Você precisa treinar...


"Você tinha que trazer os holofotes para si, não é mesmo, Potter? Sendo o ômega que sobreviveu, a celebridade do momento." Snape resmungava, sua voz baixa e venenosa ecoando pelas paredes do quarto luxuoso. Harry estreitou os olhos, observando o homem enquanto ele andava de um lado para o outro. Já fazia três dias desde o fim da segunda fase, e Harry havia saído do hospital apenas horas antes. Agora, se encontrava naquele quarto que mais parecia um santuário de opulência, algo tão distante de sua realidade que mal conseguia relaxar. O ambiente ao seu redor era uma mistura de conforto e decadência: cortinas pesadas de veludo verde-escuro pendiam das janelas, um tapete de lã macia cobria o chão, e o mobiliário de mogno refletia a luz suave dos lustres. Tudo gritava riqueza, mas havia algo sufocante naquele luxo, algo que fazia Harry se sentir aprisionado.

As palavras de Fleur ecoavam em sua mente. Eles querem que vocês desistam. Estavam tratando-os como vencedores, apesar de a terceira fase ainda estar por vir. Era uma armadilha coberta de ouro, e Harry sabia que não podia cair nela. Ele havia feito sua declaração ao vivo, diante de todos, rejeitando o prêmio da segunda fase. Continuaria na corrida, não importava o que tentassem para dissuadi-lo.

O que o perturbava mais que o quarto luxuoso, no entanto, era a presença de Severus Snape. Assim que Harry cruzara a porta do quarto, Snape já estava lá, seus olhos sombrios brilhando com uma fúria controlada.

"Eu não fiz de propósito," defendeu-se Harry, tentando manter a calma. "Mas por que esconder? Eu iria para a terceira fase de qualquer jeito."

Snape parou bruscamente, fixando-o com um olhar de desprezo. Ele usava uma calça preta justa, que destacava sua figura magra, e uma camisa de lã cinzenta de mangas longas. A gola alta da camisa cobria parcialmente a coleira que marcava seu casamento com Alvo Dumbledore, um símbolo de sua ligação com um dos alfas mais poderosos. Seu cabelo negro estava desgrenhado, como se ele tivesse corrido até ali, e seus olhos brilhavam com uma mistura de frustração e paciência escassa.

"Você já ouviu falar da palavra estratégia, Potter? Ela existe no seu dicionário, ômega?" A voz de Snape cortava o ar como uma lâmina afiada. "Alvo e os outros estavam analisando as perspectivas da terceira fase. Você sequer parou para pensar no que o tal Lord Voldemort preparou para você antes de sair por aí, declarando ao mundo que iria participar?" Snape voltou a andar, como uma sombra inquieta na vasta sala, antes de finalmente se jogar numa poltrona de couro escuro de frente para Harry.

Harry permaneceu de pé, usando as roupas simples que havia recebido no hospital: uma camisa bege e calças que não faziam jus ao ambiente luxuoso. Ataduras cobriam seus braços e parte de seu rosto. Ele se sentia deslocado, como se não pertencesse àquele lugar. "E por que você está aqui?" perguntou com impaciência. Tinha esperado algum tempo para organizar seus pensamentos, para processar tudo o que havia acontecido. A última pessoa que queria encontrar era Snape. Se ao menos fosse Draco... Harry corou levemente ao pensar no jovem alfa. Ultimamente, não conseguia tirá-lo da cabeça, e isso o irritava. Não era o momento para pensar em coisas como essa.

"Esqueceu da entrevista, Potter? Sim, você e os outros ômegas serão entrevistados por aqueles repórteres marionetes idiotas... O que significa que terão que ser treinados." A voz de Snape era carregada de sarcasmo, como se ele estivesse discutindo algo óbvio.

"Eu não preciso de treinamento. Sei o que vou falar." Harry cortou, cruzando os braços, tentando manter a postura firme.

Snape sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos. "Sim, já percebi como você é 'eloquente'. Deve saber muito bem como se portar diante da plateia e lidar com os jogos de poder dos alfas. Não é como se sua vida e a de seus amigos dependesse disso, certo? Que tolice a minha, oferecer minha orientação para que vocês continuem vivos na comunidade alfa." Cada palavra era carregada de escárnio, perfurando Harry como uma faca.

Ele odiava admitir, mas Snape estava certo. Nunca havia participado de algo assim, e aquilo claramente fugia ao processo habitual da Corrida. Ômegas nunca eram o foco – eram os alfas que recebiam toda a atenção. E agora, de repente, estavam todos interessados neles. Tom Riddle, o homem que se autodenominava Lord Voldemort, tinha um motivo para isso. Harry sentia que esse era apenas mais um dos jogos perversos daquele alfa.

Snape, mesmo sendo um ômega como ele, parecia ter um controle que Harry nunca vira em outro ômega. Havia um poder que ia além da coleira de casamento com Dumbledore. Os betas o temiam, e mesmo os alfas o respeitavam, algo que Harry nunca entendera completamente. Como Snape, sendo um ômega, transitava tão livremente pelo Conselho Alfa? Como ele exercia tanta influência?

Harry se lembrou de que fora informado que não receberia visitas e seria mantido isolado. O quarto, apesar de luxuoso, não tinha telefone ou televisão. Estava praticamente preso ali. E ainda assim, Snape conseguira entrar. Isso apenas reforçava o mistério em torno de sua figura.

"Talvez você esteja certo..." começou Harry, lutando contra o orgulho ferido.

"Potter, eu sempre estou certo." Snape o cortou com um gesto brusco da mão, a impaciência em seu olhar. Harry rangeu os dentes, frustrado.

"E como você vai nos treinar? Aposto que os organizadores da Corrida não iriam permitir..."

"Eles podem não gostar," Snape o interrompeu novamente, sua voz fria como gelo. "Mas não terão outra alternativa. Não com as imagens e vídeos que foram vazados."

"Imagens e vídeos?" Harry franziu o cenho, confuso.

"Ômega, sente-se, por favor. Cansa-me ver você aí em pé como um poste idiota." Snape indicou uma poltrona próxima com um aceno impaciente. A contragosto, Harry se sentou, cruzando os braços.

"Sim, imagens e vídeos." Snape retirou um celular do bolso interno de sua camisa e entregou a Harry. Isso por si só já era surpreendente — os organizadores da Corrida não permitiriam nenhum dispositivo de comunicação externo. Mas Snape, sendo quem era, parecia não se importar com as regras. Na tela, Harry viu que Snape havia aberto uma plataforma de vídeos, onde várias gravações estavam em alta. E então Harry reconheceu as imagens.

Eram da sala ao lado do berçário, onde os ômegas haviam sido capturados e abusados. As memórias daquela cena horrenda ainda estavam frescas em sua mente: o cheiro de medo, a dor estampada nos rostos. Agora, o mundo estava vendo o que eles viram.

"O conselho não queria admitir ou discutir o que aconteceu, mas como eles poderiam ignorar quando essas imagens começaram a aparecer misteriosamente nas redes sociais?" Snape continuou, sua voz agora tingida com um leve sarcasmo. "A sociedade tem uma imagem romantizada da Corrida, Potter. Sabem que os alfas podem ser brutos, mas dizem que é da natureza deles. No entanto, ver os alfas capturando ômegas de forma tão traiçoeira... isso é algo que nem a nossa sociedade, com sua complacência, pode aceitar."

Harry olhou para a tela. Não eram apenas esses vídeos que estavam em destaque. Havia outros, focados nele. Cenas de sua luta contra os alfas na segunda fase. Várias pessoas comentavam, muitas o elogiando por sua coragem, algumas criticando o fato de um ômega lutar. E então havia o vídeo de sua declaração ao vivo, anunciando que continuaria na Corrida. Alguns alfas riam, prevendo sua queda. Outros faziam apostas de qual alfa o capturaria. Mas, entre as críticas, havia palavras de apoio. Ômegas declarando que Harry era uma inspiração.

Ele não esperava causar tanto impacto. Um frio tomou conta de seu estômago, e suas mãos começaram a tremer levemente. Foi isso que ele queria, não? Fazer com que a sociedade enxergasse os ômegas de outra forma. Não como criaturas frágeis à espera de um alfa, mas como seres capazes de lutar por si mesmos.

Antes que pudesse refletir mais, Snape arrancou o celular de suas mãos de forma abrupta. "Não deixe isso subir à sua cabeça, Potter. Você teve sorte, apenas isso." Ele frisou as palavras com desdém.

"Sorte, claro..." Harry resmungou, mas não teve tempo de argumentar. Snape já estava se levantando da poltrona, ajeitando a gola de sua camisa cinza escura, a coleira em seu pescoço reluzindo sob a luz suave do quarto.

"A entrevista será daqui a 24 horas. Troque-se e vista-se adequadamente. Vamos começar o treinamento imediatamente. E, antes que pergunte, sim, a organização da Corrida permitiu essa regalia. Como argumentei, não seria apropriado ver um bando de ômegas ignorantes falharem nas regras básicas de etiqueta." Snape sorriu, uma sombra de satisfação em seus lábios. "E quem melhor para ensiná-los do que um ômega casado com o alfa mais poderoso da Grã-Bretanha, não é mesmo?" Com um olhar frio, ele se dirigiu à porta.

Harry sentiu sua paciência evaporar no momento em que tentou falar, mas a porta foi aberta antes mesmo que Snape pudesse tocar na maçaneta. A entrada repentina do beta, vestindo um uniforme que parecia saído de uma era esquecida, fez Harry recuar um passo. O homem, com a postura rígida e um ar de cansaço que contrastava com a formalidade de suas vestes, carregava duas sacolas pesadas.

"Isso são cartas?" Harry franziu o cenho, confuso. No meio de toda a modernidade, cartas de papel pareciam anacrônicas, fora de lugar. Então ele se lembrou de que estava sem celular, sem computador, sem qualquer meio de comunicação digital. Talvez fosse esse o motivo das cartas, mas de quem? Sua família? Amigos? Draco?

"Sim, senhor ômega Potter," respondeu o beta, sua voz tingida de uma formalidade exausta. "São cartas."

"Mas..."

Antes que pudesse terminar, Snape soltou uma risada baixa e cortante. Com um movimento ágil, pegou uma das cartas das mãos do beta e a entregou a Harry. Havia algo cruelmente divertido em seus olhos negros enquanto observava o ômega perplexo.

"Cartas de propostas de casamento!" Snape zombou, o sorriso cortante. "Sua fama está surtindo um grande efeito na sociedade Alfa, como era de se esperar. Lembre-se do verdadeiro propósito da Corrida, Potter. Para eles, é uma seleção do ômega mais atraente, mais fértil. E quem seria esse, senão aquele que sobrevive? Para esses alfas depravados, isso significa apenas uma coisa: super fertilidade, resistência. Pois bem, divirta-se!"

A risada de Snape ecoou pelo quarto enquanto ele saía, deixando Harry sozinho com suas palavras. O som da porta se fechando soou quase como um selo de seu destino. A ironia nas palavras de Snape pesava em sua mente, enquanto ele olhava para a pilha crescente de cartas sendo depositadas no centro do quarto.

Outro beta entrou, carregando mais sacos, e então mais outro. As cartas agora preenchiam quase toda a sala, o volume surpreendente. Harry mal podia acreditar naquilo. Não esperava que sua participação na Corrida tomasse proporções tão distorcidas. Não esperava que o simples fato de sobreviver a colocasse nesse tipo de holofote... e certamente não esperava que estivesse sendo visto como uma espécie de prêmio para os alfas.

"Merda..." resmungou, levando as mãos aos cabelos, sentindo ainda mais exausto diante daquela situação.

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