Mudança de perspectiva

"Um ômega deve sempre se conter, não deve demonstrar o que realmente sente," ele se lembrava de sua avó dizendo, enquanto ambos liam revistas de fofoca à frente da lareira recém-acendida. A grande mansão, um retrato da decadência da família Longbottom, tinha paredes descascadas, vidros trincados e o aquecedor central quebrado. A luz fraca da lareira mal iluminava o ambiente, lançando sombras inquietantes que dançavam sobre os móveis antigos e desgastados.

"Um ômega nunca deve ser o protagonista, ou tomar iniciativa," continuava a falar a sua avó, a senhora de cabelos esbranquiçados elegantemente arrumados. Ela usava as melhores roupas, tentando manter o status da família, enquanto Neville se cobria com mantos, tremendo de frio. Ele se aproximava da lareira, com uma revista em mãos, vendo as reportagens dos novos casais da sociedade alfa e das cerimônias de mordidas. Como a sua avó conseguia não tremer e manter a cabeça erguida, Neville não sabia.

"Mas..." ele levantou a voz, mas a senhora Longbottom lançou um olhar severo para o neto.

"Se desejamos reerguer a família Longbottom, você deve ser o ômega perfeito. Veja as revistas, veja quem são os ômegas que conseguem conquistar um alfa poderoso!"

Em meio a essa lembrança, Neville se viu segurando a espada e atacando a ômega. Ele não se conteve, ele tomou a iniciativa, se tornando o protagonista da ação. Sua avó não se sentiria nada orgulhosa com a atitude de seu querido neto. Mas, o referido neto não sentia vergonha ou arrependimento...

Ele viu a ômega que ele atacou cair, segurando a lateral do corpo ferido, o sangue escorrendo entre os dedos dela. Algo lhe incomodava profundamente nela, aquele desespero de conseguir alcançar a estabilidade tão ambicionada pelos ômegas. Conseguir a mordida. Conseguir um alfa poderoso. Era isso que Neville também buscava, mas agora ele via tal busca com certo asco.

Já estava na segunda fase da corrida e percebeu que não pensava mais nos candidatos que poderiam ser bons parceiros, que poderiam ser bons alfas para alcançar seu objetivo, sua missão. Só queria sobreviver, ajudar seus amigos a sobreviverem e passar para a próxima fase. Quando foi que mudou tal perspectiva em relação a tudo que sua avó o havia instruído?

"Ah! Um ômega atacando outro ômega... Isso é um pecado capital," a ômega conseguiu dizer, fazendo Neville acordar de sua reflexão. Sua voz era fraca, mas carregava uma acusação amarga.

"Pecado? Essa é boa..." falou Fleur, com sarcasmo evidente, cruzando os braços. "E o que você fez conosco, atraindo-nos a uma armadilha para sermos atacados por alfas? Isso se trata de uma virtude sagrada?"

Ela não respondeu, lágrimas caíam de sua face enquanto sua mão já estava totalmente ensanguentada.

"Devemos fazer alguma coisa..." começou a dizer Luna, com preocupação evidente, observando a gravidade da ferida.

"Se ela ficar aqui... Junto com os outros alfas desacordados," começou a dizer Harry, "será resgatada pela equipe médica da Corrida. Eles não vão poder ignorá-la..."

Neville assentiu, olhando para a ômega e depois para a própria espada. Um filete de sangue manchava a lâmina, e ele sentiu uma mistura de culpa e alívio. Sentimentos confusos ainda borbulhavam dentro de si. Alívio pelo quê? Por não se tornar um ômega como ela, disposto a tudo para obter a mordida de um alfa influente? Se não tivesse encontrado Harry e treinado com ele, estaria no mesmo lugar que a ômega ferida? Talvez fosse esse o alívio que sentia — a percepção de que ele havia encontrado um caminho diferente, um caminho de dignidade e amizade, ao invés de submissão e desespero. A culpa vinha da ação violenta que havia cometido, mas o alívio, ao menos em parte, era por reconhecer que, apesar de tudo, ele não era como ela.

"Qual é o seu nome?" Neville questionou a garota que o mirou, olhos arregalados, talvez de dor ou de medo. Talvez ela imaginasse que ele iria atacá-la novamente.

"Amélia... Amélia Gray" balbuciou, sua voz fraca e trêmula.

Neville se voltou para Victor, que o observava com uma intensidade peculiar. Ignorando o rubor que tingia suas bochechas, o ômega perguntou:

"Você tem um kit de primeiros socorros com você? Será que poderia ajudá-la? A equipe de socorro deve demorar a chegar," pediu, sua voz carregada de urgência.

O alfa russo deu um leve aceno, indicando a bolsa que trazia consigo. Ele a abriu e retirou gaze e outros medicamentos para tratar feridas.

"Por que está fazendo isso?" questionou Fleur, irritada. "Ela queria ferir o Harry... Ela nem ligou para nós quando fomos atacados!"

"Não somos iguais a ela, Fleur," sentenciou Neville, sua voz firme surpreendendo até a si mesmo. Em seguida, acrescentou, mais suavemente: "Desculpe..."

"Ele tem razão," Harry interveio, colocando a mão sobre o ombro do amigo e sorrindo. "Ômegas devem se ajudar e não ser inimigos. Essa deve ser a mensagem."

Amélia os observava, abismada. De fato, não parecia entender como eles estavam ajudando e mostrando clemência depois do que ela tinha feito. Seus olhos, arregalados de surpresa, agora brilhavam com uma mistura de confusão e gratidão.

Victor se ajoelhou ao lado dela e começou a tratá-la com rapidez e destreza, seus dedos ágeis aplicando a gaze nas feridas, enquanto Neville observava atentamente.

"Que seja..." disse a ômega francesa, lançando os cabelos platinados do rabo de cavalo para trás, embora estivessem desalinhados e desarrumados devido à batalha com o alfa. "Já que esse obstáculo foi transposto, temos que buscar a próxima pista."

"O obstáculo não foi de fato transposto," disse Draco, olhando fixamente para o chão como se estivesse buscando algo. Harry, percebendo a movimentação do rapaz, estreitou os olhos, tentando enxergar o que ele procurava, mas a visão embaçada o lembrou que havia perdido seus óculos.

"Como assim?" Luna perguntou em um sussurro.

Draco se abaixou, pegando algo com um sorriso triunfante estampado no rosto.

"Bem, existem mais alfas na mansão. Passamos por alguns enquanto estávamos procurando por vocês. E alguns deles estão do lado do Crouch, no sentido que..." Draco se aproximou de Harry, que franzia o cenho, esperando a continuação da fala. Mas o sentimento de expectativa foi substituído por um leve espanto ao ver Draco colocando algo em seu rosto com uma delicadeza surpreendente para um alfa. A visão de Harry tornou-se mais nítida ao perceber que seus óculos tinham sido recuperados. Havia arranhões, mas por milagre não estavam quebrados.

"No sentido de quê?" quis saber Harry, ajeitando os óculos devolvidos com os dedos sob o nariz afilado, e lançando um sorriso de agradecimento para Draco.

"De caçarem você, Potter," revelou Draco, contendo um rosnado. Uma cor vermelha tomou momentaneamente as íris cinzentas do jovem alfa. "Esse parece ser o plano do tal Lord Voldemort, você servir de exemplo."

"Exemplo do que? O que esse cara tem contra mim?" resmungou Harry, sentindo um leve calafrio percorrer sua espinha. A revelação de Dumbledore sobre o tal alfa Voldemort estar associado ao seu passado e ao de Neville ainda o assombrava, mas não esperava ser atacado diretamente.

"Você atacou um alfa durante a corrida, foi filmado. Não se arrependeu. E isso tudo se tornou viral nas redes sociais. Bem, acho que ele vai usar você para provar algo," explicou Malfoy, e Harry assentiu levemente.

"Então, temos que encontrar a outra pista logo e terminar essa segunda fase!" disse Luna.

"Ou..." Harry se voltou para seus companheiros ômegas, notando o quão machucados e cansados estavam. "Ou eu continuo essa fase sozinho. Vocês não precisam ficar ao meu lado, sendo eu um alvo. Pode ser perig..."

"Mon Dieu!" cortou Fleur. "Acho que é meio tarde para darmos um passo para trás no negócio de equipe. As pistas devem estar todas localizadas nessa mansão... Vamos ter que buscar juntos, quer você queira ou não!"

"Desculpe, Harry, você não vai se livrar de nós tão cedo," disse Neville com um meio sorriso. Harry soltou um suspiro e sentiu um alívio repentino, percebendo um nó de nervosismo que só agora notou estar apertando a boca do estômago se desfazendo. Ele não estaria sozinho, e isso lhe trouxe um estranho reconforto.

"E teremos guarda-costas!" acrescentou Luna, apontando para Draco, que deu um riso nervoso.

"Não iremos acompanhá-los," disse Victor subitamente. Ele já tinha terminado de tratar Amélia, que parecia absorta em seus próprios pensamentos. "Para garantir a segurança de vocês, será melhor que fiquemos para trás e atrasemos os outros alfas que, porventura, venham atrás de Harry."

Draco olhou para Harry e depois para Victor, claramente indeciso. Ele não desejava deixar o lado de Harry, o que o ômega achou fofo, embora não fosse admitir isso em voz alta.

"Isso é perigoso..." disse Harry, preocupado. "Vocês são só dois, e não sabemos quantos alfas há na mansão."

"Daremos um jeito," garantiu Draco, tentando parecer confiante. "Podemos trancar algumas portas, amontoar alguns móveis aqui e ali... Distraí-los de outra maneira. Isso pode dar tempo para que vocês encontrem as pistas e avancem para a próxima fase."

Harry ia argumentar contra, mas Fleur segurou seu ombro.

"Eles estão certos. Perdemos muito tempo aqui, e provavelmente o alfa que fugiu deve estar buscando outros aliados para nos emboscar. Melhor irmos o quanto antes."

Harry, relutante, olhou para Draco, que lhe deu um sorriso esperançoso e assentiu.

"Aqui," disse Victor, entregando o kit de primeiros socorros para Neville, que aceitou com mãos trêmulas, sem conseguir olhar diretamente para Krum. O alfa, por sua vez, levantou delicadamente o queixo de Longbottom com dois dedos, forçando-o a encontrá-lo com os olhos.

"Tome cuidado," disse Victor com a voz baixa.

O toque suave e a intensidade no olhar de Victor fizeram o coração de Neville disparar. Sentiu um calor subir pelo rosto, suas bochechas corando intensamente. Ele assentiu rapidamente, tão rápido que Harry temeu que o amigo fosse quebrar o pescoço.

"Vamos!" declarou Fleur, impaciente, puxando Neville e Harry para uma das portas de saída do cômodo. Luna seguia rapidamente ao seu lado.

Harry deu uma última olhada para trás, vendo Draco acenar para ele. Mesmo sem emitir som, Harry pôde ler nos lábios do alfa um "até logo". A intensidade do olhar de Draco fez seu coração bater mais rápido.

Harry assentiu ligeiramente, sentindo um misto de esperança e determinação. Sim, eles iriam se ver de novo ao fim daquela fase da corrida.

~**~

A cozinha era incrivelmente ampla, mais parecendo um espaço digno de um restaurante do que de uma casa. As bancadas de mármore preto brilhavam sob a luz dos lustres de cristal que pendiam do teto, e os armários de madeira escura ocupavam quase todas as paredes, alinhados perfeitamente. Os fogões industriais de aço inoxidável, reluzentes e imponentes, estavam dispostos em uma fileira, prontos para preparar refeições grandiosas. Harry teve que se lembrar que ali se tratava de uma mansão, frequentemente palco de eventos e festas sofisticadas, o que explicava o tamanho e a sofisticação daquele ambiente.

Luna e Fleur se lançaram imediatamente contra os fogões e armários, iniciando uma busca frenética. Neville e Harry trocaram olhares confusos, sem entender a princípio, mas logo concluíram que a próxima pista deveria estar em algum utensílio da cozinha e se juntaram à busca.

"Será que outros ômegas já chegaram aqui antes de nós?" questionou Luna, desesperada, retirando rapidamente a cabeça do forno de um fogão e batendo no metal no processo.

"Pode ser..." respondeu Fleur, irritada, dando um leve tapa em uma frigideira que estava sobre a bancada, fazendo-a cair no chão com um estrondo.

Harry praguejou baixinho, lembrando-se de que não estavam sozinhos na competição. Outros ômegas poderiam ter decifrado a segunda charada e já ter passado pela cozinha, pegando a próxima pista.

"Esperem..." disse Neville, abrindo um dos fornos elétricos dispostos ao lado de uma estante organizada de pratos. De dentro, ele retirou um cartão verde. A próxima pista...

"O que está esperando? Leia!" exclamou Luna, animada, quase dando saltinhos de excitação. Fleur ergueu uma sobrancelha para a garota, mas um leve sorriso surgiu em seus lábios.

"Bem..." Neville pigarreou e leu a terceira charada da segunda fase:

Em um lugar de sonhos, onde ômegas cuidam com devoção,

Onde o futuro é embalado com amor e proteção.

Busque onde os anseios se embalam em ninar,

Lá o segredo do próximo passo irá revelar.


Palavras da autora

E aí? Sabem aonde estará a próxima charada? Já estamos chegando ao fim da segunda fase. (só avisando).

Esse capítulo que dar um pouco mais de foco em Neville. Espero que tenham gostado!




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