O direito da mordida

"Não exploda."

A voz de Snape ecoava na mente de Harry, um lembrete sussurrado como o vento frio antes de uma tempestade. "A pior coisa que você pode fazer é dar-lhes uma justificativa. Alfas adoram dizer que ômegas são histéricos. A histeria foi a desculpa usada durante séculos para trancafiar ômegas em instituições e enchê-los de drogas. Controle-se, Potter."

Mas controlar-se parecia uma tarefa impossível naquele momento. O contrato falso, reluzente como uma lâmina nova, repousava nas mãos do apresentador Edgar Brown, e cada palavra daquele papel parecia pesar uma tonelada. Na frente dele, os Dursleys pareciam se banquetearem com o desespero de Harry, como se fosse o prato principal em uma ceia suntuosa. Vernon, com sua risada gutural e satisfeita, recostou-se na cadeira como um rei em seu trono. Petúnia, com seu rosto esticado e frio, observava-o com olhos aguçados, a imagem de uma ave de rapina esperando pelo momento certo para atacar. E Dudley, grotesco em seu terno apertado, se remexia no assento, mal contendo uma risadinha.

Os apresentadores, Lauren e Edgar, ostentavam expressões de falsa pena, mas seus olhos brilhavam com um prazer quase predatório. Harry sentia o cheiro de escárnio e oportunismo vindo deles, misturado ao aroma opressivo dos alfas na plateia, cada vez mais sufocante. Ele queria atacá-los — todos eles. Os Dursleys, os apresentadores, até mesmo a plateia. Seu corpo tremia de tanta raiva, o coração disparado no peito. Ômegas não entravam em estado feral, mas naquele momento ele sentia que estava à beira de algo primitivo, quase monstruoso.

"Espera aí."

A voz de Luna cortou o tumulto na mente de Harry como uma lâmina afiada, trazendo-o de volta ao momento. Ela deu um passo à frente, o brilho de sua determinação iluminando o palco como um raio de sol inesperado. Sem hesitar, ela estendeu a mão para pegar o contrato, mas Edgar tentou recuar. Neville, movendo-se com mais rapidez do que Harry esperava, interceptou o apresentador, tirando o papel de suas mãos e entregando-o à amiga.

Luna segurou o documento como se fosse um artefato amaldiçoado, seus olhos percorrendo as linhas com uma mistura de nojo e curiosidade. "Se isso aqui é de fato verdade..." começou ela, a voz firme e gélida.

"E é verdade, ômega. Não consegue ler?" A risada de escárnio de Vernon ecoou pelo anfiteatro. Sua voz era como um trovão oco, reverberando no estômago de Harry e quase o fazendo avançar. Mas Luna não vacilou.

"Se for mesmo verdade..." Luna continuou, ignorando Vernon com uma calma que beirava o desdém, "vocês estão dizendo que, desde os 11 anos, Harry estaria submetido a esse contrato?" Sua voz ganhou força, cada palavra atingindo os Dursleys como flechas. "E mesmo assim, vocês esperaram todos esses anos para trazer isso à tona? Esperaram Harry entrar na Corrida, diante de uma audiência nacional, para fazer essa revelação? E esse alfa, supostamente tão interessado, simplesmente aceitou que o ômega que deveria ser prometido ao seu filho vivesse por conta própria? Sem limitações, sem supervisão, sem sequer saber onde ele estava?"

As palavras de Luna eram afiadas, cada uma delas arrancando um pedaço da fachada dos Dursleys. Vernon e Petúnia trocaram olhares nervosos, a máscara de autoconfiança começando a rachar. O desconforto no rosto deles era evidente, e Dudley, percebendo a tensão, se encolheu em seu assento, olhando de soslaio para os pais.

Edgar tentou intervir, sua voz transbordando falsa autoridade. "Obviamente, eles tiveram suas razões para o momento da revelação," disse ele, o sorriso pintado em seu rosto traindo a irritação que sentia ao ver o controle escapar de suas mãos.

"Obviamente, tiveram suas razões...".

A voz de Fleur cortou o ambiente. Um sorriso perigoso e falso curvou seus lábios enquanto ela se dirigia aos apresentadores e à plateia, parecendo saborear o impacto de suas palavras. "Talvez tenham feito isso para proteger o próprio Harry!"

A declaração de Fleur caiu como uma pedra em águas calmas, enviando ondas de surpresa por todo o anfiteatro. Harry arregalou os olhos, o coração dando um salto no peito com aquela reviravolta inesperada. Ele mal conseguia acreditar que ela estava virando a narrativa contra os Dursleys. E não era só ele. Petúnia fez uma careta, como se tivesse mordido algo amargo. Vernon, sempre vermelho, parecia prestes a explodir, e Dudley, com a boca entreaberta, exibia um misto de confusão e desagrado.

"Afinal..." Fleur continuou, sua voz controlada, mas carregada de propósito. Seus olhos percorreram a plateia e as câmeras, fixando-se nelas como uma predadora que visse o momento certo de atacar. "Por que demoraram tanto tempo para apresentar esse contrato? Considerando que Harry já passou dos 18 anos há muito tempo — na verdade, ele tem 23 anos agora — já houve bastante tempo para que esse suposto alfa reivindicasse o seu ômega. Se é que podemos chamar isso de reivindicação." Ela deu uma pausa dramática, seus olhos se estreitando. "Na França, existe uma legislação clara sobre esses casos... Não sei como funciona aqui na Inglaterra, mas imagino que algo semelhante deva existir."

"Oh! Sim..." Neville interveio, a voz soando mais firme do que o habitual, enquanto se inclinava levemente para a frente, como se desafiasse a sala inteira. "Se não me engano, trata-se do direito da mordida."

"Exatamente!" Luna assentiu com vigor, os olhos brilhando com determinação. "E, se eu me lembro corretamente, a lei exige que, para que uma união como essa seja considerada legítima, o alfa deve formalizar a reivindicação e realizar a mordida. Algo que, pelo que vejo..." Ela levantou o contrato falso, quase teatralmente, "...não aconteceu neste caso."

"E, se minha memória não me falha..." Neville franziu o cenho, sua voz carregando o peso de uma conclusão inevitável, "há um prazo para que isso seja feito. Passado o tempo, o contrato perde sua validade."

Harry sentiu uma onda de alívio lavando sua mente como uma brisa fresca. Cada palavra de seus amigos parecia uma muralha erguida ao seu redor, protegendo-o da avalanche que os apresentadores e os Dursleys tentavam desencadear. Pela primeira vez, ele percebeu plenamente o quanto esses amigos eram mais do que aliados. Eles eram sua família. Ele não estava sozinho nesta batalha. Aquele garoto que, por tanto tempo, pensara que precisava enfrentar o mundo sozinho, agora via a verdade: ele não era um "garoto escolhido", mas alguém que só conseguia avançar graças às mãos que o seguravam.

Do outro lado, os Dursleys pareciam prestes a implodir. Vernon, sempre volumoso, agora parecia encolhido sob o peso do desespero, enquanto Petúnia mordia o lábio com tanta força que ele ficara branco. Dudley desviava o olhar nervosamente, tentando inutilmente desaparecer em sua cadeira. A fachada de controle deles estava ruindo, cada rachadura exposta sob o olhar atento da plateia e das câmeras.

Mesmo os apresentadores não escaparam ilesos. Edgar, com sua postura polida, agora parecia perdido, folheando seus papéis como se tentasse encontrar uma saída mágica. Lauren, por outro lado, recuperou-se rapidamente, mas seu sorriso parecia mais tenso, quase venenoso.

"Fico surpresa..." Lauren falou com uma voz que parecia mel pingado em veneno. "Surpresa que saibam tanto." Ela pausou, deixando o tom de condescendência escorrer lentamente. "Mas, claro, isso deveria ser esperado dos vencedores da segunda fase desta Corrida." Ela olhou para a plateia com um sorriso forçado. "Não é verdade?"

A plateia, antes murmurando com escárnio e zombarias, agora estava estranhamente silenciosa. Alguns alfas pareciam desconfortáveis, mexendo-se em suas cadeiras, enquanto outros cruzavam os braços, claramente irritados por ver a narrativa ser arrancada de suas mãos. O cheiro agridoce de feromônios tensionava o ar.

"Oh!" Edgar interrompeu o silêncio quase constrangedor, com um sorriso falso e nervoso. "A produção acaba de me informar que, de fato, o contrato está próximo de expirar... mas, até o momento, ele ainda está dentro do prazo de validade!"

Harry lançou um olhar de pura ferocidade ao apresentador, os olhos verdes brilhando com uma intensidade que fez Edgar engolir em seco. Aquele contrato era uma farsa, e Harry sabia disso com cada fibra de seu ser. Não havia validade, não havia assinatura verdadeira. Era uma armação, uma tentativa descarada de tirá-lo da Corrida. Mas eles estavam determinados a forçar aquela narrativa, a explorar até o limite a mentira.

"Você só pode estar brincando..." Harry praticamente rosnou, a raiva fervendo em sua voz. Ele deu um passo à frente, mas sentiu a mão de Neville em seu ombro, um gesto firme para acalmá-lo e contê-lo.

"Mas é verdade o que nossos queridos ômegas alegaram..." Lauren interveio, sua voz carregada de um tom condescendente, como se estivesse explicando algo a uma criança birrenta. Ela sorriu, falsa como uma moeda de lata. "O alfa demorou, sim, muito para reivindicar o seu prêmio. Deixou nosso pobre Harry abandonado por tantos anos, à própria sorte! Isso explica por que ele ficou tão... brabinho. Sem o amor e o amparo de um alfa, ômegas acabam assim. Perdidos, desamparados. Mas não temam, estamos aqui para corrigir isso e finalmente uni-lo ao seu alfa prometido!"

"De fato!" Edgar exclamou, animado, como se tivesse recebido um presente. "A produção já está em contato com o alfa para que ele venha aqui reivindicar o seu querido ômega!".

Ele fez um floreio teatral com as mãos, e os olhos de Vernon Dursley brilharam com um prazer malicioso. Petúnia ajeitou o penteado, empinando o nariz como se fosse uma rainha prestes a receber uma medalha. Dudley apenas observava, com o sorriso gorduroso de um predador preguiçoso.

"Estamos realizando, ao vivo, um verdadeiro conto de fadas!" Lauren fungou, simulando emoção enquanto levava um lenço ao rosto.

Neville lançou um olhar desesperado para Luna e Fleur, buscando reforço. Mas as duas pareciam perdidas. Luna, geralmente cheia de ideias improváveis, estava em silêncio, os olhos arregalados de confusão. Fleur mordia o lábio inferior, as mãos trêmulas indicando sua frustração por não saber como reagir. A tensão no palco era sufocante.

"Acho que deveríamos verificar a autenticidade deste contrato..." tentou Neville, com um tom diplomático, mas sua tentativa foi rapidamente esmagada.

"Duvida da palavra de um alfa, ômega?" Vernon Dursley zombou, a voz grossa cheia de escárnio. Ele apontou um dedo gordo em direção a Neville, como se estivesse lidando com um insolente. "Este contrato foi assinado pelo alfa em questão, e sua palavra está em jogo. Você realmente acha que ele mentiria?"

"Acho que esse alfa poderia pegar esse contrato e enfiá-lo no..." começou Harry, a voz carregada de fúria, mas foi cortado por uma voz firme e grave que emergiu da plateia.

"Existe outra forma de invalidar esse contrato e a reivindicação do alfa!"

A declaração gerou uma comoção. Alfas começaram a murmurar e rosnar, seus olhos fixos no ponto de onde a voz viera. Harry girou a cabeça rapidamente, o coração disparando. Ele conhecia aquela voz.

Alguém forçava a passagem pela plateia, empurrando alfas que hesitavam, mas que logo davam espaço ao perceberem quem vinha. Era como se uma onda invisível os afastasse. Então, Harry viu os cabelos loiros platinados que brilhavam sob as luzes do palco. E não estava sozinho.

"Existe outra forma de invalidar o contrato... e tudo isso." Draco Malfoy emergiu da multidão, com a postura altiva e o olhar fixo. Ao seu lado, Victor Krum avançava, sua presença sólida como uma muralha, intimidando qualquer um que ousasse bloqueá-los. Os murmúrios se transformaram em um silêncio expectante.

Draco subiu ao palco com uma confiança que parecia desconcertar todos ao redor. Os seus olhos cinzentos eram como aço líquido, e seus movimentos eram calculados, quase felinos.

"De que maneira, senhor alfa, isso poderia ser feito?" Lauren perguntou, a voz tingida de nervosismo, mas ainda tentando manter o tom controlado.

"Se outro alfa o reivindicar antes que o filho do alfa mencionado no contrato o faça..." Draco falou, a voz baixa e precisa, mas carregada de um desafio latente. Ele não olhou para Lauren, nem para Edgar, e sim diretamente para Harry. Era como se estivesse falando apenas para ele.

A sala ficou em silêncio. Os olhos de todos se fixaram em Draco, enquanto a tensão aumentava, espessa como fumaça.

"E... quem estaria disposto a fazer isso?" Edgar perguntou, tentando rir, mas a risada saiu nervosa, mal disfarçando sua inquietação. "Quem se oporia à vontade de outro alfa assim tão abertamente?"

Draco endireitou os ombros, como um guerreiro se preparando para a batalha. Ele respirou fundo, e então, com uma voz clara e firme, declarou:
"Eu. Draco Malfoy."

A sala explodiu em murmúrios e gritos abafados. Alguns alfas rosnaram abertamente, enquanto outros observavam com olhares avaliativos, como se Draco tivesse acabado de puxar a espada em um duelo. Mas Harry não viu nada disso. Seu olhar estava fixo no homem à sua frente, o coração batendo descontrolado. Ele mal conseguia processar as palavras, mas sabia de uma coisa: Draco Malfoy acabara de mudar tudo.


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