09• LEVANTEM SEUS ESFREGÕES

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Sou a majestade, sou a hera
Não sou nada, não sou ninguém
Estou esperando pela sua doçura
Estou esperando pelo seu amor

E o tiro atravessa minha cabeça e minhas costas

Não posso impedi-lo

                                                                       -Gunshot, lykke.

•••

 Apoiei os pés no peitoril da janela, desviando dos pedaços de vidro que ali insistiram em ficar.

- Pode deixar, eu a ajudo. – Harry veio segurar minhas mãos dormentes, quase não pude sentir seu toque, elas ainda tremiam.

Coloquei os pés no chão, o carpete cinza manchado de sangue, sangue por todo lado e soldados inconscientes estirados bem ali. Significa que estamos a salvos, que podemos relaxar e respirar.

- Você se machucou? O que foi aquilo, você podia ter caído de lá! – Cami me aperta num abraço, sinto as coisas se acalmarem dentro de mim, como se ela fosse uma ancora me trazendo de volta a realidade. – Você é mesmo maluca. – De repente volto a sentir o espaço a minha volta. A aperto como se fosse perdê-la a qualquer momento, mas ainda desejando que o toque fosse mais apertado, maior, mais quente e menos inconsistente na minha imaginação.

Eu estava perdendo o controle e tinha consciência disso.

Experimentar todo esse poder de uma só vez fora fatal. Eu me sentia imbatível, mas acontece que não é assim. Ninguém é invencível. Todos têm um calcanhar de Aquiles. Eu só não sei onde está o meu.

- Eu estou bem. – Digo as palavras na tentativa de convencer a mim mesma disso. – Mas precisamos limpar essa bagunça antes do trem chegar à estação.

June limpa sua lança na barra do Kirtle sem remorso pelo sangue derramado por ele, ela me encara como se visse meus pensamentos, um olhar de compreensão, aquiesce e forma posição. Pela primeira vez fiquei contente em tê-la ali conosco.

- Então é melhor começarmos logo, porque isso aqui tá uma zona. – Harry quebra o silencio e começa retirando os corpos com tamanha facilidade que não pude deixar de notar, onde fui enfiar meus amigos?

Cami se volta para a sujeira no chão e como não temos muitas alternativas pede para que Harry limpe com um de seus feitiços, o garoto se livra do último corpo e com um simples gesto os objetos apareceram como num passe de mágica (porque era mesmo), duas vassouras e dois esfregões, um balde de água e vários produtos de limpeza.

- Quando pedi sua ajuda achei que limparia com magica, e não que trouxesse coisas para que nós limpássemos. – Camilla junta os pés e pega um esfregão com cara emburrada.

- Foi mal, ainda não cheguei no nível empregada doméstica. – Seu comentário faz sua irmã bufar em resposta, mas ainda sim começar a limpar a sujeira.

- Garoto, eu não vou limpar isso. – June constata de braços cruzados.

- Como não, você foi a que mais sujou, dilacerou o cara. Olha só essa mancha na lateral, tenho quase certeza que é do estomago do pobre coitado. – Harry tira onda com a elfo que já está a um passo de agarrá-lo pelo pescoço.

- Me dá logo essa merda de esfregão. – June puxa de sua mão com impaciência.

Eles mal sabem o que se passa na minha cabeça, mas só o fato de estarem aqui se esforçando para me ajudar é tudo de que preciso. E momentos descontraídos como esse me fazem esboçar um sorriso, e ver pelo que vale a pena lutar.

Eu amo o fato de eles estarem comigo pelo que der e vier, são tudo para mim, ainda que sobre um espaço vazio que nunca poderá ser preenchido por outra pessoa.

- Você tem que passar ele de um lado para o outro, assim. – Harry demonstra como manusear e June parece prestes a esganar ele.

- Eu sei como usar um esfregão idiota.

- Também não precisa humilhar o esfregão.

June corre para cima de Harry e Phil a segura pelos braços, a elfo lutando para se safar e voar no pescoço do garoto que ri até não poder mais.

- Eu não acredito nessa situação. – Camilla diz entre as gargalhadas. – Nos metemos em cada uma, nunca pensei que faria uma faxina num trem em movimento depois de um massacre sanguinário que nós mesmo fizemos. – Ela continua seu trabalho tirando o sangue do chão e encharcando o balde de um vermelho claro.

Vendo pelo ângulo inocente deles eu não me contive, o riso era algo bem-vindo e muito apropriado para a cena de June e Harry em sua eterna implicância, como gato e rato. Phil me olha com um sorriso brincando em seus lábios, num momento de distração June consegue se soltar e se joga em cima de Harry.

- Socorro! – Ele grita em desespero.

- Eu te mato Lancaster. – June tinha um olhar fervoroso de satisfação ao apertar a garganta de Harry, não vou mentir, ele mereceu um pouco da fúria dela.

Quando vejo que está ficando muito sério vou tirar ela de cima dele, com dificuldade pois June é bem mais alta que eu, então o peso é desproporcional, com ajuda de Philip e Cami conseguimos tirar June de cima dele, mas precisamos deixá-la amarrada a poltrona para que não o atacasse novamente.

- Ela só fez isso para fugir da faxina. – Harry fala passando a mão pelo pescoço que começava a ficar vermelho com a pressão.

- E eu acho melhor você parar de provocá-la se não quiser ser transpassado por uma lança. – Aviso o garoto que apenas dá um sorriso travesso.

June estava amarrada, mas não tinha um cara nada boa, mas se eu não a conhecesse bem, até diria que está se divertindo com essa situação toda, ainda mais para alguém que nunca havia saído de Penumbra, deve ser uma aventura e tanto.

- Me desculpem por isso, eu não deveria ter vindo. – Philip balbucia entre uma esfregada e outra.

- Eu sabia que você viria, vi seus rastros nos seguindo a dias. Você não foi exatamente sutil. – Respondo.

O farfalhar dos esfregões e vassouras fez um fundo sonoro na pausa de nossa conversa. Eu não estava brava com ele, mas certamente foi um causador dessa confusão toda, e não era culpa sua que eu tivesse perdido o controle, mas é certo que ele foi um tanto imprudente aparecendo assim do nada com sua aparência normal, com seu rosto estampado em panfletos de desaparecido. A proposito agora sei de quem falavam no radio, e faz todo sentido, teríamos matado a charada se a notícia estivesse completa.

- Em algum momento eles nos encontrariam, era só uma questão de tempo, você apenas adiantou o trabalho. – Cami diz. Ela torce o esfregão e suas mãos ficam tingidas de um tom mais desbotado de vermelho. O trem estava quase limpo.

- Era inevitável, mas não precisava ser dentro de um trem. Eu poderia ter usado a natureza, mas olha ao redor. Eu oficialmente odeio as construções humanas. – June diz de sua poltrona distante da conversa.

Usei toda a frustração dentro de mim para esfregar esse chão, acabei deixando-o mais limpo que antes.

Quando enfim tudo estava limpo, voltamos as mesas para o lugar, ajeitamos as cortinas e os estômagos roncaram de fome, as horas se passaram tão depressa que quando terminamos já estávamos quase chegando em Milimor.

Sem ter como consertar a janela com os vidros estilhaçados em algum lugar entre Davhar e Milimor a muito atras, eu sentia a brisa fresca soprada pelo vento, ficava encarando a vista até meus olhos secarem e precisar piscar, mas eu não via o lugar em si, somente estava perdida em pensamentos na qual não deveria estar. O medo exposto nos olhos de Philip, como ele me achou instável a aquela altura e não foi capaz de me tirar do transe, como ele faria.

Deixo esses pensamentos voarem para longe, assim como o ar poluente de Davhar, e dar lugar ao ar puro deste novo reino, um local limpo de qualquer vestígio de fumaça ou qualquer tipo de poluição que havia lá. Agora as casas decadentes foram substituídas por grandes e magnificas construções, cada uma sobreposta por uma cobertura delineada com ornamentos rústicos, mas bonitos, como uma antiga versão de uma aldeia nada simplórica. Daqui eu conseguia ver os montes verdes com seus topos brancos como a neve, bem ao longe onde se encontrava Silent Montais. Eram reinos com riquezas em abundância, o que os diferia de Tetundhra era apenas a dimensão das terras, sendo esses menores em consideração ao último.

- Harry, você consegue mudar alguns traços do Philip? – Viro em direção ao meu amigo que estava quase dormindo com a cabeça recostada nos ombros de Cami.

Ele resmunga alguma coisa, se empertiga entre um bocejo e logo depois volta sua atenção ao soldado que mirava a paisagem, do outro lado do vagão, vidrado com a vista.

- Seria por pouco tempo, até chegarmos nos domínios do palácio, onde o conselheiro já estará a nossa espera.

- É claro, afinal, o que não consigo fazer? – Harry da uma piscadela esperta e se levanta indo até Phil, que até então estava absorto na paisagem.

- Vou te dizer o que não consegue fazer... - Cami balbucia um tanto baixo que apenas eu ouço.

Soltamos risadinhas contidas.

- O que podemos fazer com você? – Harry o analisa de cima a baixo pensativo.

- Isso é mesmo necessário? – Philip questiona.

- Se não quiser outro alarde. – June comenta a alguns bancos atrás.

- Bom, eu não posso fazer muita coisa, e você ser loiro como elas já ajuda. Veremos... que tal entortar um pouco esse nariz, e talvez a cor dos olhos. Definitivamente te deixarei mais baixo. – Harry gesticula em volta dele e algo começa a mudar, consigo ver o osso de seu nariz se movimentar num ângulo que deveria ser doloroso, mas ele não esboça expressão alguma.

Os olhos azuis de Philip ficaram verdes, fora essas sutis mudanças que fizeram a diferença, o nariz torto mudava a simetria de seu rosto que outrora era harmonioso, com seus traços marcantes como o sorriso tímido.

Ele se olha pelo reflexo do vidro na janela, analisando o resultado que deixara Harry satisfeito com seu trabalho. Eu diria que ele se saiu bem sem ajuda de Isra, que sem dúvida alguma tinha poderem bem mais aguçados pelo tempo de prática.

- Isso foi surpreendente, mas precisava me deixar tão feio? – Philip questiona passando os dedos pelo nariz torto.

- Eu digo por experiência própria, porque sou muito charmoso. – Harry diz sério, mas não contenho um riso que me escapa por sua vaidade e nem um pouco de modéstia. - Que ser bonito chama muito a atenção das pessoas, no entanto a falta dela nos torna invisíveis, meu caro. – Ele finaliza com sua piscadela.

Eu fico imaginando se ele ainda será assim quando envelhecer, ao que tudo indica o senhor na minha frente parece exibido demais para meu gosto, e pelo bem do nosso disfarce.

O sacolejar do trem diminui constantemente até que para. A estação está lotada, o que torna as coisas mais fáceis para nós, o tumulto tirará a atenção dos soldados caso algum deles trabalhe para o outro lado.

- Sinto falta de James conosco, é nesse momento que ele diria nosso próximo passo. – O simples fato de sua lembrança faz o grupo todo se calar, trocamos olhares e sei que eles esperam que isso venha de mim agora, eu quem devo liderar.

- O conselheiro Arthur deve estar a nossa espera, seguiremos até o palácio pelo caminho com menos movimento, provavelmente beirando a floresta sombria e passando pelo lago vermelho. Tudo que devemos fazer é seguir o plano à risca, e o resultado... bom teremos que torcer para dar tudo certo. Por hora, sejam discretos.

Pego minha mochila. Adentramos o primeiro vagão junto aos outros passageiros, que de nada desconfiavam dos últimos acontecimentos na cabine ao lado, graças ao isolamento acústico que Harry lançara momentos antes da coisa toda acontecer.

Descemos para o clima acalorado de Milimor, buscando pelo rosto desconhecido de Arthur no meio da multidão, até avistar com sujeito de altura considerável, em tanto magro, mas forte o suficiente, cabelos ruivos, vestes tradicionais e um sorriso convidativo, o jovem rapaz aparentava ser novo demais para tal cargo de tamanha importância e responsabilidade, ele segurava uma plaquinha com os dizeres ordem 404.

•••

PROXIMO CAPÍTULO EM ANDAMENTO...

O QUE ESTÃO ACHANDO DESSA SEQUÊNCIA?

DEIXA A ESTRELINHA

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