15° PEQUENOS DRAGÕES, GRANDES PROBLEMAS

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"Este mundo pode te machucar
Te corta profundamente e deixa uma cicatriz
As coisas desmoronam
Mas nada se parte como um coração
E nada se parte como um coração"

- Nothing breaks like a heart, versão Damiano David

•••

Os resquícios do que fora uma espécie de pássaro mecânico passa de mão em mão até que Harry o segura analisando cada pedaço do metal. Sua expressão curiosa mostra certa intimidade com o objeto, como se já tivesse visto em algum momento e agora percebe-se uma familiaridade vinda do pássaro amarelo. Outrora muito presente em algumas lembranças do meu passado, o canto suave e melodioso da criatura me remetia a infância, por vezes eu escutava ao longe, mas não durava mais que alguns minutos antes que cessasse.

- Dá pra acabar com o suspense e dizer logo o que é essa coisa? - Cami fala já sem paciência com o irmão.

- Um pássaro espião. - Harry responde e passa o objeto para Philip que analisa as engrenagens penduradas e assente para Harry num consentimento particular onde ninguém faz ideia do que se trata.

- Um trabalho do Dr. Julian sem sombra de dúvida. Depois de tanta pesquisa e reparo ele conseguiu. É incrível, não acham? - Phil parecia maravilhado com o objeto destruído em suas mãos.

- Uma pena que tenha sido destruído. - Comento olhando de esguelha para Camilla que revela um sorriso sem graça.

- É algum tipo de gravador? - June questiona curiosa com os olhos sobre o pássaro, até que então nota algo que não percebemos de imediato e pega o objeto com delicadeza para que não se desfaça.

Ela puxa um pedaço de pergaminho enrolado, estava amarrado nos pés da criatura.

- O que é isso? - Cami estica o pescoço a fim de ver mais de perto.

June olha em volta com os olhos semicerrados, uma expressão de preocupação se espalha por seu rosto. A mão alcança a lança como de costume esperando algo sair de trás de uma moita e nos atacar. A postura rígida nos deixa alerta. Não costumo reparar em suas orelhas pontudas, mas nesse momento sou atraída para os movimentos frenéticos em busca de algum som tão baixo que nós não podemos ouvir.

- Estamos sendo seguidos? - Pergunto temendo a resposta. Não estou gostando dessa sensação de estar sendo observada.

- Improvável. Andei apagando nossos rastros com uma magia simples o caminho todo. - Harry fala.

- Tudo limpo por aqui. Não ouço ninguém. - June relaxa, mas não solta a lança. - Essa parafernália humana funciona como rastreador? - Ela aponta para nossos anéis.

- Na verdade é totalmente seguro se usado corretamente e creio não estar conectado ao servidor sendo que ele é controlado diretamente do escritório do Dr. Julian, onde a localização somente ele tem conhecimento. - Phil explica a June que não parece tão convencida quanto gostaria.

Eu confio no trabalho do Dr. Julian, sei que ele é inteligente o suficiente para sempre haver uma válvula de escape em qualquer trabalho seu, ou seja, ninguém a não ser ele pode nos rastrear pelo anel ou celular. Mas por via das dúvidas, se June disser que há alguém nos seguindo, confiarei em seus extintos sem pestanejar.

- Então explica, como acharam a vossa majestade no meio da floresta? - Sua pergunta não é sem fundamento. - O recado está endereçado a ela.

- Se ele seguiu com o planejado, o pássaro tem uma câmera e pode ser controlado por ele onde quer que esteja. Deve ter procurado por nós a noite toda.

- Posso ver? - Pego o papel tentando não deixar parecer que estou nervosa, mas minhas mãos tremem ao abri-lo. Quero muito acreditar que o Dr. Julian está bem e a salvo, que ele esteja do nosso lado e nos ajude de alguma forma, porque eu estou começando a ficar desesperada. Não posso de jeito nenhum fazer isso sozinha, estou fora de mim, fora de forma, fora de controle e com medo de perder a única coisa que me resta. A sanidade.

Devagar desenrolo o pergaminho e me deparo com um bilhete. A letra cursiva é elegante e perfeita, uma caligrafia impecável.

"Para a Rainha A.

Tome cuidado com quem se alia. Muitos reinos servem ao Rei N.M as escuras. Soube por meio de fontes confiáveis que acontecerá uma forte aliança entre o Rei N.M e o Rei A.S.

Milimor não é uma boa ideia.

Rei N.M mandará um exército capturar Tetundhranos foragidos nos próximos dias como isca para Rainha A."

Sem remetente. Nada, nenhuma assinatura sequer para que eu possa saber quem é o portador desta mensagem.

Em meio aos olhares curiosos leio a mensagem novamente, dessa vez em voz alta.

Camilla encara o nada atras de mim enquanto rói uma de suas unhas perfeitas, primeiro sinal de nervosismo que vejo nela desde que saímos de Penumbra. Minha amiga não é muito de expressar suas emoções, ao menos não abertamente, então o simples fato de ela revelar por meio de ações, me leva a acreditar que a situação está mais complicada que de fato parecia a poucas horas atrás.

É certo que fizemos um trato com o Rei Albert ontem à noite.

Este é o ponto. Apenas nós estávamos presentes além do jovem conselheiro, Arthur. a questão é, alguém está a par de nossos planos. Aquele maldito jornal de fofocas não está saindo como eu esperava. Os boatos de que procuro aliança se espalharam rapidamente pelos reinos, meu medo era que ao chegar aos ouvidos de Nicodemus, ele pudesse fazer algo a respeito e atrapalhar meu negócio.

Bom, está feito. Não posso voltar atrás, me custaria muito mais que estaria disposta a pagar.

- Estou confuso, é um aliado ou uma ameaça? - Harry pondera andando em círculos, levantando pedras que voam para perto de June, que está pesando a respeito do anônimo e nem se importa com os movimentos do garoto. - Tome cuidado com quem se alia. - Ele repete as palavras em busca de uma resposta mais esclarecedora.

- Um anônimo com grande participação no poder. Para saber tal informação só pode estar dentro do palácio. - Phil sugere enquanto analisa a letra do sujeito.

- Ou então ter escutas. - Harry continua na linha de raciocínio.

Não acho que s resposta que precisamos esteja em quem enviou o bilhete, mas sim em como sabe dessas informações e quais suas intenções as enviando ilegalmente para mim. O que iria querer em troca? As pessoas estão sempre em busca de uma recompensa, com os humanos é assim. Não existe solidariedade ou companheirismo, muito menos pessoas dispostas a oferecer ajuda sem esperar nada em troca. É assim que o mundo funciona hoje em dia, após tantas guerras destruírem países inteiros, não foram capazes de aprender.

Era de se esperar que após tantos anos enfrentando conflitos, entrando em batalhas por mais poder, as pessoas já tivessem aprendido que a melhor forma de lidar com questões políticas é saber conversar. Nunca deixar seus próprios ideais de lado, mas também saber quando é hora de respeitar o espaço do próximo, não atacar com tudo que tem. Entrar em acordos onde os dois lados possam sair ganhando.

Infelizmente nada mudou. Essa é a prova. Estamos prestes a repetir tudo mais uma vez.

A intolerância é o mal do século.

Os seres humanos têm medo daquilo que não conhecem. Então para eles é mais fácil atacar que confraternizar. Julgar que procurar entender o que essa novidade tem a oferecer ao mundo, pois todos viemos do pó e ao pó voltaremos. Não existe diferença que possa nos separar em hierarquias, mas vai tentar explicar isso ao chucro do homem no alto de seu trono, no ápice de seu poder.

- E se for o próprio Dr. Julian? - Cami sugere. - Não acham que ele está conspirando contra nós, acham?

- Eu não acho que devamos ficar pensando em quem seja esse anônimo, mas seguir nosso caminho e continuar com o plano. - Minha resposta parece ter surtido efeito contrário do que pensei, ninguém se mexe quando faço menção de continuar pela trilha mata adentro. E acho que após esse episódio eles passem a não confiar muito em meus instintos. Não os culpo por isso.

- Olha Addy, me desculpe, mas acho que não recebemos esse aviso atoa. - Cami fala calmamente com um tom leve, o leve tremor na voz e aperto nos olhos não esconde seu temor pela minha reação.

- Eu posso tentar consertar o pássaro e enviar uma mensagem. - Harry se anima com a ideia de entrar em contato com seu professor.

- Eu não acho que seja prudente. - Philip entoa. - E se for uma armadilha? - Sua preocupação é válida.

- O que você acha? - A pergunta é direcionada a mim, mas nem sei dizer de quem foi já que sinto minha cabeça rodar com tantas questões.

Todos me encaram esperando uma resposta. Sinto que todos os olhos estão voltados para mim, na esperança de que eu saiba de tudo, que eu saiba como agir em qualquer situação. Mas acontece que eu sou uma pessoa real, então não sei sobre tudo, não sei como posso agir quando não sei mais nem quem eu sou.

- Escutem aqui. - June estala os dedos roubado a atenção de mim, agradeço com um aceno de cabeça. - A Rainha precisa de um tempo, então tratem de ser uteis e fazer alguma coisa que não seja perturbá-la por algumas horas. Não queremos que ela exploda não é mesmo? - As últimas palavras carregam um peso que ela tenta tirar com um sorriso forçado.

Nunca pensei que June fosse tão empática, sempre a vi como antipática e a primeira a querer começar uma guerra contra os humanos. Mas vejo que não a conheço o suficiente para saber o que realmente se passa na sua cabeça, ou qual sua verdadeira essência, essa na qual não deixa transparecer a ninguém.

A elfo consegue dar ordens como uma rainha, todos a ouvem sem nem pestanejar, simplesmente escutam quando ela começa a falar. Sua voz e forte o suficiente para calar a todos, ninguém se atreve a discutir, de modo que se espalham pelo acampamento improvisado.

Com cada um indo para um lado, sinto um pequeno alívio na pressão imposta sobre mim. Posso finalmente respirar fundo e fechar os olhos na tentativa de acalmar o que quer que esteja acontecendo aqui dentro. Inspiro e expiro até que minha respiração curta volte a se normalizar. Meu peito sobe e desce calmamente, sou interrompida apenas pelo som do meu coração batendo, me concentro em cada batida soando como um tambor na tentativa de esquecer tudo ao meu redor. Quero apagar aquele pesadelo, as cenas de Ethan queimando, o som de sua agonia permaneceria por muito tempo em minha consciência. Apesar de seus inúmeros erros, ninguém merece morrer dessa forma, algo tenebroso e violento tenta me dizer que é natural querer vingança.

Pressiono a têmpora quando a dor de cabeça começa a aparecer, chata e constante bem acima da região das sobrancelhas. Tudo que eu desejava agora era um pouco de paz. Queria muito estar em casa com meus pais e irmãos, queria de volta aquela vida tranquila embora na época não soubesse que tinha tudo que precisava bem ali. Eu tinha um lar, tinha um pai corajoso e inteligente, uma mãe carinhosa e paciente, irmãos incríveis com personalidades cativantes.

Minha família era tudo que eu tinha e sinto que não dei o devido valor a eles, não o quanto mereciam. Eu podia sim ter dado o melhor de mim nos ensinamentos do meu pai, quando ele tirava o pouco que sobrava de seu tempo para estudar estratégias comigo numa sexta à noite, ou quando dispensava uma reunião importante apenas para ver como estava me saindo nas aulas. A meu ver, ele apenas pensava no trabalho, mas agora vejo que ele visava o meu futuro e tudo que queria era o melhor para mim e meus irmãos. Comigo me tornando a sua sucessora ele queria ter participação no processo de aprendizagem. Eu devia ter agradecido a ele por todas as vezes em que deixou de lado sua vida para tornar a minha melhor.

Minha mãe era a pessoa mais paciente que eu já conheci, era raro ela me dar alguma bronca mesmo tendo merecido, ela sempre via o melhor de mim em tudo. Estava sempre disposta a ouvir meus inúmeros - e nada realmente importante - problemas. Por várias vezes a deixei falando sozinha na mesa de jantar e corria para o meu quarto, tentando fugir da realidade de uma princesa, porque naquela velha consciência adolescente revoltada eu acreditava que a vida era injusta para mim. Meus dias eram repletos de "Audrey faça isso... Audrey se esforce mais... Audrey tente mais uma vez...", eu não fazia ideia de que tantos dias de esforço e dedicação poderiam me tornar quem sou agora.

Todas as vezes em que recusei brincar com os gêmeos porque já me achava velha demais para aquilo. Todas as vezes em que excluía Grace das conversas com Camilla, ou até mesmo quando caçoei da minha irmã por ter uma pequena paixão juvenil por Harry.

Talvez essa tenha sido a coisa da qual mais me arrependi. De não ter ouvido Grace quando ela mais precisava de mim, eu apenas ignorei seus sentimentos por puro egoísmo, Harry era meu amigo e talvez eu também tivesse sentimentos por ele na época. Ele era um chato implicante e mesmo assim tive uma pequena queda por ele (tudo bem, talvez tenha sido um penhasco), eu morria de vergonha porque ele sempre me viu apenas como uma extensão da sua irmãzinha - tinha que me proteger igualmente. Me lembro de nunca ter pedido desculpas por isso, e agora não terei mais como fazê-lo, nunca vou poder reparar meu erro.

Eu era uma idiota que so pensava em si mesma. Mas acho que todos os adolescentes são assim, não é? Ou talvez eu só queira tirar esse peso da consciência.

Eu sou egoísta e é isso, me dói admitir a verdade. O tempo se passou e ainda penso mais em mim mesma que nos outros ao meu redor, que mesmo sem querer acabam sendo atingidos pela minha instabilidade. São atingidos pelos resquícios da minha mesquinhez e continuam ao meu lado.

Quando paro para respirar e rever os conceitos, é neles que penso. Em como tudo mudou tão rápido, da noite para o dia eu já era órfã e não tinha mais uma casa para voltar. Então eu olhava para trás e não havia ninguém ali, não havia mais ninguém a quem eu quisesse voltar. Não tinha nada para querer continuar lutando, minha única motivação foi sempre saber que mão era isso que eles queriam para mim.

Agora eu vejo a verdade, ela me deu um tapa na cara e riu da minha expressão.

A vida me deu um chute na bunda para que eu pudesse abrir os olhos, pode acreditar que eles estão bem abertos agora, mas nenhum ser humano é capaz de enxergar seus próprios erros a não ser que alguém aponte eles na sua cara. E foi isso que aconteceu comigo, acho que eu precisava de outro choque eletrizante para me manter acordada e ver que tenho outras vidas para salvar, que tem pessoas que dependem de mim e do meu desempenho nessa luta.

Então naquela noite, mesmo após a morte de todos que eu amo tive que erguer a cabeça e seguir em frente. Se eu tenho dificuldade em confiar nos outros esse é o motivo, eu não sei mais diferenciar as intenções, sejam elas boas ou ruins.

Pode parecer que fui fria no início. Fugi de casa, entrei num portal magico, descobri um passado repleto de mistérios, fiz aliança com um povo de outro mundo - na qual faço parte agora - descobri poderes. Eu tinha tudo para esquecer meu passado e seguir um novo caminho, criar uma nova vida fora de casa. Mas eu olhava para trás e os via, os olhares perdidos, a imagem tremeluzindo ameaçando se dissipar.

Eles estavam me chamando para voltar para casa.

E eu voltaria, por eles. Por tudo que eles custaram a conquistar. Eu não podia deixar que fossem esquecidos, não foi para isso que me ensinaram todas aquelas coisas. O que sou hoje devo inteira e somente a eles, minha família.

Preciso ser forte e continuar nossa luta, porque não é só minha, mas de todos que já acreditaram nos ideais do meu pai, todos que colocaram sua vida em jogo naquela noite.

Sinto uma leve pressão no meu peito. Meu coração ameaça com pulos estranhos, como se quisesse testar sua durabilidade. Coloco uma das mãos no local e massageio até a dor passar. Respiro fundo e ele se normaliza.

Tenho uma impressão de estar sendo observada.

- Tá tudo bem? - É Harry quem me observa de longe. De braços cruzados e uma expressão pensativa, atípico dele para ser sincera, Harry parece estar amadurecendo nesse tempo apesar de algumas coisas permanecerem iguais. Gosto disso, me faz pensar que mesmo em meio ao caos ainda se pode ter esperança de sermos um pouco como antes, ainda nos resta um pedaço da antiga vida.

Harry percebe que massageio o peito na altura do coração, seu olhar recai sobre esse gesto e sua expressão se fecha instantaneamente - seu instinto de irmão falando alto - vindo em minha direção e se senta ao meu lado. Antes de tudo ele olha ao redor para se certificar de que June não nos veja, já que as ordens foram explicitas - deixem-na em paz - para não causar mais discussões e voltar ao mesmo ponto.

- Addy, estou preocupado com você. - Bom ele não precisava nem dizer, isso já estava estampado na cara de todo mundo. - Quando tentei de ajudar a pouco, eu pude sentir uma parte da sua dor... - A pausa só tornava o momento ainda mais pesado, se ele entrou na minha mente para me acordar pode ver o que eu estava vivendo no pesadelo. Ele sabe demais.

- Harry, eu...

- Para! - Ele me interrompe. - Você precisa parar Addy, precisa cuidar de si mesma antes de pensar em qualquer outra pessoa. - Harry me encara e é como se ele pudesse ler cada pensamento meu, e temo que realmente saiba o que se passa bem agora. - Eu sei que posso ser bem idiota na maior parte do tempo, um babaca na verdade. Mas estou tentando mudar isso, de verdade. Eu vejo o quanto você se esforça para manter todos a salvo e parece que faço tudo para meter a gente em mais confusão, eu sei também que sou estourado e sem noção, acredite eu sei disso porque já foi jogado na minha cara pela sua melhor amiga. Pois é, ela acabou de me dizer umas poucas e boas bem ali. - Ele aponta para um pano estendido onde Camilla conversa calmamente com Phil.

Seu comentário me tira uma risada sincera. Ele sabe como melhorar o clima.

- Você sabe que a gente ama você mesmo com todos seus defeitos, não é? - Brinco com ele dando um leve tapa em seu ombro. O sorriso aparece na mesa hora.

- Eu poderia dizer o mesmo de você. - Harry estica as pernas compridas e admira a vista, uma bela floresta verde com vários estilos de árvores com salgueiro ao longe e pequenas moitas com flores lilás. - Sabe, não precisa ser perfeita o tempo todo, não seja dura consigo mesma. É claro que eu não sei exatamente o que se passa aí dentro dessa cabecinha, mas eu pude sentir uma parte desse furacão que é sua vida. Não está sendo nada fácil, eu sei.

- Você viu tudo? - Quero muito saber até onde ele pode ver. Tenho vergonha desses sentimentos conflitantes com Ethan.

Ele pondera por um momento antes de responder.

- Não muito. - Ele não parece dizer a verdade pois não consegue me olhar nos olhos. Observa June caminhar por entre as sombras das árvores turvas como um arco, adentrando a mata com sua lança em punho. - Acha que teria sido mais fácil se ele nunca tivesse entrado na sua vida? - Agora ele cutucava um pedaço de grama até arrancar pelas raízes.

Não sei o que dizer, apenas espero encontrar as respostas.

- Eu não sei. Talvez. - Respondo por fim.

Ele balança a cabeça. - Ele é um idiota. - Fala.

Um idiota que não sai da minha cabeça mesmo que eu não queira vê-lo.

- Só quero dizer que não precisa ser sempre forte, tá tudo bem se quiser chorar ou fazer alguma coisa para extravasar a raiva. Ninguém é perfeito Addy, pode mostrar fraqueza e ainda ser forte. Fraco é aquele que não tem sentimento nem amor-próprio, porque ele vai se submeter a qualquer coisa para estar por cima. Entende o que quero dizer? - Esse Harry era diferente, uma pessoa muito diferente.

Faço que sim com a cabeça.

- Não guarde seus sentimentos, deixe que eles saiam, perca o controle e seja você mesma. Apenas relaxe. - Ele continua dizendo. - Estamos todos aqui por você, então é natural que esperemos seu comando. Mas sinta-se à vontade para demorar o quanto precisar.

- O que foi que aconteceu naquela ilha? Porque esse Harry que dá bons conselhos é novo para mim. - Digo de modo casual, esperando aquela pontinha do Harry sarcástico.

- Desculpa, mas é segredo. - Ele sorri. - Só mais uma coisa, não perca tempo pensando naquele desgraçado de merda, você merece coisa melhor.

- Você faz um ótimo papel de irmão mais velho. - Digo e vejo seu semblante mudar totalmente.

- Claro, irmão.

- Isso me faz lembrar de quando íamos a feira. Eu adorava aquele aroma das frutas frescas misturada com a terra molhada que pendia das verduras e legumes. Você sempre fazia questão de me acompanhar para afugentar qualquer garoto que tentasse se aproximar, mas eu sabia que o maior motivo era a garota da barraca de uvas. - É quase possível voltar no tempo com essa lembrança, em como riamos dele por parecer patético na frente da garota que gostava.

- Quem? A Lia? - Ele parecia espantando. - Eu não gostava dela, só usava meu charme para conseguir desconto nas frutas. - Aí está, o velho Harry que conheço e amo. - Alem disso, tinha uma pessoa totalmente fora do meu alcance, infelizmente nunca pude dizer a ela por que sua posição não permitia que nada pudesse de fato acontecer.

Com olhos gentis e brilhantes Harry me deixara intrigada. Será que essa pessoa de quem ele fala teria envolvimento com a coroa? Não teria outro motivo para que não pudesse ser aceito, a não ser que a garota em questão não sentisse o mesmo.

Nunca imaginei que Harry tivesse interesse em alguém naquela época, ele estava sempre conosco na maior parte do tempo, afinal faziam parte da nossa família também, eles sempre moraram no palácio.

- Sinto muito por isso, espero que um dia volte a encontrá-la, e com sua nova posição de soldado particular da rainha seja suficiente para sustentar a posição da moça. - Digo tentando aliviar sua dor ao pensar no passado e em tudo que poderia ter acontecido se fosse diferente, eu não tenho ideia de quem seja, mas deve ser especial por ter conquistado a atenção desse garoto um pouco pirado.

- Addy, não é assim tão fácil. Essa garota é ...

Sentimos uma ventania começar por entre as árvores mais altas nesse espaço ao redor do acampamento. Olho para o alto e vejo as folhas se movimentarem freneticamente entortando os galhos para esquerda.

Não há nada no céu, nem uma nuvem sequer para ser alguma tempestade sendo formada, o que leva a crer que é alguma anomalia da natureza. Já não me espanto com mais nada que venha das deusas, a profecia foi bem clara quando disse que a natureza iria lamentar.

Nos reagrupamos no centro, onde jazia uma fogueira ainda com resquícios da lenha usada na noite passada. June segura sua lança com força mesmo sabendo que não pode lutar com o que não vemos...

De repente tenho um dejá-vu. Eu já vi isso antes. Algo que passa voando e derrubando árvores, mas não pode ser visto porque está invisível.

Éos.

Sinto o vento descer e espalhar meus cabelos embaraçados. De longe posso ver uma silhueta flutuando no meio dos abetos e descendo lentamente até que se esconde no meio da mata.

Sem pensar saio em disparada para o local onde os galhos se afundaram no meio da terra e as folhas se espalharam pelo chão.

- Ei garotão! - Acaricio sua cabeça escamosa enquanto as cores tomam vida, posso ver cada parte de seu couro vibrar e mudar a tonalidade até que eu possa enxergá-lo por completo.

Éos se tornou um companheiro fiel. Ele balança a cauda comprida e derruba um salgueiro.

- Na verdade, garota. - Ren pula de cima do grande dragão branco com uma facilidade impressionante.

- Como assim? - Pergunto ainda passando a mão pelas escamas grossas de Éos que aprecia cada gesto abaixando sua cabeçorra e fechando os olhos em aprovação. Eu diria que esse dragão é muito mais adorável que muito cãozinho por aí.

- Acontece que esse grandalhão é na verdade uma fêmea.

- Ficou maluco Wilde? - June o repreende. - Onde já se viu sair por ai com um dragão! - Ela estava realmente furiosa e levando a sério o trabalho de me proteger quanto as pessoas que poderiam ver algo enorme voando alto no céu em plena luz do dia.

- Olá para você também Amakiir. - Ren caçoa.

- Como sabe que é ela? - Volto a questão.

- Bom, numa bela tarde nos deparamos com uma ninhada de ovos. Surpresa! Ela vai ser mamãe. - Ren responde animado. - Sempre quis ver o nascimento de um dragão, eles não são fascinantes?

Sou pega de surpresa com essa informação. Não estava preparada para ouvir boas notícias tão cedo, e é bom saber que logo teremos pequenos dragões voando por aí.

- Quem está gravida? - Harry chega perguntando com certo espanto na voz.

- O Dragão, idiota. - Cami responde.

- Legal, mais dragões! - Philip também se anima, seu fascínio por eles a mostra quando se aproxima de Éos sem medo algum e começa a acariciar suas escamas. - Quem é o pai? - Ele pergunta levantando um murmúrio geral de curiosidade, afinal ela era a única conosco.

- Ajax.

- Como isso é possível? - Cami pergunta boquiaberta.

- Sabe, quando dois dragões se gostam muito, eles...

- Não, seu idiota! - Cami interrompe seu irmão. - Eu quis dizer como? Eles quase se mataram durante a luta com os animais místicos. Me lembro de a Addy dizer como Éos o espantou. - Ela estava certa, era impossível que esses dois pudessem se tornar um... casal.

- Parece que eles fizeram as pazes. - Phil faz cocegas na barriga dela enquanto sorri como uma criança que acabou de ganhar um carrinho novo.

- Ajax é um carinha bem dócil na verdade, aquele dia todos os animais estavam sendo movidos por um tipo de força maligna que os levou a se tornarem letais. Mas senhorita Lancaster, a maioria dos dragões é no mínimo amigável, eles só atacam se forem ameaçados. - Ren explica pacientemente.

- Não é possível que você se arriscou ser visto vindo até aqui somente para dizer isto. - June diz irritada com a chegada repentina do príncipe.

- Rebarbada*. - Ren diz entredentes um tom mais baixo para que ela não ouça. - Quem dera minha cara Amakiir, mas estamos com óleo a bordo*.

- O que...

- Vocês precisam voltar o quanto antes, e qual meio mais rápido senão um dragão? - Ren revira o bolso do seu casaco de pirata e puxa de lá um rolo de pergaminho meio amassado pela viagem, o papel em formato de folha indicava que era mais uma edição da fofoca expressa.

- Por Aine! Eu mato essa Anyat! - June exclama subindo o tom de voz e dessa vez com razão, a editora do jornal já havia entrado pra lista de pessoas na qual devo ter uma boa conversa de rainha para súdito, na verdade seria o primeiro nome.

- Felizmente não será necessário o derramamento de sangue. - Ren desenrola a folha mostrando o título da manchete do dia.

AMOR E PODER

O CASAMENTO DO PRINCIPE ETHAN E DA PRINCESA LIRA SMITH

•••

PRÓXIMO CAPÍTULO EM ANDAMENTO...

O QUE ESTÃO ACHANDO DESSA SEQUÊNCIA?

PS: DEIXA A ESTRELINHA

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