12• FAZEMOS ALGUNS SOLDADOS SE CAGAREM
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"Você tem problemas para confiar, sem contar
Que eles dizem que podem sentir o cheiro de suas intenções
Você nunca vai conhecer o maluco sentado ao seu lado
Você terá umas pessoas estranhas sentadas ao seu lado
Vai pensar "Como fui parar aqui, sentado ao seu lado"
- Heathens, Twenty one pilots.
•••
Durante toda minha vida eu fui completamente invisível para meu pai, desde que compreendo sempre fui inútil aos seus olhos, um pequeno fardo a carregar após as consequências trazidas por um mero acaso acarretado pelo peso em questão, sempre girando em torno da historia de perder seu grande amor, que havia sido a mulher que me deu a luz, minha mãe, minha única razão por ainda estar respirando nesta vida, por poder ter o privilegio de viver e seguir adiante, quando ela já não poderia ficar desse lado.
Não vou mentir para ninguém, mas eu sempre achei que o motivo dela ter partido fora pela maldição, mas em parte para que eu pudesse viver. Eu sempre ouvia essa história saindo da boca do meu pai, mas suas palavras eram automáticas, sem qualquer emoção em proferir tal mal em nossa família, que continuaria passando pelas gerações futuras, tendo começado pelo famigerado Levi, que por sua vez perdera sua amada Ayme, deixando um filho para o Meyer mais antigo, no qual foi amado por todos, o único desse nome a ser um grande homem não somente em palavras, mas por suas atitudes sensatas ao longo do seu curto reinado, apesar de sua bondade vinda da mãe teve dois filhos tão ruins quanto se poderia imaginar, nem um pouco parecidos com si mesmo. O filho mais novo não aceitou que seu irmão fosse o sucessor enquanto ele teria de se contentar com a vida de soldado, assim com toda sua equipe de aliados, usando sua raiva e determinação, matou o pai e o irmão, ficando assim como o único sucessor de sangue puro possível para assumir o trono, mas em consequência sua querida e protegida irmã caçula sofreu de uma doença terrível e incurável, morrendo poucas semanas após sua posse.
Eu parto para a ideia de que esses desastres poderiam ter sido evitados com mudanças nas atitudes, como exemplo uso Leo, pela sua bondade e empatia não sofreu da maldição, sua esposa viveu o suficiente para ver bisnetos e mais mortes desnecessárias causadas por ações precipitadas e atitudes levianas. Eu acredito que poderia erradicar essa maldição de gerações com uma coisa muito simples: ser justo.
Vamos começar pelo princípio, Levi a recebeu por ter descumprido sua palavra e matado homens para obter seu tão desejado poder. Mas antes disso ele teve ajuda, poderia ter tido uma redenção, mas optou por seguir seu plano ridículo apenas pela raiva em ver o rei desejar sua esposa, fora essa raiva que o cegou diante da situação, Levi poderia ter evitado tudo aquilo se tivesse sido justo e honesto. E apesar das consequências, Levi ainda teve mais uma chance por seu filho, as deusas lhe deram uma oportunidade de se redimir, mas ele insistiu na arte da vingança contra a magia quando ele mesmo havia buscado aquilo.
Meu pai nunca teria a honra para se redimir diante de tudo que causou durante sua vida. Entre elas me tornar uma pessoa que sempre tentei não ser, por um breve momento da minha vida ele me fez achar que ser mal era melhor, que ser ruim me traria tudo que eu quisesse. Talvez isso seja verdade, talvez as pessoas más se deem bem na vida, mas elas nunca terão paz e alegria. Eu quero viver sabendo que fiz a coisa certa, que fiz a diferença no mundo, não preciso ter uma estátua com meu nome nem nada do tipo, mas quero fazer parte de algo, algo que eu possa ajudar quem precisa, nem que eu morra tentando, serei o contrário do que me foi ensinado, quero que seja feita a justiça nem que os Meyer sejam erradicados depois de mim.
Eu posso ter começado errado, mas ainda tenho tempo de mudar isso, eu preciso, pela minha mãe e por todos que se foram com a maldição.
Começando por alguns prisioneiros, aos poucos para não chamar atenção, todos estarão livres dessa prisão e com sorte bem longe daqui quando derem falta.
O pouco tempo que passei no palácio foram suficientes para descobrir o que preciso para libertar os prisioneiros, existem câmeras imperceptíveis por toda parte do castelo, mas uma descoberta recente trará um beneficio para nosso plano de fuga. O calabouço fica na parte inferior do castelo, a parte do cômodo será mais fácil leva-los sem qualquer problema, sei que as câmeras estão desativadas para os métodos de tortura, assim ninguém ficaria sabendo o que ele faz com seus prisioneiros, mas as de fora funcionam perfeitamente, então tudo terá que ser feito a noite, com as sombras provocadas pelas arvores da floresta que fica logo ao lado eles podem passar despercebidos, a ronda noturna estará no horário do jantar nos dando no máximo 10 minutos até que a próxima ronda chegue no posto, estou contando com ajuda do soldado novato Ian para mais detalhes do cronograma que eles seguem, além disso tudo preciso dos álibis para não levantar suspeitas para mim e Ian.
...
O almoço ocorreu como todos os dias, meu pai esteve presente somente de corpo, pois a mente vagava a milhares de quilômetros imersas em pensamentos armações, depois de tantos anos tentando entender suas expressões e bipolaridade, agora fica fácil saber o que ele pensa so de olhar para seu rosto, raramente ele me dirigia a palavra a não ser para dar ordens ou me acusar de algo (que eu provavelmente tinha feito porque fui uma criança travessa na maior parte do tempo para chamar atenção).
A carne assada com batatas estava deliciosa e ele mal tocou na comida, queria dizer que ele está preocupado com algo, a postura rígida e olhar vago significavam que ele não sabia como resolver o problema e isso era ruim, muito ruim. Quando meu pai se via preso num dilema acabava por extravasar sua raiva no primeiro que cruzasse seu caminho com mais notícias ruins, tenho até pena do soldado que vier avisar sobre a fuga daqui algumas horas, dou duas alternativas, ou ele jogara o que estiver ao seu alcance ou demitira o pobre coitado.
Passei a maior parte do tempo observando seu comportamento tentando entender o que tudo aquilo significava. Seu plano estava indo mal? Aliados mudando de lado?
Eu diria que a segunda opção, pelo que ando ouvindo entre os soldados, a maioria que havia estado em sua pequena reunião secreta no baile de máscaras, resolveu voltar atras e estão o pressionando quanto aos favores que lhe foram prometidos, meu pai pode ser terrível, mas nunca o vi não cumprir com uma promessa, algo não estava indo bem entre as negociações e eu precisava descobrir o que era.
Como de costume, a tarde se estendeu com uma intensa aula de economia e cálculos, e para ser sincero esse não era meu forte, eu gosto muito mais de estar num bom combate treinando minhas habilidades e novos movimentos com as táticas do recém nomeado general (parece que o último fugiu, juro que não entendo o motivo!), apesar da parte teórica ter sua importância, como por exemplo as táticas mais comuns na área política, saber tomar a decisão certa era a principal função de um futuro rei, mesmo que que não queira exercer poder algum ainda seria útil saber disso tudo, eu poderia aprender com facilidade, mas não tinha muita vocação para ser um líder político.
Eu posso não ser um gênio dos números, mas se me perguntar qualquer coisa que tenha a ver com história, tenha certeza de que saberei responder sem dificuldade, além de saber como sobreviver numa floresta sem nenhum suprimento.
Após as aulas passei pelo corredor oeste, onde Ian costuma patrulhar e não o vi em lugar algum, presumi que ele deveria estar à procura do que lhe pedi mais cedo, que parece ter acontecido a muito tempo já que o clima esta tão diferente desde aquele momento, de um dia frio e chuvoso para um céu limpo sem nuvens e com um sol quente iluminando tudo com seu esplendor, em momentos como esse não consigo deixar de pensar nela, sempre que olho para o céu é como se pudesse saber o que ela está sentindo, seus poderes refletem as emoções no clima, então quer dizer que ela está feliz, é tudo que preciso saber a seu respeito por enquanto, que esteja bem apesar de tudo que lhe causei.
Havia poucos guardas no corredor oeste, juntamente com o salão principal que por algum motivo desconhecido encontrava de vazio, diferente do habitual. Eu tinha um certo pressentimento de que algo estava errado, mas deixei para lá pois tenho uma fuga para planejar.
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Ao entardecer, a luz fraca do sol banhava as copas das árvores, o vento balançava as folhas derrubando as últimas gotas de chuva da manhã, o céu coberto por nuvens rosas e laranjas, uma bela paisagem como uma pintura de um artista renomado, era como se as fadas tivessem pintado as bolas brancas com suas próprias tintas (feitas a partir da flores é claro), minha visão da natureza pode ter mudado um pouco depois de conhecer Penumbra e ver magia de perto, quer dizer, eu sempre soube de sua existência mas nunca tinha visto de perto, confesso ter ficado surpreso quando vi pela primeira vez.
O soldado estava atrasado, eu já podia pensar em muitas possibilidades de ter dado errado, já que eu estou fadado a chamar azar em quase tudo que faço, é como se a maldição me perseguisse por aí.
Algumas nuvens cinzentas começam a se juntar perto da costa, o mar parece estar revolto com o vento trazendo o que promete ser mais uma tempestade tropical, uma das várias que ainda estão por vir nesta época do ano. Ainda sim, a única coisa que vem em minha mente quando vejo as nuvens repletas de raios seguidos de relâmpagos, é que Addy está com raiva, e eu espero imensamente que não esteja relacionado com seus poderes.
- Uau, você nem imagina o quanto aquele lugar estava lotado hoje! - O soldado vem do caminho trilhado entre as árvores da floresta, claramente usando um atalho. - Nunca vi a taverna do seu Zé tão frequentada, acho que o motivo foi a nova remessa de vinhos que acabou de chegar do Sul. - Notei que o soldado trazia não só o que foi pedido, mas como também tinha duas garrafas dos tais vinhos novos.
- Acho que o motivo do atraso seja pelo desvio de caminho, não é sensato se embebedar nesse momento. - Ian me entrega os comprimidos dentro de um saco de papel.
- Bom, precisamos misturar os laxantes em alguma coisa, e nada melhor que um bom vinho depois de uma refeição.
- Eu estava pensando em misturar na água, mas isso é bem melhor devo admitir, fará um estrago maior.
- Essa é a intenção. Vai ser bom pra digestão.
- Não temos tempo a perder, deixarei o vinho exposto logo após o jantar. Eis o nosso plano: o Grupo de soldados que trabalham das 14h às 18h saíram para sua folga, eles iram jantar conosco no salão principal como todos os dias, você não estará lá porque foi levar o jantar do Dr. Julian, e certifique-se de ser visto pelos guardas do corredor. Dentro do quarto do Dr. Julian verá uma janela grande com vista para o jardim, você vai descer um lance e andar até a próxima janela que estará aberta, de lá siga para o corredor oeste e procure um quadro com duas garotinhas, abaixo dele verá um símbolo de pássaro, é uma passagem que te leva para o outro lado do palácio sem ser visto, assim você chega no calabouço pouco depois do jantar ser servido , o que significa que levaram comida para os prisioneiros, se esconda e espere os soldados saírem da ronda, solte eles e explique como sair sem serem pegos pela câmera, eles devem ir até Silent Montais e dizer aos outros Tetundhanos que eles precisam procurar outro local para se esconder. Está entendendo? - Pergunto ao soldado que sequer piscava para não perder os detalhes.
- Sim senhor! Mas e quanto aos álibis?
- Meu pai me verá no jantar por tempo suficiente, logo depois dou um jeito de colocar os laxantes na bebida e me certificar de que todos bebam, assim não terá ninguém para patrulhar o corredor e as celas, tempo suficiente para que todos saiam e você volte para o quarto do Dr. Julian, onde me encontrará tendo uma conversa com ele, os soldados não saberiam que você saiu do quarto então dirão que ficamos lá o tempo todo que a fuga acontece, podem culpar outro soldado que estiver no lugar errado na hora errada. Como as celas não são vigiadas por câmeras para o bel prazer do meu pai, a investigação não irá muito longe, creio que com tantos outros problemas a serem resolvidos ele deixará a fuga de lado.
- Isso pode dar certo. - Ian parecia confiante.
- Por acaso você tem medo de altura? - O quarto do Dr. Julian Foster ficava no quarto andar do palácio, se Ian tiver algum problema com altura nosso plano vai por água abaixo.
- Eu ainda não aprendi a voar, mas dizem que os gatos tem 7 vidas então estou de boa. - Se o cara tem coragem pra brincar numa hora dessas então ele está pronto para escalar mais de 10 metros de altura, espero que a tempestade não seja forte demais, se as coisas ficarem escorregadias a queda é fatal.
Os últimos resquícios do sol se foram completamente, em poucos minutos a noite caiu sobre nós com um mar de tempestade se formando ao sul, vindo diretamente até Tetundhra, em Aquiles o tempo não costuma ser tão temperamental desse modo, as coisas são como são, de modo que tenho para mim que isso tudo se deve ao fato de uma princesa estar furiosa...ou perdendo seu controle.
- Vamos fazer aqueles cuzões se cagarem! - Ian levanta o punho como se conduzisse um exército. Entre tantos soldados fui logo arranjar um cara maluco, ele me lembra do velho eu, a criança que fui por pouco tempo antes de tudo dar tremendamente errado.
- Como nos velhos tempos, que a caganeira comece! - Levanto o punho e parecemos dois idiotas. Logo em seguida a chuva começa.
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O jantar correu conforme planejado, logo após colocar os comprimidos na bebida, os soldados não hesitaram em virar a taça sem nem olhar dentro. Como os homens estavam relaxados a luz da velas sobre a mesa, após um curto período de tempo os resultados já começaram a dar indícios, os estômagos roncaram e o laxante fazia efeito.
Meu pai estava muito concentrado em sua papelada espalhada sobre a mesa ocupando a maior parte da superfície a sua volta, eu queria muito que ele tivesse dado um gole no doce vinho, seria um bônus, mas nada o tirava do seu transe, nem mesmo o som alto do estomago de um soldado ao seu lado, muito menos quando houve uma flatulência no ar e o primeiro saiu correndo pela porta.
Não demorou para que os demais também sentissem os efeitos chegando. Um deles, o mais novo, pediu permissão antes de sair correndo para o banheiro mais próximo.
Um após o outro, não sobrara ninguém a mesa de jantar, para minha sorte, o que quer que seja que meu pai está lendo, parece lhe ocupar toda a atenção, então ele nem percebe o ocorrido, continuando seu trabalho.
Aproveito a deixa para subir até o quarto do Dr. Julian, a essa hora Ian já deve estar pendurado na janela.
A passos rápidos, sigo pelo corredor do salão principal fazendo o máximo de barulho possível para que notem minha presença, e em poucos minutos estou batendo na porta do quarto.
O Dr. Julian Foster era o prisioneiro mais bem cuidado, ele tinha tudo que precisava, desde suprimentos até seus materiais para trabalho, porque era para isso que ele estava ali, usar todo seu conhecimento em física para projetar armas eficientes para os guardas. Não seria nada comum, do tipo que estamos acostumados, como uma arma de fogo ou uma espada bonita, não, meu pai queria construir uma arma mortal, capaz de destruir qualquer coisa que se movesse num raio de 3 quilômetros com eficiência de um exército.
Eu não estava sabendo de todos os detalhes, apenas algumas coisas que eles deixavam passar despercebido entre as conversas nas refeições, por enquanto eu não estava apto a participar das reuniões formais deles, por esse motivo não obtive muito conhecimento sobre tal arma. Visitar o Dr. Julian já estava nos meus planos, e está é a ocasião perfeita, eu poderia fazer perguntas que talvez possam ser úteis a Addy, resta saber se o Dr. Julian irá respondê-las.
Vou reunir o máximo de informações que conseguir e lhe contar tudo que puder ajudar, principalmente se salvar sua vida das mãos do meu pai.
Entro no cômodo espaçoso onde o Dr. Julian está hospedado. O ambiente estava muito arrumado, todas as prateleiras com os livros, objetos usados em seus experimentos pousados sobre uma mesa comprida dispostos como se ele estivesse trabalhando o dia todo. Um líquido verde escorria da mesa e pingava no chão, formando uma poça florescente.
O Dr. Julian encontrava-se encurvado sobre uma maquete do reino. O homem mal notou minha presença concentrado em seu trabalho, os braços imóveis enquanto manejava uma pequena manivela dando início a uma miniatura de explosão em fogos de artifício coloridos, espalhafatosos e brilhantes como nunca havia visto. Os fogos sobrevoavam o palácio na maquete, Dr. Julian parecia satisfeito com seu trabalho esbanjando um sorriso triunfante, quando ele finalmente nota minha presença, o sorriso diminui e sua boca fica tão reta quanto possível, acho que estraguei seu momento.
- O que faz aqui garoto? - O tom dele era muito seco, como se fosse obrigado a manter sua postura diante de um possível inimigo.
Como de costume, ajeito a postura.
- Como posso provar minha lealdade ao senhor e a princesa? - Era uma pergunta perigosa, eu havia pensado muito sobre como abordá-lo nessa situação, eu não sabia muito sobre ele e seu relacionamento com a família Miller, mas presumi que se ele está conosco como prisioneiro, talvez venha a ser um aliado da verdadeira herança do reino.
- Não seja tolo rapaz, tenho trabalho a fazer e não posso desperdiçar meu tempo com suas gracinhas. Então faça-me o favor de se retirar dos meus aposentos e levar seu amigo junto. - O homem parecia decidido em sua escolha de palavras, aposento era um apelido para cela, um quarto altamente vigiado e com guardas 24 horas por dia em sua porta.
- Ian acabou de passar por aquela janela não foi? - Ele assente e permanece em silêncio a espera de uma explicação. - Ele está a caminho do calabouço, onde sua irmã juntamente com mais alguns prisioneiros, que por infortúnio seriam condenados sem nem mesmo um julgamento honesto. Ian irá libertá-los essa noite, eles partirão para Silent Montains, se juntaram aos demais Tetundhanos levando-os a um local seguro.
- Por que está me contando isso rapaz? - Com a expressão séria ele parecia estar tentando entender onde eu queria chegar, de braços cruzados o Dr. Julian não se deixaria levar por qualquer motivo supérfluo.
- Eu não quero governar este reino em nome de meu pai. Sou contra todos seus ideais, e acima de tudo estou cansado de ser um fantoche usado para fins burocráticos. Quero dizer que estou a disposição, farei qualquer coisa para que a verdadeira Rainha tome seu lugar de volta, e não medirei esforços para isso. - A raiva por perceber que tudo que já fiz nessa vida nunca ter sido por mim mesmo se sobrepõe aos demais sentimentos, eu tinha reprimido na maior parte do tempo, até que ser outra pessoa me deu a liberdade de expor. Eu tinha um dever para comigo mesmo, e isso era fazer a justiça.
- Muito bem meu jovem, como posso acreditar que está dizendo a verdade e não seria somente mais uma encenação? - Ele tinha um olhar inquisidor, repleto de mágoas e angustias, ele tinha que se manter forte para permanecer são diante de tudo que está vendo e ouvindo dentro desse palácio. - A propósito, seu último truque foi fantástico, uma atuação digna de um Oscar, meus parabéns por ter mentido e apunhalado a jovem mais gentil que já conheci. - Tudo bem, eu merecia, mas acho que quando ele bateu palmas e sorriu falsamente, algo dentro de mim gritou.
- Acredite, não há ninguém mais arrependido que eu mesmo por ter feito aquilo. Todos os dias eu penso que poderia ter feito diferente, que poderia ter contado a verdade e relevado o plano, eu queria mesmo ter feito mais. A todo momento que ela me olhava com aquele olhar doce e gentil, aqueles olhos brilhavam, era o mais puro sentimento de confiança e respeito, eu não consegui dizer nada. - Devido ao acúmulo de palavras não ditas, de pessoas que não pude salvar, de não ter a quem explicar, meu copo todo fervilhava num tipo de disfunção contagiante que não me deixava parar quieto. - Mas existe uma parte que ninguém sabe, eu estava a protegendo de algo muito acima de mim, se eu contasse a verdade estaria entregando meu disfarce e por consequência meu pai faria o que eu mais temia, ele a mataria somente para me atingir e mostrar que ele sempre estará no comando.
Sua expressão de confusão era nítida, Dr. Julian não sabia mais o que dizer, abriu a boca e fechou várias vezes antes de levantar o dedo indicador pedindo um minuto.
- Está me dizendo que esse tempo todo estava tentando protegê-la? - Ele parecia incrédulo com sua indagação.
- Sempre. - O homem estava pensando, imaginando mil coisas a meu respeito suponho, mas ainda longe de confiar em minhas palavras. - No início eu fazia o que me foi passado, mas com o tempo me afeiçoei a ela e seus amigos, sua história e sua determinação foi tão contagiante, não onde deixar de me apaixonar, desde então parei de mandar informações, ninguém sabia do nosso paradeiro até eu receber uma mensagem. Se eu descumprisse a promessa e revelasse a verdade, ele a mataria. Eu tinha outra opção senão continuar com o disfarce.
- Espera um momento, você disse que parou de enviar informações, isso não faz o menor sentido. - Se as engrenagens da mente de um ser humano pudessem ser vistas, eu juraria que as dele estavam em pleno funcionamento. - Elas nunca deixaram de chegar, rapaz está certo do que me diz? - Ele diz num tom acusatório.
- Meu juramento pode não estar valendo muita coisa, mas tem minha palavra. Eu nunca mais enviei nenhuma informação confidencial. - Levantei as mais em forma de rendição.
- Então como explica isso. - O homem se virou indo em direção a uma prateleira repleta de pastas e livros velhos, em um canto ele puxa uma espécie de caixa de papelão, joga em cima da mesa um punhado de cartas, todas datadas no início da minha missão, algumas eu reconheci serem minhas, mas a partir de uma data havia mudanças sutis, quase imperceptíveis, mas sem dúvida, não eram minhas.
- Você acha que...
- Eu não teria outra explicação
Um baque vindo de fora nos interrompe, o som veio da janela aberta, a chuva respingando dentro do quarto deixava o chão escorregadio, com cuidado me aproximei do peitoril em busca da origem do barulho, um pouco abaixo de mim pude ver o topo de uma cabeleira escura toda encharcada pela chuva torrencial. O soldado lutava para se manter ereto com uma das mãos segurando o peso do seu corpo e a outra tentando alcançar a treliça.
- Vai me ajudar ou só ficar olhando? - O soldado fala nitidamente sem forças para subir sozinho.
Estendo a mão e seguro seu braço puxando-o para cima. O cara teve sorte de conseguir subir até ali sem escorregar, a chuva açoitava o aketon, como a água entra pelas frestas deixa a roupa mais pesada, dificultando ainda mais a subida, eu teria pelo menos pensado em tirar algumas camadas antes de descer quase 15 metros de parede no meio da chuva, mas pelo visto ele não pensou na possibilidade de não ser forte o suficiente.
- Tudo certo chefe. Estão a caminho de Silent Montains. - Ian tentava parecer descansando respirando normalmente como se fosse moleza ter subido 3 lances de escada como uma lagartixa na parede.
- Bom trabalho cara, mas dá próxima vez toma mais cuidado na hora de escalar uma treliça, certifique-se de que ela não esteja quebrada. - Com uma das mãos segurando a madeira podre, quebro um pedaço facilmente como se fosse um plástico barato, Ian engole em seco como se visse a vida passar diante dos olhos.
- Anotado chefe. - Ele olha para o chão molhado em volta de si. - Me desculpe senhor Julian, fiz uma lambança aqui no seu aposento.
- Nada comparado a do banheiro. - Comento e Ian cai na risada. Nossa, convivi tanto tempo com o Harry que estou fazendo piadas como ele, só me falta a modéstia simplória dele com sua tremenda beleza e agilidade.
Uau, nunca pensei que fosse pensar em sentar falta de ouvir piadas sem graça ou esporro de Camilla, beleza, já pensei demais, hora de voltar a realidade onde nenhum deles quer me ver. É precioso pensar que na única vez em que faço amigos, foi usando outra identidade, e olha que o cara era conhecido por ser o melhor soldado da equipe de aprendizes. Ou eu sou muito reservado, ou um amigo muito ruim, aposto na segunda opção já que acabei de conhecer o cara e já pedi para se pendurar de uma janela com mais de 10 metros (apesar de ter sido por uma causa nobre, eu mesmo poderia ter feito o trabalho pesado), chego à conclusão de que sou o pior amigo que se poderia querer.
- Pelo que estou vendo, essa visita serviu como um álibi para os dois. Creio que já podem me deixar em paz agora, se não for pedir demais. - O Dr. Julian ainda não acreditava em mim, preciso mudar isso.
- O senhor sabe o que meu pai pretende fazer quando capturar a princesa? - Ao ver seu cenho franzido, presumo que não saiba de metade do que acontece por aqui. - Matá-la seria um ato de misericórdia, mas ele deseja surrupiar seu poder, extrair sua magia para usar em si.
- Ele não poderia... não sem as asas. - Ele estava estupefato.
- Temos que impedir que ela consiga mais poder. Eu sei que pode parecer loucura, mas eu sinto que ela está perdendo o controle, se continuar progredindo nessa velocidade pode ser que ela perca totalmente sua humanidade, que se torne uma fada completa... que receba as asas.
- Mas por que ter asas seria tão ruim? - Ian pergunta sem saber sobre nada.
- É onde seu poder mais forte se concentra. A asa de uma fada pode ser a coisa mais poderosa do mundo mágico. - Dr. Julian responde com uma expressão vidrada, seus neurônios de volta ao trabalho, os motores ligando e as engrenagens girando enquanto pensa num plano genial.
- Segundo a lenda, se consumir as asas de uma fada terá os poderes dela. Mas a pessoa que o fizer apenas conseguirá o poder maligno, sua alma se envenenara para sempre carregando consigo a maldição da magia errada. Mas isso nunca aconteceu, então não sabemos como será se um humano roubar a magia de uma fada.
- De uma coisa sabemos, será a destruição do mundo que conhecemos. - Dr. Julian começava a ligar os pontos. Precisamos um do outro e teremos que confiar um no outro.
- Que merda cara. Acho que estamos ferrados. - Ian fala.
- É uma merda mesmo. Uma das grandes. Uma merda que está prestes a explodir para todo lado como uma bomba relógio. Tic-tac.
•••
PROXIMO CAPÍTULO EM ANDAMENTO...
O QUE ESTÃO ACHANDO DESSA SEQUÊNCIA?
PS: DEIXA A ESTRELINHA
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