Seu Fantasma
Delilah
Ouvi o médico falar com a mente completamente enevoada como se eu estivesse dopada. Amnésia retrógrada, explicou ele, do tipo psicogênica. Ele não sabia ao certo dizer como ela poderia ser psicogênica já que Ian não tinha sofrido nenhum trauma de ordem psicológica a não ser o reencontro com a irmã, algo que em minha mente era positivo e não traumático.
Ian recebeu alta no dia seguinte e o médico nos mandou para casa com um vidro de analgésicos caso ele sentisse dor de cabeça, demandando que nós voltássemos apenas se ele tivesse náuseas ou uma enxaqueca que o remédio não fizesse passar, além de uma recomendação para lhe mostrar coisas familiares que pudessem trazer à tona as memórias suprimidas. Foi assim que voltamos para a nossa casa, antes um lugar feliz onde eu fui capaz de me livrar de tanta dor, agora tinha se tornado um local silencioso como um protótipo de mausoléu.
Pois Ian tinha esquecido muito mais do que somente nossa relação. Os últimos dois anos de sua vida tinham sido resetados. Ele acreditava que ainda estava na tour do Fill The Void e tinha vinte e dois anos. Aquela situação já era um desastre e me machucava muito, mas os olhares de pena dos nossos amigos conseguiam me fazer sentir ainda pior.
Ian claramente havia voltado a acreditar que eu era uma groupie atrás do seu dinheiro e fama e eu me afundei nos livros da escola e em meus tecidos, tentando fingir que aquele filme de drama não era minha vida, mas a verdade era que eu estava caminhando como um fantasma dentro de minha própria casa.
Ele havia sentado comigo na sala de estar, frio e impessoal, e simplesmente me informado que nosso relacionamento não podia continuar porque ele não sabia quem eu era. Imaginei que também era assim que ele terminava seus relacionamentos contratuais e a mera ideia de que um dia eu podia descobrir que ele estava em um novo relacionamento através da mídia me deu arrepios.
No final do segundo dia eu já estava prestes a enlouquecer com sua presença que não era exatamente a qual eu tinha me acostumado e foi assim que tomei a única decisão que podia em uma situação impossível como aquela.
Isabelle, minha ex-cunhada, era uma garota adorável e foi com ela que me abrir antes de fazer minha decisão conhecida para o resto do mundo:
― Eu vou sair daqui ― confidenciei para ela cercada de uma pilha de lenços de papel repletos de minhas lágrimas. ― Não quero que você pense que estou abandonando seu irmão nesse momento de dificuldade, mas sinto como se meu coração estivesse sendo arrancado do peito em cada respiração e não sei por quanto mais tempo eu posso suportar.
Ela tocou meu ombro, suas sardas se evidenciando quando ela juntou os lábios em uma linha fina:
― Eu nunca poderia pensar mal de você, Delilah. Essa é uma situação incomparável e sei que meu irmão, aquele que está perdido dentro dele e que te ama, não ia querer de ver sofrendo dessa forma. Se sair daqui é o que você precisa, não olhe para trás.
A puxei para um abraço apertado, enterrando minha cabeça em seu ombro bronzeado:
― Obrigada por ter sido minha irmã, mesmo que por um curto período de tempo ― funguei em seu ouvido.
― Obrigada por ter feito meu irmão tão feliz, você merece tudo de maravilhoso e fico feliz de poder chamá-la de irmã também.
As palavras dela foram o primeiro ponto de paz que eu fui capaz de encontrar desde o acidente e me deram a força que eu precisava para tomar a melhor decisão para mim.
Ian
A primeira indicação de que algo estava de fato diferente, foi Foxxy me cumprimentando quando voltei para casa. Ela tinha o dobro do tamanho que eu me lembrava e quase me derrubou ao tentar me abraçar fazendo com que George a tirasse de cima de mim, mas não importa o quão dolorido eu estivesse, jamais negaria um abraço de Isabelle ou Foxxy.
O meu amigo em questão parecia ter feito um voto de tentar me ajudar a lembrar de tudo ou algo assim, pois assim que eu me instalei em casa ele chegou cedo, o cabelo despenteado e uma caixa de papelão nos braços.
― Vou te tirar dessa miséria, amigo ― declarou ele.
Eu não estava miserável, mas se o sumiço de minha irmã significava alguma coisa era que os dois estavam mancomunados e se eu havia aprendido alguma coisa ao longo dos anos é que aqueles dois, quando juntos eram como uma força da natureza: impossíveis de parar e deixavam um rastro de destruição em seu caminho.
Ele seguiu para o meu estúdio como se a casa fosse sua antes de depositar a caixa no chão:
― Eu trouxe algumas coisas que acumulei sobre o que fizemos nos últimos dois anos, vamos ver se isso acende algumas de suas memórias.
Comecei a remexer no conteúdo da caixa apenas para agradá-lo e ele apontou uma das camisetas da nova tour:
― Eu amei esse design, mas a verdadeira joia está aqui ― informou pegando o cd de nome Forgive. ― Achei que pudesse querer ouvir o que nossos cérebros geniais criaram ― ele deu um sorriso sádico. ― Já ficou sabendo que gravou um dueto com Annalise?
― O que? ― indaguei confuso. ― Foi um alívio saber que nós terminamos, onde diabos eu estava com a cabeça para gravar algo com ela?
― Não tenho ideia, você nunca me contou ― ele mexeu com o seu telefone antes de virar a tela para mim. ― Mas o resultado ficou fantástico, veja por si mesmo.
Assisti o vídeo de olhos arregalados. Aquilo era recente? Porque eu tinha certeza de que a garota de tranças que o estrelava era a mesma que alegava ser minha namorada.
― Ela fez um ótimo trabalho, não é? ― perguntou como se lesse minha mente. ― Delilah é uma garota de muitos talentos.
Disso eu não tinha dúvidas, era de todo o resto que eu desacreditava.
― O meu relacionamento com ela era real? Porque tudo que eu li sobre essa história parece muito feita para a mídia, quase como um conto de fadas para crianças.
Ele me olhou por alguns segundos como se procurasse ou esperasse alguma coisa antes de dizer:
― Ela foi a melhor coisa que aconteceu na sua vida, cara. Você parecia quase em paz quando começaram a namorar. Eu não te via tão tranquilo desde... ― ele limpou a garganta. ― Desde o acidente. Você até a trouxe aqui ― acenou para o estúdio caseiro.
Naquilo eu não conseguia acreditar, lhe dando um sorriso amargo:
― Até parece ― retruquei.
― É sério, só espero que você não a perca antes de poder recuperá-la.
Não dei valor para suas palavras naquele momento, diziam que havia um buraco em minhas memórias, mas eu não sentia como se houvesse algo faltando. Como poderia fingir me importar com Delilah quando nem ao menos me lembrava dela?
Naquela noite eu e Isabelle nos encontramos na sala de estar, uma série de comédia que gostávamos de ver quando ela era criança passando na tela plana quando Foxxy se aconchegou a seus pés:
― Sabe, essa belezinha se parece muito com nossa Roxxy ― comentou ela coçando as orelhas da dita cuja.
Roxxy era a cadela que tínhamos crescendo, ela já era velha quando eu parti e era muito provável que já tivesse feito a passagem por agora.
― Bem, isso é porque eu a escolhi por esse motivo, para ter algo que me lembrasse de casa.
Seus olhos se voltaram para mim, sua boca aberta em surpresa:
― Por que você ia querer algo assim?
Confuso pela sua pergunta, dei a única resposta que poderia:
― Porque eu não posso voltar.
― O que você quer dizer com isso? ― indagou, os ombros endurecendo, seu corpo se voltando para mim.
― Faz parte do acordo que eu fiz com o nosso pai, Bells, eu podia seguir meu sonho desde que nunca voltasse.
Seus lábios cheios começaram a tremer e não pude fazer nada além de assistir ela enterrar o rosto nas mãos e chorar.
― Bells, por favor, você sabe que eu não aguento te ver chorar ― implorei.
― Todo esse tempo ― lamuriou ela. ― Durante todo esse tempo, eu achei que você tivesse partido porque não se importava e você tinha sido exilado.
― Você não sabia ― murmurei chocado.
― É claro que eu não sabia, Ian, por qual outro motivo eu ignoraria suas ligações por anos a fio?
Tentei abraçá-la, um pouco sem jeito pela posição, mas naquele momento não importava, pois eu sentia como se um peso tivesse sido tirado de meus ombros. Minha bruxinha não me culpava pela morte de Inez, nem pela minha infame partida.
― Eu vou acertar as coisas, Ian, juntar a nossa família novamente. Eu prometo.
Eu não acreditava que aquilo fosse uma possibilidade, mas ainda assim beijei seus cabelos mais escuros que os meus, tê-la comigo bastava.
Quando o episódio já se encaminhava para o fim, Delilah desceu as escadas e limpou a garganta:
― Ian, podemos conversar por um minuto? ― pediu a garota dançando sobre seus pés como se estivesse nervosa.
A verdade era que eu não queria ficar sozinho com ela, não queria ficar perto dela por mais tempo do que necessário e ponto, mas Isabelle me deu um aceno régio e percebi que não estava disposto a negar-lhe nada.
― Tudo bem ― concordei seguindo a designer escada acima.
Ao entrarmos em seu quarto, a primeira coisa que notei foi a mala fechada em cima da cama.
― Eu sei que você não se lembra de ter concordado comigo me mudando para cá ― começou ― e te conheço o suficiente para saber que minha presença em seu espaço pessoal está te incomodando ― ela respirou fundo. ― Por isso decidi que vou me mudar.
Senti uma onda de alívio me inundar ao mesmo tempo em que culpa pura e fresca me invadiu por me sentir daquela forma quando ela claramente estava arrasada para tomar aquela decisão.
― Tem certeza? ― foi a única coisa que consegui fazer passar pela minha garganta.
― Pensei muito sobre isso, então sim ― foi a resposta dela.
― Você tem para onde ir?
Ela deu um sorriso, mas ele parecia tão, tão triste:
― Vou ficar na casa de Ash. Theo talvez não fique muito feliz com isso, mas vou continuar fazendo meu trabalho, então ele que... engula.
Tive que suprimir minha vontade de sorrir porque aquele realmente não era o momento:
― Te desejo boa sorte, então, seu trabalho é fantástico pelo que eu vi, estarei honrado em continuar a usar seus designs.
― Obrigada, Ian, você é meu melhor modelo ― deixou escapar antes de fungar e virar de costas fazendo com que eu desse um passo para trás, constrangido.
― Vou deixar você arrumar suas coisas ― informei antes de me retirar e fazer uma breve pausa na porta.
Se eu não sentia nada por ela, por que meu peito doía por deixá-la partir?
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Esses dois só sofrem, poxa, nenhuma paz? O que acharam da Isabelle?
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