༆XLV
por essa ninguém esperava, não é mesmo?
eu tô sem palavras depois de tudo isso, vcs suportaram 45 caps de pura dor e sofrimento
guerreires
os dias de glória meus amores, os dias de glória
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O Grão-Senhor da Corte Noturna esperou até que Amren, Mor e Azriel estivessem preparados e então atravessou com a escuridão em seu encalço. Os pensamentos correndo tão rápido quanto poderia. Um ataque dessa magnitude era algo perigoso, preocupante. Uma catástrofe.
Cretea fora mantida escondida por 328 anos, assim como Drakon, Myrian e seu povo. E então, o maldito conseguiu o livro dos sopros debaixo de seu nariz e invadiu as terras de seus amigos com a mesma facilidade que entrara em Prythian.
As perguntas se acumulavam cada vez mais, e não ter consciência dos planos ou dos modos de seu inimigo era ainda mais frustrante. Cada vez que chegavam a uma conclusão, o plano de Velliard se mostrava ainda mais complexo do que imaginavam. E agora, em posse do Livro dos Sopros, só a Mãe sabia o quanto o maldito se tornara perigoso.
Com sorte, as proteções invocadas ao redor de Prythian não permitiriam que retornasse às terras do continente. Uma garantia de que a guerra poderia ser adiada por tempo suficiente para seus exércitos se recuperarem. Para terem uma chance.
Assim que seus olhos se ajustaram a luz da manhã, os quatro observaram com pesar o tapete de areia estendido a sua frente onde corpos começavam a ser empilhados, o cheiro de sangue se misturando a brisa salgada do mar.
Azriel sentiu o vento forte da maresia agitando suas asas, e aquela inquietação dentro de si aquietou-se. Como se apenas a sensação do vento em suas asas novamente fosse o suficiente para diminuir parte do enorme peso em suas costas.
Abrindo levemente as membranas ainda enfaixadas, deixou o sol da manhã e o vento desvendar o que as sombras ao seu redor escondiam. Morrigan se apressou ao lado de Rhysand, com passadas rápidas se dirigindo às ruas da cidade da ilha.
Construções de pedra com telhas cinzentas, flores pisoteadas ao chão que um dia enfeitaram as ruas principais. O mestre espião se deu conta de que aquela aparência sóbria e pesada não era nem de perto a habitual dos habitantes de Cretea.
Féericos e grão-féericos andavam nas calçadas, juntando pedaços dos escombros de suas casas, ajudando os soldados a retirarem os corpos das ruas. Na praia, atrás de si, mais soldados recolhiam corpos, empilhando como palhas de palmeira.
Alguns se atreviam a encará-los enquanto caminhavam rua a cima, em direção a casa que pertencia ao príncipe Drakon. Amren estava com suas costumeiras vestes cinzentas, mas ao contrário do habitual, os lábios possuíam uma cor mais escura que o vermelho sangue. Uma cor bordô.
Os cabelos pretos curtos cintilantes ao redor do rosto inabalável da fêmea. Os olhos prateados analisando tudo ao seu redor com o olhar crítico de uma anciã. E de fato, aquele velho dragão poderia ser uma.
Algumas pessoas se curvaram quando o Grão-Senhor passou, e Rhys pareceu por um momento abalado por tudo aquilo. Azriel ouvia atentamente suas sombras, esperando por qualquer notícia de Alyn.
Aquele laço dentro de si calmo novamente, como se a carícia tivesse sido fruto de sua imaginação, do desejo que sentia para sentir a parceira, nem que por um maldito minuto. Também queria ir atrás dos Talionis, tentar ajudar a corte de Helion. Mas teve paciência, sabia que Rhysand não perderia muito tempo e logo iria atrás de seu amigo.
Tanto Cassian quanto Azriel arriscavam dizer que Helion era o melhor amigo de Rhys, aquele que entende os pesos que o grão-senhor carrega e o aconselha como pode. Recorreu ao amigo quando descobriu sobre a gravidez de Feyre, temendo a vida da parceira e do filho.
O macho tinha uma péssima reputação, mas era digno de confiança e de amizade. Os olhos dourados astutos que vira coisas extraordinárias acontecerem ao longo dos mais de seiscentos anos. E se comprometera com a proteção de cinco grãos-féericos altamente perigosos e que arrumam problemas por onde passam.
De fato, os Talionis são um grupo um tanto excêntrico, assim como o círculo íntimo da corte noturna. Cada um com seus defeitos e qualidades, lutando lado a lado para proteger os seus. Sonhadores.
[...]
Alyn abriu os olhos assustada, sentando-se o mais ereta possível. Uma dor atravessou suas costas como uma lança e um gemido de dor escapou, sentindo a garganta arranhar e doer com a tentativa de engolir em seco.
Os olhos ardiam como se milhões de grãos de areia arranhassem a carne sensível. A cabeça estava tão bagunçada que sentia vontade de se encolher e chorar, mas não era momento para isso.
Olhando ao redor, percebeu estar em uma espécie de cela. Mas diferente das masmorras da Corte Outonal, era possível enxergar o sol lá fora pela janela gradeada. Um murmúrio indecifrável veio do corredor, e Alyn se apavorou ao imaginar o que lhe aguardava lá fora.
Velliard teria lhe recuperado? Fora levada de volta? Não suportaria ter de passar novamente por tudo aquilo, estava fraca demais. Seus poderes, que já teriam se descontrolado a está altura, sussurravam abaixo da pele maculada.
Arranhões, feridas, cicatrizes, o ferimento no ombro já havia sido esquecido a muito, mas não se curara completamente. A cicatrizes circular doía como o inferno. Suas costas, ao contrário do que imaginara, estavam com a dor amena.
O sal da água havia limpado casa ferimento, destruindo as chances de uma infecção e a possível superação da enorme ferida aberta. Sentiu algo gelado em suas costas, cobrindo os ferimentos e se obrigou a olhar, temendo encontrar lavas comendo sua carne.
Ao ver faixas cobrindo a extensão das cicatrizes, lágrimas brotaram em seu rosto. Não conseguia ver o topo das bandagens, nem o fim, mas sentia elas cobrindo toda sua costa.
Olhou para si mesma, suja, fedendo, os cabelos empapados de areia, sangue e sabe se Deus o que mais. Havia ematomas até mesmo nos seios. Seus olhos procuraram pela cela, vendo no canto esquerdo, um espelho de frente para o local onde ela estava deitada anteriormente. Uma maca improvisada, aparentemente.
A visão no espelho fez as lágrimas a muito seguradas caírem, como pesadas gotas de chuva. Havia perdido muito peso, mas só agora tomara consciência de quanto. Não estava magra, estava esquelética.
Os ossos saltados de suas costelas, clavícula e quadril. Joelhos ossudos arranhados. Enormes olhos azuis arregalados e vermelhos chorando. Alyn nunca havia se odiado tanto quanto naquele momento.
Tateando com os dedos o próprio corpo, a rainha chorou pela primeira vez em sua vida ao se dar conta de que jamais alcançaria a beleza plena das outras fêmeas. Que sempre seria aquilo, a carcaça de uma fêmea selvagem que finge pertencer ao mundo.
Alyn não pertencia a lugar nenhum. Era uma rejeitada. A filha defeituosa de Beron. Aquela que precisou ser mantida presa e escondida para não expor a família a tamanha humilhação quanto a sua existência.
A fêmea odiou sua mãe por ter permitido seu nascimento, odiou Beron por não matá-la enquanto pôde. Odiou Renard por ter lhe mantido viva. Não queria estar.
Sua aparência que um dia fora aceitável, agora não existia mais. Velliard conseguira destruir a única coisa que Alyn não sabia que se importava. Sempre ouvira os sussurros dos guardas, que espalhavam pela casa da floresta o quanto a fera da torre era horrenda. Com cabelos oleosos e o corpo semelhante a um inseto.
— Por que choras, menina? — Os olhos de Alyn se dirigiram a figura de uma senhora entrando na cela, uma tigela marrom em mãos e panos aparentemente limpos nos ombros.
— Eu... — A rainha não conseguia falar, o aperto em sua garganta havia se intensificado e usou cada célula do seu corpo para conter as lágrimas que beiravam os olhos.
— Tragam água e um copo. — A senhora falou para alguém do outro lado, e logo se dirigiu para onde Alyn estava sentada. — Perdoe-me, mas poderia dizer o seu nome, querida?
— Alyn Vaceny. — Respondeu, adorando o sobrenome de Ystria. Se recordava dos conselhos de Fellius de nunca revelar o próprio sobrenome a menos que tenha certeza de que está segura.
A senhora sentou-se na beirada da maca, e apoiou a tigela no chão. Pegando o pano, ela esticou a mão para segurar o braço de Alyn, que se esquivou instintivamente.
— Acalme-se criança, não pretendo fazer mal a você. Só quero lhe ajudar a melhorar. Com essa quantidade de ferimentos, fico surpresa que não tenha tido nenhuma infecção.
— Ficaria ainda mais surpresa se soubesse quantas infecções meu corpo já suportou. — Brincou com um sorriso que não chegou ao seus olhos. Deixou que a fêmea de longos cabelos negros, a pele de um tom azul pálido e cinzento. Olhos completamente negros, com finas linhas verdes na íris. — Onde estou?
— Você está em Cretea. A cidade escondida. Ou que um dia foi.
[...]
Amren, Mor e Rhysand estavam tão envolvidos na conversa com Drakon e Myrian que sequer notaram o illyriano se aproximando das janelas. Sempre procurava o lugar mais quieto onde pudesse observar a todos, era um hábito que poucas vezes conseguia quebrar.
O príncipe Drakon contou com riqueza de detalhes como tudo aconteceu. Desde o momento que começaram a suspeitar do navio que atracara num ilha distante, até o momento em que o macho atravessou o Caldeirão.
— Nós fomos pegos de surpresa, pois não vimos os barcos na praia, apenas os navios no mar. A maioria dos soldados se lançou aos céus no mesmo instante, nenhum passou para a praia. — O príncipe disse, o rosto sério e a boca contorcida em uma linha apertada.
— Soldados afirmam ter ouvido gritos vindo do navio maior, alertando para olhar a praia. Porém poucos deram ouvidos, a maioria achou que a fêmea se dirigia aos inimigos. — Myrian continuou, o tom calmo e controlado. Os cabelos escuros presos em uma trança que caia pelas costas. — Mas depois, os mesmos soldados afirmam ter visto a sereia do navio atravessar as quatro embarcações para o mais longe da praia possível.
— Sereia? Era assim que estavam se referindo a fêmea? — Morrigan perguntou, os braços cruzados em frente ao peito enquanto girava uma pulseira incontrolavelmente.
— Tanto os Seraphins quanto os humanos alegam ter visto uma fêmea tão esguia quanto um espectro da água, não usava roupas e sua pele mesmo coberta de sangue e cicatrizes era de um tom que brilhava sob a luz do luar e do sol. — Fora um dos generais de Drakon que respondera. — Ela alertou Drakon no momento que o maldito levava o caldeirão, lançando algo nos céus parecido com fogo, mas dourado.
Ao ouvir a descrição, Azriel sentiu que o mundo sob seus pés ameaçava parar e uma pedra caiu em seu estômago, virando-se com uma calma que não pertencia a si mesmo, perguntou com a voz baixa:
— Sabem a cor do cabelo da sereia? — Todos os olhos se dirigiram para ele, e Rhys e Amren o encararam como quem já soubessem a resposta.
— Não temos certeza, alguns alegam terem visto mechas loiras cobertas de sangue e sujeira, outros alegam que possuía os cabelos semelhantes aos da família da Corte Outonal. — Drakon disse, encarando Azriel com curiosidade.
— Acha que é ela? — Amren perguntou com cuidado, um lado dos lábios rubros se ergueu.
— Quem mais teria a sorte de vir parar aqui e seria insana o suficiente para se lançar no meio de uma batalha ferida e sem roupas? — Foi a vez de Morrigan perguntar com humor, do pouco que havia conhecido da menina de cabelos ruivos sabia que era impulsiva e para o inferno quem tentasse lhe impedir de fazer o que quer.
— Essa menina vai acabar morta antes que consiga levá-la para casa. — Amren disse recebendo um olhar de aviso de Rhysand, que permaneciam em silêncio.
— Vocês a conhecem? — Myrian perguntou com delicadeza. Drakon ouvia atentamente cada palavra da sala como se tivessem muita importância.
— Temo que a sereia que seus soldados viram seja a parceira do nosso querido mestre espião. — Rhys respondeu, sorrindo de forma arrogante para o irmão que apenas balançou a cabeça e virou o rosto novamente para a janela, contendo a tempestade dentro de si que começa a derrubar suas barreiras.
Estava perto. Alyn conseguiu se salvar, estava viva e bem o suficiente para se meter em mais confusões. Seu coração batia tão rápido que suspeitou que Amren conseguia ouvi-lo.
— Isso é uma novidade interessante. — Disse uma voz feminina vindo de um dos cantos da sala. Azriel olhou e seus olhos se encheram com a visão da seraphim com pequenas asas tão brancas quanto os cabelos de Kallias. Nephelle. — Vamos rapaz, sua parceira vai precisar de você se Nana for tratar dela.
— Nana? — Azriel perguntou baixinho, olhando para Rhys.
— Uma curandeira, a melhor de Cretea se posso dizer. Ela usa métodos, digamos, controversos. — Rhys ergueu uma sobrancelha para Myrian que o encarou com culpa. — A essa altura, a velha deve estar enchendo apis mellifera.
— Se me permitem, o que seria apis milifica? — Mor perguntou, franzindo o cenho. Foi Drakon que respondeu.
— Apis mellifera é veneno de abelha, a Nana usa para prevenir inflamações. Desde que a menina chegou, ela diz que precisa impedir que os ferimentos supurem. — Drakon explicou, e logo fez uma careta. — Dói como o inferno.
— Se importa se eu...? — O encantador de sombras olhou para o irmão que acenou com a mão em direção a porta. Assentiu uma vez e se encaminhou para o lado da fêmea que servira de inspiração para si e seus irmãos.
— Diga a ela que da próxima deixe que eu me sacrifico.
O mestre espião conteve um revirar de olhos ao ouvir a última frase do grão-senhor antes de deixar a sala. Seguiu em silêncio atrás de Nephelle enquanto passavam por corredores e portas.
Seus pensamentos todos estavam voltados para Alyn. Que a Mãe lhe permitisse que sua parceira estivesse bem. Que pudesse abrigar Alyn em seus braços e pedir seu perdão, mesmo que não se sentisse digno dele.
Tinha tantas coisas para dizer, e ao mesmo tempo todas as palavras pareciam ter sumido. Sua mente fora coberta por uma névoa, a simples ideia de ver Alyn mesmo que de longe fazia seu estômago doer, suas sombras se agitarem e sua mente que sempre se mantinha em alerta silenciava.
Alyn despertava sensações desconhecidas no íntimo do mestre espião que ele tinha medo de descobrir a origem. O dia que contou sobre o laço de parceria, não poderia ter sido mais idiota nem se tentasse.
A fêmea compreensiva e expressiva havia chorado por sua culpa, por que foi covarde e preferiu fugir a ter que dizer olhando nos olhos dela que isso era um engano. Que não a merecia.
Que ela merecia mais do que ele um dia poderia chegar a lhe oferecer. Alyn nascera para ser uma princesa, fora privada dos mimos e dos presentes durante toda sua vida. Crescera sem amor e carinho, e Azriel não podia afirmar que poderia dar isso a ela. Havia coisas demais dentro de si, colidindo umas com as outras e quebrando ainda mais o interior do encantador de sombras.
Que a Mãe tivesse pena de sua alma se estivesse destinado a sempre desejar o impossível. Mas Alyn, com todas as suas excentricidades, não se parecia nem um pouco com Morrigan ou Elain. Ela era única, apenas ela.
Desde o momento que se conheceram havia evitado pensar na sensação de calma quando estava ao seu lado, da forma como seus corpos se encaixavam como peças de uma mesma engrenagem.
Da forma como os lábios macios cobriram os seus com tanto afeto que poderia chorar. E ele nunca chorava.
Era como acordar de um longo pesadelo e então perceber que fora apenas isso. Que já havia passado e logo seria esquecido. Mas seu maior medo era como ela teria sido atingida.
Conhecia os métodos de tortura. Esse era o seu trabalho principal. Arrancar informações custe o que custar. Mas imaginar os métodos que usava sendo aplicados a Alyn inflamava seu ódio como álcool no fogo. Contaria cada machucado no corpo de sua parceira, e que o Caldeirão não permitisse que o responsável por isso acabasse em suas mãos.
Faria pior. Mil, não. Milhões de vezes pior. E se no final, ainda sobrasse alguma coisa deixaria que Alyn queimar até não sobrar nada além de cinzas, e faria questão de varrer cada grão diretamente para uma lixeira.
Saindo da casa, seguiram por um caminho de pedras sobre a grama em direção a um chalé de paredes de pedra que mais se parecia com um templo. Trepadeiras subiam por algumas paredes, deixando a aparência de ruína.
— Ela foi encontrada na floresta, foi perseguida por bestas até lá, conseguiu subir em uma árvore, mas estava fraca demais e desmaiou na hora que... — Um estrondo parecido com um bater de asas poderoso foi ouvido, e os olhos dos dois se dirigiram para o céu. Uma enorme sombra vinha de cima das nuvens. — Que merda é essa?! — A fêmea exclamou quando o enorme dragão surgiu, vindo rapidamente em direção a ilha. Sinos soaram e pessoas começaram a correr.
— Não ataquem, ele só veio buscar a mãe. — O mestre espião disse antes que começassem a atacar. Com calma, ele caminhou até o precipício e cruzou os braços, conforme o dragão deu mais uma volta no céu. — Não tem lugar pra ele pousar, vamos ter que mostrar ela pra ele.
— Do que diabos você tá falando? — Sem se virar, um sorriso pequeno se abriu no rosto do encantador de sombras.
— Alyn é a protegida dele. Ele veio voando de Vallahan até aqui. Ela o libertou. — Explicou, e se virou seguindo em passos rápidos em direção ao chalé. — Apenas ela consegue controlá-lo.
— Vocês de Prythian são todos estranhos? — Perguntou passando a frente e abrindo a grade do portão de entrada.
— Não. — Ele riu ligeiramente. — Apenas Alyn. Ela é única. — Nephelle olhou para ele com as sobrancelhas escuras franzidas, como se soubesse o significado por trás das palavras, mas nada disse. Inclinou a cabeça e apontou para um dos muitos corredores.
— Ela está na última cela, vai conseguir encontrá-la quando ouvir os resmungos ranzinzas da Nana. — A fêmea apoiou um dos ombros na parede e observou o mestre espião, especificamente suas asas cobertas com bandagens. — Vá buscar sua parceira.
[...]
— Isso dói! — Alyn rosnou quando a senhora, que se apresentou como Nana, aplicou mais um pouco de cataplasma em seus ferimentos.
— É claro que dói, olha pra voce, é praticamente uma colcha de retalhos. — Resmungou puxando a perna para enfaixar. — Deveriam ter lhe deixado inconsciente.
— Não se preocupe, se as dores não melhorarem logo estarei inconsciente permanentemente. — Devolveu, apertando entre os dedos o lençol que cobria suas partes íntimas e os seios.
— Pronto, franguinha. — Disse Nana, soltando a perna e colocando com calma de volta na maca. Alyn sentia os curativos em todas as partes de seu corpo, menos em sua intimidade.
— Obrigada por cuidar disso. — Agradeceu, mesmo ainda sentindo o ardor em seu corpo.
— Se quiser me contar como veio parar aqui enquanto limpo seus cabelos é uma forma muito melhor de agradecer.
— Fui presa, torturada e usada como cobaia pelos responsáveis pelo ataque, estava presa na proa do navio maior. — Respondeu simples, sem dar muitos detalhes. A senhora caminhou até um balde que os guardas deixaram e os arrastou até a borda da maca, pegando mais dos panos limpos que trouxe.
— Isso explica suas costas. — Comentou baixinho. Se posicionou às costas de Alyn e começou a passar um pano molhado pelas mechas. — Foi cobaia para o que?
— Veneno. — A resposta arrancou um suspiro surpreso da senhora, que interrompeu seu trabalho e virou o rosto da fêmea para si.
— Como isso é possível?
— Que eu esteja viva? — Um sorriso sem humor brotou nos lábios secos. — Não sei, em um momento o veneno fazia completo efeito, privou todo meu poder e me deixou fraca, e no outro eu estava em plena posse de mim novamente, porém as correntes hybernianas me mantiveram lá. — Contou com amargura.
— Então era apenas veneno féerico?
— Eu acho, não tenho muita certeza já que na maior parte do tempo eu estava fraca demais pra prestar atenção ao meu redor. — O pano voltou as mechas ruivas, retirando os grãos de areia e o sangue.
— Vou precisar do seu sangue, querida. Se eles estiverem desenvolvendo um novo veneno, precisamos saber como combate-lo.
— Eu... Vocês, de que lado vocês estão nesta guerra?
— Do lado do povo, franguinha. Hybern queria escravizar os féericos e dizimar os humanos, o macho que está os liderando no lugar do Rei não parece ter objetivos diferentes.
— E ele não tem. Velliard pretende matar todos os Grão-Senhores e roubar seus poderes, como Amarantha fizera. — Puxando os joelhos até o peito e abraçando as pernas, ela abaixou a cabeça sobre eles. — De alguma forma, ele conseguiu trazer criaturas demoníacas vindas de outro lugar. São horrendas e cruéis, desumanas.
— Você deve ter visto muitas coisas no último mês. — Nana acariciou o couro cabeludo com o pano úmida e logo puxou mais mechas. Alyn sorriu minimamente.
— A minha vida inteira, Nana, eu quis poder ver mais do que as paredes do meu quarto permitiam. Sonhos tolos de uma criança curiosa.
— Não achou o que procurava lá fora? — Perguntou delicadamente, virando o rosto dela para a parede. Encarando a parede de pedra ela refez a pergunta para si.
Havia achado a liberdade que tanto procurava?
A resposta era sim. Havia se liberta do pai e dos irmãos. Fugiu e iniciou uma nova história, sua própria história. Vestiu couro e empunhou uma espada defendendo seu povo. Aprendeu a lutar, a se defender e a defender seus próximos. Fez amigos novos que se tornaram sua família, seus irmãos. E a Mãe havia lhe ouvido, atendido seus pedidos por liberdade longe dos limites da Corte Outonal.
Havia encontrado mais do que procurava, muito mais. Houve as dificuldades, as dores, as lágrimas. E continuava tudo bem, porque ela estava bem e sua família estava bem, e isso era tudo que importava. Não, é?
— Na verdade, eu encontrei... — Suas palavras foram interrompidas pelo som de passos vindo do corredor, e com um olhar rápido em direção a porta, o coração de Alyn subiu até sua garganta.
Azriel quase caiu de joelhos ao ver a fêmea sentada naquela maca. Era real. Alyn estava viva, estava bem e sendo cuidada. Sentiu vontade de se jogar aos seus pés e adorar cada parte do seu corpo com as mãos, os lábios, os olhos. Reverenciar sua rainha da forma como ela merecia.
— Tenho certeza que encontrou o que precisava. — Nana resmungou observando o olhar no rosto da menina se acalmar. — Você, homem morcego, venha aqui e continue o que estou fazendo, tenho que pegar mais panos limpos e preparar um banho decente para a franguinha.
O mestre espião franziu o cenho, mas se aproximou com passos rápidos, como se temesse ser repelido por Alyn. A mesma se manteve quieta até que ele parasse ao lado da maca improvisada. O macho se abaixou ao seu lado e seus dedos afastaram as mechas do rosto, as mãos tremiam levemente enquanto cobriam as bochechas de Alyn e aproximava do próprio.
Juntando suas testas, os narizes de roçaram em uma carícia bem vinda, Alyn estremeceu e aceitou de bom grado.
Observou com cuidado enquanto o macho se afastava e a observava, os olhos castanhos dourados reluzindo preocupação e culpa e aquela calma comum do macho. Um suspiro lhe escapou e só então percebeu que prendia a respiração.
Conseguia ouvir as palavras não ditas ali. Me perdoe. Alyn balançou a cabeça como se isso não importasse, e selou os lábios contra a bochecha do mestre espião em um gesto de ternura. O encantador de sombras fechou os olhos sentindo aquele contato tão íntimo.
Pegando o pano das mãos da senhora que observava os dois com um misto de diversão e curiosidade, a mesma se levantou com agilidade deixando que Azriel se acomodasse atrás da fêmea.
— Limpe os cabelos dela como se cada fio fosse uma linha de ouro, só pare quando o ruivo estiver de volta a sua tonalidade mais forte. — Ordenou seriamente enquanto juntava os panos sujos da outra ponta perto aos pés da rainha. Com um olhar de aviso em direção ao encantador de sombras, Nana deixou os dois a sós.
O silêncio confortável se estabeleceu entre os dois, ambos assimilando a sensação de calma que surgiu. As mãos de Azriel possuíam calos e os dedos eram ásperos, porém os movimentos delicados tornaram a limpeza ainda mais gentil.
— Oi você — A fêmea disse calmamente, deixando a cabeça pousar nos joelhos novamente. As sombras começavam a circular ao seu redor, reconhecendo-a.
— Oi você. — A voz do encantador de sombras soou mais baixa do que ele pretendia, mas Alyn escutou e os fios de sua nuca se arrepiaram com a rouquidão da voz do macho.
Havia esquecido quanto o seu parceiro tinha poder sobre si, mesmo sem querer. Os dedos do macho acariciaram as mechas e o pano continuou correndo pelos fios, uma das mãos do mestre espião escorregou até o pescoço de Alyn e os dedos apertaram os nós de tensão em seu pescoço.
A fêmea quase ronronou ao sentir os músculos relaxando. O remédio que nana havia lhe dado começava a lhe deixar sonolenta, mas não queria dormir enquanto Azriel estivesse ali. Tinha medo de que ao acordar ele já tivesse se dissipado em sombras e retornado a Corte Noturna.
— Como me achou? — A pergunta baixa de Alyn foi recebida por uma inalação profunda do macho. Azriel sentiu o leve cheiro de maresia na pele de sua parceira, e se procurou sua voz para conseguir responde.
— Rhysand é amigo de Drakon, soubemos do ataque e viemos o mais rápido que conseguimos. Não foi o bastante.
— Rhys... Feyre está aqui? — A fêmea a sua frente ficou inquieta e toda a calma pareceu deixar seu corpo. — Azriel, ele conseguiu o Caldeirão e o livro, o que diabos ele esteja planejando, ele está conseguindo. Eu não fugi sozinha, eu fui solta. Preciso falar com os grão-senhores, é urgente.
to be continued...
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olha, eu tava planejando um negócio muito aaaaaa, mas não consegui encaixar na situação, então vai o reencontro bem do jeitinho deles msm, é isso aí
quem gostou bate palma, quem não gostou não me diz pq eu choro
amo vcs, byeee
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