Amos Diggory
A atmosfera do clube era elétrica, mas havia uma sofisticação cuidadosamente calibrada que evitava o caos. A luz suave de lustres de cristal lançava um brilho etéreo sobre grupos de pessoas acomodadas em poltronas de couro capitonê. Eles brindavam com coquetéis exuberantes servidos em copos de cristal, enquanto uma banda de jazz ocupava um palco ricamente decorado na extremidade do salão amplo.
Harry percebeu que os olhares direcionados a ele não eram decorrentes de sua condição original como ômega, mas sim da incongruência entre seu vestuário modesto e a elegância refinada dos outros frequentadores. Com uma rápida leitura social, ele concluiu que a mera transição temporária para a categoria de beta não seria suficiente para ser completamente aceito naquele círculo elitista. Ali, o poder aquisitivo ostentava uma importância tão significativa quanto a classificação ABO.
O vocalista da banda cantava a música de forma hipnotizante, os versos melódicos mas melancólicos da canção "Tears in Heaven" ressoavam profundamente.
Would you know my name
If I saw you in Heaven?
Would it be the same
If I saw you in Heaven?
I must be strong
And carry on
'Cause I know I don't belong
Here in Heaven
(tradução: Será que você saberia o meu nome
Se eu te visse no Paraíso?
Será que as coisas seriam iguais
Se eu te visse no Paraíso?
Eu preciso ser forte
E seguir em frente
Porque eu sei que não pertenço
Aqui ao Paraíso).
No entanto, Harry não podia se dar ao luxo de se deixar envolver pela música ou pelo ambiente sofisticado que o cercava. O aviso de Fred e Jorge sobre a eficácia limitada do perfume ecoava com insistência em sua mente, infundindo um senso de urgência às suas ações. Com esse pensamento acelerando seus passos, ele iniciou a busca por Amos Diggory. Seus amigos o acompanharam através do opulento hall de entrada: Fred e Jorge pareciam estar em estado de absoluto encantamento com o lugar, enquanto Ron, visivelmente ansioso, mexia numa gravata já desgastada e inadequadamente folgada, como se tal gesto pudesse aliviar um desconforto que sentia.
Apesar de seus passos acelerados, Harry logo percebeu que não sabia exatamente para onde ir. Seu chefe, Chang, havia apenas lhe dado instruções vagas: a localização do clube e o nome do contato, Amos Diggory, que supostamente estaria esperando por eles. O termo "esperando" agora parecia bastante questionável. Afinal, Chang não teria comunicado a Amos que ele, Harry, era um ômega? Como, então, ele seria permitido entrar num estabelecimento que discriminava justamente sua classificação?
"Eu daria um jeito", Harry pensou, convencido de que, se necessário, escalaria paredes, quebraria uma janela e invadiria o lugar. No entanto, ele se perguntava se deveria ser forçado a tais extremos.
"Harry, espera...", Ron agarrou o braço do amigo, interrompendo seus pensamentos. "O segurança disse que deveríamos subir para o terceiro andar. É onde Diggory está."
"Excelente. Então, para o terceiro andar vamos," respondeu Harry, mudando sua direção para um elevador panorâmico suntuosamente construído, localizado em uma das extremidades do opulento salão.
Harry não pôde deixar de notar como um grupo de betas, já posicionados para entrar no elevador, se afastou ao vê-los. Uma mulher mais velha chegou a levar a mão ao nariz, num gesto expressivo que claramente sugeria desaprovação olfativa.
Ron, percebendo o gesto, discretamente farejou seu próprio traje.
"Não se preocupe, Ron," assegurou Harry, pressionando o botão para o terceiro andar. "Meu olfato é mais sensível que o de qualquer um aqui, e posso garantir que não estamos exalando nenhum mau cheiro."
Fred soltou uma risada irônica, enchendo o ambiente com seu tom de incredulidade.
"Do que você está rindo?" indagou Ron, com um olhar desconfiado.
"Vocês não acham isso tudo hilário? Os betas criam locais como este para 'escapar' do sistema ABO, mas acabam por criar seu próprio sistema de exclusão, agora baseado no capital," Fred elucidou.
"Isso até soa mais justo," resmungou Ron, sua voz tingida de amargura. "Quer dizer, no ABO, não temos escolha; está em nossa genética. Aqui, pelo menos, há uma espécie de mobilidade social se trabalharmos duro."
"Justo?" Jorge arqueou uma sobrancelha em descrença ao ouvir seu irmão. "Nem o ABO nem o mundo dos betas são justos. Entenda, quem tem o poder não tem interesse em dividi-lo. Muitos desses betas provavelmente nasceram em berço de ouro ou em famílias alfa. Você acha que eles vão te ver como um igual? Meritocracia é uma ilusão para manter o resto de nós na linha."
"Uau... palavras profundas," comentou Harry, visivelmente impressionado.
"Eu tenho meus momentos," reconheceu Jorge, esboçando um meio sorriso.
Ron, entretanto, parecia estar absorto em seus próprios pensamentos, seus olhos vagueando pelo salão onde betas elegantes desfrutavam da pista de dança.
Finalmente, o grupo chegou ao terceiro andar. O espaço estava delineado por corredores elegantes, parapeitos ornamentados oferecendo uma visão panorâmica do nível inferior do clube. Um majestoso candelabro pendia, agora ao nível de seus olhos, alterando abruptamente sua perspectiva do ambiente. No canto mais distante, uma porta dourada e imponente parecia marcar o santuário do chefe do local. Ali, Harry deduziu, estaria Amos Diggory.
Harry bateu suavemente na porta dourada e ouviu um grunhido abafado do outro lado, um sinal tácito de que poderia entrar. O escritório de Amos Diggory era um estudo em contraste com o restante do clube; enquanto o salão principal ostentava luxo e extravagância, este espaço emanava uma elegância discreta. O ambiente estava aconchegantemente decorado com sofás de couro e poltronas de veludo, cercados por vasos de flores exóticas e plantas bem cuidadas. Uma escrivaninha de madeira de mogno sólido ocupava a outra extremidade do quarto, entulhada com pilhas de papéis e pastas. Na parede atrás da mesa, monitores de segurança exibiam várias vistas do clube, como olhos oniscientes.
Sentado em uma poltrona de alto encosto, voltada para uma ampla janela panorâmica que revelava o entardecer londrino em toda a sua glória dourada, estava o homem que Harry supôs ser Amos Diggory. Ele era um homem de meia-idade, seus cabelos tomando tons de prata e uma barba rala enfeitando seu rosto. Vestia-se de maneira notavelmente mais simples que seus clientes, com roupas que priorizavam o conforto ao estilo.
Com um movimento fluido e ponderado, Amos se levantou e caminhou até uma estante de madeira escura que abrigava uma coleção de garrafas de cristal. Cada recipiente continha líquidos de tonalidades que variavam do âmbar ao translúcido.
"Desejam algo para beber? Tenho whisky de 12 anos, conhaque..." Sua voz era rouca, tingida com uma espécie de cordialidade reservada, como se estivesse acostumado a manter um certo nível de formalidade, mesmo em momentos mais íntimos.
"Eu adoraria um drink!" Fred e Jorge exclamaram em uníssono, claramente entusiasmados e sem tentar ocultar sua alegria. Ron parecia mais reservado, mas acenou positivamente, aceitando uma bebida que provavelmente custava mais do que ele ganhava em um mês. Harry hesitou. A despeito de seu status temporário como beta, graças ao perfume que usava, as leis proibiam ômegas de consumirem álcool.
"Eu também vou querer um," anunciou Harry, surpreendendo os Weasleys. Fred e Jorge celebraram com assobios de incentivo, enquanto Ron lançava um olhar cauteloso na direção do amigo. Não era que Harry nunca tivesse bebido antes, mas esta seria a primeira vez que ele o faria tão publicamente.
Amos, aparentemente indiferente às considerações de Harry, distribuiu as bebidas e indicou que todos tomassem assento nas confortáveis poltronas que ornamentavam o espaço.
"Então, o que traz vocês aqui?" Amos perguntou, dando um gole casual em seu próprio copo e lançando um olhar displicente sobre o quarteto.
"Chang não explicou a situação para você?" Harry questionou, franzindo o cenho.
"Seria interessante ouvir diretamente de vocês. Sabe como é, posso ter entendido errado," Amos retrucou, coçando sua barba rala de maneira pensativa.
"Trata-se da Corrida. Preciso de sua ajuda para vencer. Não acredito que haja espaço para mal-entendidos aqui," respondeu Harry, com uma franqueza que fez Ron se engasgar com sua bebida.
"Então, você é o ômega de Chang," disse Amos, estreitando os olhos para focar sua atenção em Harry.
"Não sou ômega de ninguém," Harry respondeu de forma abrupta e decidida.
"Então como um ômega consegue entrar no meu clube? Tenho razões para crer que sua presença aqui é uma violação das regras," Amos inquiriu com uma ponta de desdém.
"Se esse é o caso, talvez você devesse investir mais em segurança," respondeu Harry, esquivando-se da acusação. "Você esperava que eu fosse desistir de entrar?"
"Imaginei que você teria o bom senso de evitar problemas. Um ômega em um espaço destinado apenas para betas, e ainda por cima bebendo? Eu poderia denunciá-lo, você está ciente disso?" Amos disse, seu tom endurecendo.
"Ei, ei," Jorge e Fred tentaram intervir, mas um gesto de Harry os fez recuar.
"Seria interessante se você tentasse me denunciar, considerando que eu teria de explicar o motivo da minha presença aqui," Harry retorquiu.
"Eu negaria qualquer envolvimento," Amos afirmou prontamente.
"Seria imprudente de sua parte. Um beta que administra um clube exclusivo, mantendo um relacionamento secreto com um ômega, ainda mais sendo um homem casado. Que escândalo," Harry comentou, dando um gole em seu drink e apontando para a aliança no dedo de Amos.
Amos olhou para a aliança, depois voltou seu olhar para Harry, as sobrancelhas erguidas em um misto de surpresa e irritação.
"Você não faria isso. Não só me arruinaria como também se arruinaria. Nenhum alfa ou mesmo beta iria querê-lo depois de um escândalo desses," disse Amos, mas algo em sua voz revelava uma clara incerteza.
"Eu vejo isso mais como uma vantagem do que uma desvantagem. Então, Sr. Diggory," Harry colocou seu copo sobre a mesinha de vidro à sua frente, "sinta-se à vontade para me denunciar."
Um silêncio pesado e carregado de tensão tomou conta do ambiente. Ron, Fred e Jorge alternavam olhares entre Harry e Amos, como se esperassem que alguém desse o próximo passo naquele delicado jogo de poder e revelações.
"Bem que Chang me avisou sobre você: esperto, teimoso e louco," Amos declarou, rindo enquanto bebericava o seu drink. O sorriso parecia desarmar a tensão no ambiente, e Harry sentiu uma onda de alívio lavar sobre ele—seu coração frenético abrandou e o desconforto que se instalara em seu estômago diminuiu.
"Considerarei esses adjetivos como elogios," Harry respondeu, voltando a pegar o seu copo e dando um gole lento.
"Chang não lhe contou o que eu costumava ser, imagino?" Amos indagou, fazendo circular o líquido remanescente no fundo do seu copo.
"Não, ele apenas disse que eu deveria procurá-lo," respondeu Harry, a curiosidade aguçada.
"Certo, vamos direto ao ponto, já que você parece necessitar de orientação, ômega." Com seriedade no olhar, Amos colocou seu copo sobre a mesa de centro e encarou Harry. "Fui um dos treinadores de ômegas mais renomados para A Corrida. Em meu portfólio, constam ômegas que saíram vitoriosos. Quando digo vitoriosos, quero dizer que eles foram habilidosos o suficiente para evitar os alfas durante a maior parte da competição, e acabaram sendo capturados por alfas influentes. Agora, vivem vidas de conforto e privilégio."
"Eu não tenho a intenção de ser capturado, Chang deve ter te informado," interrompeu Harry, impaciente.
"Sim, ele me contou," Amos suspirou, um misto de resignação e melancolia tingindo suas palavras. "Mas eu também já explorei essa alternativa—de um ômega vencer a corrida, chegar ao fim sem ser capturado."
"Isso é possível?" Ron questionou, olhos arregalados. "Eu nunca ouvi falar de um ômega que tenha realmente vencido a corrida."
"Bem, eu treinei um ômega que conseguiu. Atingiu a terceira fase ileso, tocou o marco que simbolizava sua segurança e sua vitória," disse Amos, sua voz tingida de uma mistura complexa de orgulho e tristeza.
"Quem foi esse ômega?" Fred perguntou, sua desconfiança aumentando. Deveria ter sido uma notícia bombástica, algo amplamente divulgado, e ainda assim ele nunca tinha ouvido falar de tal feito. Ele trocou um olhar com seu irmão gêmeo, que também captou a insinuação silenciosa: havia algo errado aqui.
"O ômega que venceu era meu filho, Cedric Diggory," revelou Amos, a voz quebrando ligeiramente, carregada de uma dor que todos puderam sentir.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top