cansado. E realmente entendia, se alguém poderia entender era Cassian. Alguém em um posto como o dele tem que fazer coisas como as que fiz hoje sem sentir remorso, mas não precisei olhar para ele para saber que o mesmo odiava matar, apesar de ser incrivelmente bom nisso.

Ficamos em silêncio por um tempo, quando começou a nevar. Me levantei e lhe encarei, o mesmo estava tão coberto de sangue quanto eu.

— Eles provavelmente me odeiam agora. — Disse olhando para o sifão vermelho em seu peito.

— Eles não são tão ruins assim. E não teve culpa nisso, aparentemente a princesa não está muito preocupada com os números de seu exército. — Respondeu sério. Assenti, mesmo sabendo que a culpa era sim minha. Eles vieram atrás de mim.

— Preciso tirar esse sangue de mim. — Não consegui lhe encarar, mas sabia que o mesmo analisava meu rosto. Apesar do jeito brincalhão Cassian é tão inteligente quanto os Grão-Senhores, disso eu não tenho dúvida. Não olhei para trás quando arrastei meus pés para dentro do castelo. As paredes com respingos e manchas de sangue deixando claro que conseguiram ir longe. Todos estavam em uma sala ampla com carpete, uma pintura de Viviane e Kallias pendurada em cima de uma grande lareira de pedra acessa com respingos de sangue.

Meus olhos se encheram de lágrimas quando vi Ystria e Darren cobertas de sangue e suor. A ex-assassina tinha um corte na bochecha, no braço esquerdo e na perna direita. Enquanto Darren parecia não estar machucada. O sangue nelas não lhes pertencia. Engoli em seco. Todos pareciam cansados e sujos, até Thesan tinha manchas de sangue em sua roupa.

Meu olhar se prendeu em Tamlin impecável, como se não tivesse nem se mexido da onde estava. E foi só então que percebi que ele não esteve lá fora, e não ajudou aqui dentro. Ódio inflamou em meus olhos e segurei o grunhido. Outra pessoa que estava impecável era a irmã de Feyre, seu vestido florido sem um único amassado o que garantiu que Darren fez um bom trabalho.

— Alyn... — Darren começou, mas ergui uma mão. Ela se calou entendendo que eu não estava bem para falar. Saí para o corredor novamente não aguentando ficar um minuto a mais naquela sala. Eu sabia que Milliken estava me caçando, sabia que ela estava fungando no meu pescoço e mesmo assim baixei a guarda. Andei perdida pelos corredores até cansar.

Me encostei na parede e escorreguei até estar sentada no chão ao lado de uma cômoda. A primeira lágrima silenciosa escorreu e as outras lhe seguiram escorrendo pelo meu rosto e pingando um líquido vermelho e grudento da mistura de sangue, suor e lágrimas no busto do que restou do vestido.

Não solucei, não gritei, nem esperneei. Chorei baixo e silenciosamente, pelas vidas que eu tirei de ambos os lados. Eu arrisquei a vida de todas essas pessoas por egoísmo. Quis tanto provar meu ponto, que esqueci que sou um alvo direto para Velliard. E Tamlin vai ficar exultante quando puder jogar na cara de todos que estava certo.

Poderiam ter passado horas quando me acharam. Fellius já estava limpo e com outra roupa, que reconheci como o uniforme dos guardas. Tinha parado de chorar, agora estava apenas encolhida no cantinho lembrando da destruição do lado de fora.

— Vem, querida. — Disse carinhosamente, sempre me tratavam assim quando eu cometia algum erro. Ele não precisou me pegar no colo, me pus de pé e encarei o chão.

— Tenho que fazer uma coisa antes. — Digo sem emoção. O vazio que tentei afastar estava cada vez mais perto da superfície e isso me aterrorizava. Não suportaria uma guerra, ninguém tem condições de lutar novamente. E eu vou fazer o que for preciso pra evitar.

[...]

Não me incomodei com o ar frio ao entrar na floresta, apenas continuei andando em frente. Ignorei minha consciência me mandando voltar e ficar longe daqui. Milliken poderia estar por perto e era isso que eu queria. O sol estava se pondo e a neve já estava quase cobrindo as marcas da batalha de pouco tempo atrás.

Respirei fundo e endireitei a coluna ao ouvir passos atrás de mim. Me virei rapidamente, mas para minha surpresa não era Milliken que estava lá.

— Ah, é você. — Me virei novamente ignorando o encantador de sombras andando atrás de mim. Teria de mudar os planos, não sou louca a ponta de levar Azriel comigo. Se vou me entregar, vou fazer isso sozinha.

— Não deveria estar aqui. — Seu tom cauteloso fez com que eu olhasse por cima do ombro. O cabelo castanho escuro molhado, — provavelmente havia tomado banho— um pouco grudados em sua testa, a pele bronzeada um pouco pálida pelo frio e os braços cruzados em frente ao peito. Fiquei surpresa ao ver que não usava o couro negro e nem os sifões, apenas uma camisa e uma calça igualmente pretas e botas de couro marrom.

— Você também não. — Respondi, forçando um sorriso. Meu humor foi destruído e pisoteado antes mesmo do ataque. Parei encarando a subida ingrime para uma montanha.

— Touché. — Respondeu olhando para cima. — O que vai fazer lá em cima?

— Pensando em treinar com minhas asas. — Juntei as mãos imitando asas e bati como se fosse voar. O mesmo me encarou estranho e suspirou.

— É melhor voltar, os Grão-Senhores querem conversar antes de partirem. — Aí estava, foi por isso que ele veio. Azriel foi enviado a minha procura pois é o único com dons para fazê-lo, se bem que Renard e Helion saberiam exatamente onde me achar.

— Não quero voltar pra lá. — Fui direta, apoiando as mãos no paredão de pedra. Comecei a escalar da forma que fui ensinada.

— Isso é uma péssima ideia, vai acabar caindo. — Ignorei o mestre espião e voltei minha atenção para o que estava fazendo. Paralisei ao olhar para cima e ver minhas mãos ensanguentadas. As lembranças da lâmina colidindo contra a carne, os barulhos que fizeram. Fechei os olhos e continuei escalando. Podia ouvir o illyriano resmungar embaixo de mim.

— Sabe que pode ir embora, não é? — Avisei antes de escorregar uma mão e arranhar a palma. — Porra. — Grunhi vendo mais um pouco de sangue se acumular na palma. Ignorei o ardor e segui escalando. Já estava passando das das copas das árvores quando meu pé escorregou e eu caí.

— Eu avisei que ia cair. — Azriel grunhiu me pegando no ar. Fechei os olhos e ignorei seu comentário.

— Não sei se percebeu, mas era essa a intenção. — Respondo secamente. Senti seu corpo ficar tenso conforme pousava no mesmo lugar que estávamos.

— Vai desistir na primeira tentativa? — Zombou. Fechei as mãos em punho me controlando para não fazer algo que me arrependa.

— Sim! Eu vou desistir, mas acredite essa não é a primeira tentativa. Eu fiz de tudo, eu tentei. Juro que tentei, mas a única coisa que consegui foi atrair mortes desnecessárias que poderiam ter sido evitadas se eu não estivesse aqui hoje. — Quase berrei sentindo meu corpo tremer com a raiva pulsando em minhas veias.

— Não era deu dever saber dessas coisas, aliás era o meu. Se alguém falhou, acredite não foi você. — Devolveu amargamente. Lhe encarei contrariada e balancei a cabeça.

— Você só saberia que Milliken está me caçando se eu deixasse. Escondi isso achando que seria melhor, e olha no que deu! — Gesticulei jogando os braços para cima. — Agora vou ter que enfiar uma tora no meu rabo e escutar calada o Tamlin mostrar que estava certo sobre mim.

— Não vai, não. — Sua expressão se suavizou um pouco. — Foi a única que teve coragem de dizer o que todos queriam, mas não podem. — Disse simples, lhe olhei franzindo o cenho.

— Vocês aturam aquilo a quinhentos anos?! — Perguntei exasperada. Não era possível, Tamlin é insuportável. Ficar na mesma sala que ele sem querer voar no seu pescoço foi um desafio. Eles estavam acostumados com o temperamento dele?

— Mais ou menos isso. — Respondeu com uma careta. Percebi as sombras inquietas ao seu redor.

— São extensões do seu poder ou do seu corpo? — Azriel me encarou como se eu tivesse um terceiro olho. Sorri. — As sombras. São extensões do seu poder?

— Ah, eu... — O mesmo parecia não saber o que responder e um tanto confuso. Me aproximei um pouco vendo as gavinhas negras se inclinarem em minha direção e chegarem até mim. — Elas são... elas?

Sorri, confusa: — Acho que gostam de mim. — Digo vendo uma se enrolar em meu cabelo, e só então me lembrei de que estava imunda e fedendo a sangue. Dei alguns passos para trás.

— Tudo bem? — Perguntou sério. Torci o nariz para sua mudança de humor repentina.

— Não. — Digo simples. — Você já deve ter tomado banho, então não acho bom ficar perto de mim agora. Ainda estou fedendo a morte e suor, acho que se ficar cor de rosa pode me chamar de porquinha. — Brinco fazendo o mesmo revirar os olhos e sorrir minimamente. Me foquei em um ponto de sua bochecha que não havia reparado na outra vez. Ele tem covinhas. Não devo ter escondido minha surpresa pois o mesmo me olhou um pouco desconfiado. — Você tem covinhas! — Estiquei as mãos para tocar sua bochecha, mas detive minhas mãos ao lembrar que também estavam com sangue. — Ok, eu tenho que tirar tudo isso. E quando isso acontecer, eu irei fazer questão de cutucar essa covinha.

— Você é sempre assim? — Perguntou de forma engraçada e inclinei a cabeça confusa.

— Assim como? — Devolvi. Os olhos castanhos quase dourados brilharam com diversão.

— Maluca, de um jeito bom, é claro. — Coloquei as duas mãos na cintura e fiz minha melhor cara de ofendida.

— Eu não sou maluca. — Me defendi. Azriel ergueu uma sobrancelha como se dissesse "tem certeza?" da forma sarcástica como fez no bosque. Encolhi os ombros de repente envergonhada pelo meu jeito. — Eu não era assim.

— Não quis te deixar envergonhada, apenas fiz uma observação. — Se desculpou, dispensei o gesto com as mãos.

— Nada não, agora é sério. Eu tenho que ir, tipo nesse momento. Helion vai comer meu fígado quando voltar, Renard e Fellius provavelmente já estão planejando o sermão, e Ystria deve estar amolando as facas pra me esfolar. — Gesticulei exageradamente enquanto fazia meu drama. Conversar com ele me distraiu do caos que desaba no castelo.

O mestre espião soltou uma risada fraca e negou com a cabeça. Me virei para seguir caminho e acenei por cima do ombro, me surpreendendo quando o mesmo segurou em meu cotovelo e então as sombras nos envolveram. Pisquei percebendo que voltamos para a sala onde todos estavam reunidos. As conversas cessaram e senti vontade de bater no macho ao meu lado por ter nos levado diretamente para o meio da sala. Pisei discretamente em seu pé, escutando o mesmo prender a respiração e sair de perto de mim.

— Quem é viva sempre aparece, não é mesmo. — Tamlin ironizou sorrindo. Ele era o único vendo humor nessa situação. Tentei me recordar se havia ferido sua mente em outros lugares além do senso.

— Não se preocupe, esse é um fato temporário. — Sorri falsamente para ele saindo da sala.

— De novo não. — Parei ao ouvir a voz de Tarquin. — Você deve algumas explicações para nós, não acha? — Senti meus ombros tensos, mas não me virei.

— Sim, acho. — Deixei os braços caírem ao lado do corpo. — Mas no momento eu só quero tomar um banho e vestir algo mais confortável e menos revelador. — Estava ciente do fato de estar andando por aí com apenas duas peças cobrindo pouco do meu corpo e nem um pouco confortável com isso. Evito a todo e qualquer custo usar decotes e roupas curtas demais na presença de pessoas de fora dos Taliones. Hoje foi uma exceção, não ia ficar de braços cruzados e não lutar por conta de um pedaço de pano. —  Estou longe da minha zona de conforto em vários aspectos e preciso organizar minha cabeça para evitar certos incidentes. — Fiz questão de olhar para Helion quando disse isso e ele pareceu entender o que quis dizer. Apesar da conversa com Azriel ter me distraído, não me deixou menos nervosa ou agitada.

Agora sou basicamente uma bomba de nervos pronta para destruir tudo ao meu redor com o mínimo sinal de descontrole.

— Claro. — Thesan disse calmamente, o mesmo estava sentado e já usava uma roupa diferente da que chegou. — Mas não demore, não temos todo tempo do mundo, criança. — Respirei fundo por uma última vez, sentindo o fio entre a perda de controle aos poucos se partindo.

— Espero que quando voltar percebam que me chamar assim apenas reforça a arrogância de vocês. Se não pretendem me levar a sério, me avisem logo. Posso perder meu tempo, mas minha dignidade não. — Avisei antes de sair da sala deixando para trás o silêncio mortal dos Grão-Féericos mais poderosos de Prythian.

[...]

Viviane havia me levado até um quarto de hóspedes onde pude tomar banho e me vestir. Tive que me esfregar muitas vezes para tirar a sensação do sangue grudado em minha pele e em meus cabelos. Aproveitei para chorar mais um pouco, aparentemente meu corpo se recusava a parar de expelir água pelos meus olhos. Agora que a adrenalina havia passado sentia os músculos doerem e a ardência dos machucados, cortes superficiais nas pernas e braços, um hematoma grande no abdômen e um lábio cortado. Tudo certo.

Encontrei uma calça preta e um suéter grande bege sobre a cama do quarto. Uma bota de cano curto marrom estava perto da porta e calcei. Não sabia de quem eram as coisas que estava usando, mas eram confortáveis e couberam perfeitamente. Apesar de ser baixinha e ter algumas curvas a mais que a maioria eu não sou tão forte e nem tenho o corpo tão exuberante.

Como Renard diria, a única curva do meu corpo é a da barriga.

Sai do quarto e segui diretamente para a sala. Bati duas vezes antes de escancarar a porta e entrar. Nem me preocupei em esperar uma resposta. Continuei de pé e fui até a lareira que começava a se apagar. Com apenas um pensamento a sala se aqueceu novamente e um suspiro escapou de Morrigan, e só assim notei que todos realmente estavam ali.

— Antes de qualquer coisa gostaria de me desculpar com os Grão-Senhores, Kallias e Viviane. Fui irresponsável por vir aqui mesmo sabendo que estou sendo caçada por Velliard e sua corja. — Minhas desculpas foram sinceras e esperei que o casal pudesse ver isso. A fêmea de cabelos brancos parecia abalada, mas mesmo assim assentiu e manteve a postura. Ao contrário de Kallias que contraiu ainda mais o rosto sério.

— Não foi sua culpa, Alyn. — Helion tentou me confortar e recebeu um olhar de desgosto de Kallias.

— Meus soldados morreram, famílias estão chorando a morte de seus entes e ela acaba de admitir que foi culpa dela, então você diz o contrário? — O Grão-Senhor da Invernal parecia furioso e resisti a vontade de me encolher contra a parede.

— Ela ainda não prevê o futuro, Kallias. — Me surpreendi ao ser defendida por Tarquin.

— Tarquin... — Sua prima alertou, segurando em seu braço.

— Alyn lutou ao nosso lado, matou para defender o seu povo e chorou as perdas dos seus soldados. Algo que até mesmo grandes reis se recusam a fazer. — Pisquei para afastar as lágrimas ao ouvir Morrigan. — Pelo amor de Deus, desde que ela chegou aqui está tentando provar que está do mesmo lado que nós, mas vocês parecem procurar motivos para lhe atacar. Ela acabou de sair de uma prisão pela própria família, está noiva do príncipe que quer destruir o mundo que ela está conhecendo agora e a única chance de isso não acontecer está nas mãos de seis desconhecidos que a odeiam sem nem ao menos conversar com ela.

— Você defendendo um Vanserra, Mor? — Tamlin provocou. Dirigi meu olhar até ele e me concentrei no cálice em sua mão. — Mas o que...? — Gritou soltando o cálice e deixando o mesmo cair no chão enquanto saia fumaça de sua borda. Todos os olhares se voltaram para mim.

— Não use meu sobrenome contra mim. — Disse diretamente. — Não sou meu pai e nem meus irmãos. Querem me culpar? Ótimo, melhor eu do que a si mesmos. Se me querem fora, falem logo. — Explodi começando a andar de um lado para o outro no meio da sala. — Essa mania de ficar dando voltas e voltas, se provocando até que o outro perca a razão é um saco. — As palavras começaram a sair descontroladas e não tentei segurar. Precisa colocar isso para fora desde cedo. — São seis machos incrivelmente poderosos e uma fêmea forte pra caralho, desculpe o palavreado, e os únicos que parecem entender a gravidade da situação são Rhysand, Thesan, Helion, Feyre e Tarquin. — Apontei para eles que continuavam sérios me ouvindo, de fato interessados para onde meu surto me levaria. — Kallias, eu realmente sinto muito e teria feito qualquer coisa para evitar que Milliken viesse até aqui, mas se vai ficar chorando as pitangas que seja ao menos por vingança. — Me viro para o Grão-Senhor que continua a me encarar com raiva. — Essa é a motivação deles, então por que não pode ser a nossa? Hybern fez o inferno na terra na vida de todos vocês, eu sou a menos afetada pois estava presa, mas isso é o de menos. Não ligo se não confiam em mim, não ligo se querem me jogar de um penhasco ou até mesmo me esfolar, eu realmente não poderia me importar menos. — Ri fracamente e precisei diminuir o sorriso no meu rosto quando encarei todos eles. — Só peço que lutem pelo seu povo e pelas pessoas que amam. E se isso não for motivo para lutar, talvez não devam ocupar esses cargos. — Todos ficaram em silêncio absorvendo minhas palavras, a primeira a falar foi Viviane.

— Ela está certa, é nosso dever proteger Prythian e nossas cortes. É por isso que são Grão-Senhores.

— Sim, hoje foi uma prova do estilo de luta deles. São sádicos. — Morrigan confirmou. Não percebi quando, mas de repente todos pareceram concordar em algo. Me senti perdida.

— Essa tal princesa, Milliken, fez isso para nos assustar. Acham que não vamos confiar na menina por ser filha de quem é. — Varian diz e eu lhe encaro com tédio.

— Bom, não é como se estivesse. errados. — Foi Renard que disse, seu tom sarcástico como sempre me fez sorrir.

— O que é você? — A pergunta veio do macho alado da Crepuscular que ainda não descobri o nome.

— Vulpes dela. — Apontou para mim e revirei os olhos.

— Isso é alguma espécie de metamorfo? — Cassian perguntou. Me surpreendi ao perceber que ele não sabia o que era.

— Mais ou menos, é algo difícil de se explicar quando a única coisa que me disseram foi "Você é uma raposa e tem que proteger a menina de coração puro da casa de fogo" e me jogaram nos braços da Senhora da Corte. — Resumiu e até mesmo Helion parecia surpreso com a revelação. Nunca havíamos tentado explicar nossa ligação para ninguém.

— E essa é a linda história de como ganhei uma raposa. — Ironizei.

— Raposa? — Viviane disse curiosa e se aproximou de nós. Darren assentiu sorrindo.

— Quando conhecemos os dois ele era um gato, mas Fellius o conheceu na forma de gaivota. Já o vimos virar golfinho, gavião, cavalo, cobra e gato. — Ystria disse discretamente.

— Mas durante 118 anos ele permaneceu na forma de raposa com um pelo brilhante e imensos olhos fofos. — Digo bagunçando seu cabelo.

— Você esteve presa por 118 anos? — Viviane arquejou minimamente, e sorri timidamente.

— Sim. — Respondi simples. A pergunta veio de Kallias, atrás da parceira.

— Quantos anos você tem, menina? — Seu tom de voz sério e me fez engolir em seco. Havia dito que fiquei mais de um século presa, mas não disse quantos anos tinha quando isso aconteceu.

— Menos que você, suponho. — Tentei desviar o assunto, mas a atenção já estava em nós novamente e quis enfiar minha cabeça no chão.

— Diga sua idade, Alyn. — Thesan insistiu, parecendo levemente curioso quanto a isso.

— Eu tenho cento e vinte três anos. Fiz aniversário algumas semanas atrás, meu presente foi minha fuga. — Tentei descontrair o clima tenso que se formou. Eles sabiam o quão ruim é ficar preso sob o poder de outra pessoa, os 50 anos Sob a Montanha haviam deixado marcas em todos eles. Assim como as onze décadas deixaram em mim.

— Você tinha cinco anos quando foi presa. — A convicção na voz de Rhysand me fez perguntar se ele já não desconfiava. Mesmo assim assenti.

Essa é uma parte delicada da minha história. Lembrar dos primeiros anos quando não sabia o que acontecia, quando não entendia o que faziam comigo. Me recordar das palavras odiosas que escutei, das ações nojentas dos guardas e sentinelas, das dores que me fizeram sentir. As cicatrizes em minhas costas pinicaram sob o tecido grosso do suéter.

Preferia quando eles me odiavam, ao menos não queria saber de coisas que já passaram.

— Sim, e agora tenho 123. — Digo rápido. — E aqui estou eu, no fim deu tudo certo.

O sorriso que ofereci a eles não chegou aos meus olhos, mas não o desfiz até que eles voltassem a falar sobre planos de guerra. Quando começou a ficar tarde todos atravessaram para suas respectivas cortes e só então me recordei da promessa que fiz ao encantador de sombras de cutucar suas covinhas. Me xinguei por ter esquecido, mas fiquei calma ao pensar que pode ter uma próxima vez.

E com esse pensamento em mente adormeci, apenas para encarar mais um pesadelo. Dessa vez, vermelho e branco se misturavam e eu tive certeza de que poderia facilmente morrer.

vou logo avisar q se eu sumir é pq tô tendo q estudar, eu nem sei mais como q faz isso, mas vamo q vamo

Eu amei escrever essa bagunça, agora não sei como voltar pra bagunça gostosa dos Taliones

O lance é cm floresta

A Alyn é preciosa demais pra esse povo de Prythian, sério

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