Em Pânico

Ian

Quando acordei, estava sozinho. Os lençóis frios denotando o que logo ficou óbvio, Delilah não estava em minha cama, no banheiro, em seu quarto, no ateliê ou na cozinha.

A princípio, quando notei sua ausência, não me preocupei, mas depois de tê-la procurado pela casa toda e Rosa, que chegava quase com o nascer do sol, ter me informado que não a tinha visto, comecei a entrar em pânico.

Uma olhada rápida em seu armário me disse que ela não tinha feito as malas e ido embora definitivamente, mas não me impediu de surtar pensando no que poderia tê-la feito fugir depois do que fizemos ontem.

Eu a tinha machucado? Ela se arrependia? Havia mudado de ideia sobre nós?

Liguei para ela sem sucesso e depois para Holly e Miranda, mas nenhuma das duas tinha a menor ideia do que poderia ter acontecido e acho que fiz mais mal do que bem, pois as deixei assustadas com meu tom de horror. Não tive coragem de ligar para a mãe dela e preocupá-la do outro lado do país, mas esfregando o cabelo, tentando pensar em alguma coisa, me lembrei de Amélia e pegando o notebook de Delilah, consegui contatá-la pelo Skype depois de alguns toques.

― Hey, Lila, ainda é cedo... Ian? ― seus olhos se arregalaram imediatamente. ― Aconteceu alguma coisa?

― Eu não consigo encontrá-la ― informei rezando para que ela pudesse me ajudar.

― Oh... ― ela sussurrou, mordendo o lábio inferior. ― Hoje é primeiro de dezembro.

O tom imprimido nas palavras dela fez com que um arrepio subisse pela minha espinha e meu coração tropeçasse dentro do peito:

― O que tem primeiro de dezembro? ― exigi com a respiração entrecortada.

― É a data da morte do pai dela ― explicou a falsa ruiva. ― Ela costumava visitar sua lápide com a mãe todos os anos, mas...

― Mas agora ela está longe de casa ― completei. Onde Delilah iria para tentar encontrar paz? Tentei vasculhar nossas conversas e acabei me lembrando do parque que ela me contou ir às vezes em busca de inspiração e se eu estivesse em um desenho animado, uma lâmpada se acenderia sobre minha cabeça.

― Já sei onde ela pode estar ― declarei me levantando, o corpo todo parecendo apertado na ânsia de procurá-la.

A melhor amiga de Delilah acenou, apreensiva:

― Me mande notícias assim que possível ― pediu.

Desliguei a chamada e desci as escadas às pressas, pulando degraus em meu desespero. Eu sabia muito bem como eu ficava no aniversário de morte de Inez e só me acalmaria quando visse que ela estava bem com os meus próprios olhos.

Ao abrir a porta, fui confrontado por um problema que seria ridículo para uma pessoa normal. Eu não tinha nenhum compromisso pré-marcado e, portanto, Paolo só chegaria por volta das 10h e da forma como eu estava agitado, esperar mais vinte minutos parecia uma tarefa hercúlea, então respirei fundo antes de me dirigir para a garagem, uma decisão já tomada em minha mente, uma que eu nunca pensei ser capaz de fazer por vontade própria.

Não era uma escolha real, eu estava apaixonado por Delilah e ela precisava de mim, então eu faria o que fosse necessário para garantir que ela tivesse exatamente o que precisava, mesmo que isso significasse enfrentar aquele trauma.

Pegando a chave do Volvo, eu abri a porta do mesmo com a mão tremendo. Ao me sentar atrás do volante, coloquei o cinto de segurança, puxando o ar pelo nariz, tentando me convencer de que nada de ruim aconteceria. O parque era próximo de nossa casa e eu estava usando o cinto, diferente de Inez naquele dia.

Deus, como eu estava errado. Nem cheguei muito longe para ser sincero, cerca de um quarteirão, quando, no meu primeiro cruzamento, um carro ultrapassou o sinal vermelho, e o impacto dele no meu, fez com que eu rodopiasse pela pista e fosse na direção de um poste.

Senti o pânico irracional subir pela minha garganta, conforme eu batia a cabeça e perdia a consciência.

Delilah

Acordei em paz. Minha cabeça repousando sobre o peito de Ian, ouvindo seu coração bater e sentindo seu cheiro. Completamente tranquila, até me lembrar da data.

Sentei-me imediatamente na cama e me vesti com pressa, lembrando de pegar o casaco mesmo que não estivesse nevando, antes de sair da casa de Ian tentando não chamar atenção dos olhos atentos de Rosa, pegar minha vespa e ir ao parque que eu havia aprendido a amar com o passar dos meus meses naquela cidade tão diferente das quais eu tinha vivido antes.

A data do falecimento do meu pai sempre me atingia como uma parede de tijolos e me colocava em um certo estado de espírito, como se nada naquele dia fosse capaz de me causar alegria. Eu sabia que aquilo não era saudável, tampouco o faria feliz se ele pudesse me ver de onde quer que estivesse, mas achava difícil ignorar o dia que causou o primeiro abalo sísmico em minha vida.

Normalmente eu iria visitar sua lápide com mamãe, mesmo que voltar para minha cidade natal, em uma data tão específica, sempre me deixasse com medo de reencontrar Caroline, aquele ritual era mais importante do que aquele temor.

Agora, do outro lado do país, eu não tinha sequer essa opção, então precisava encontrar paz de outra forma e foi assim que acabei sentada em um banco qualquer do parque, a cabeça voltada para o céu, deixando a luz solar entrar em meus poros.

― Olá, papai, se você estiver me ouvindo agora quero que saiba que estou feliz e você não precisa mais se preocupar comigo, acho que finalmente encontrei meu caminho.

Meu celular começou a vibrar insistentemente dentro da minha bolsa e o ignorei o quanto pude, tentando continuar atida aquela comunhão, mas quando ele recomeçou a tocar na terceira chamada de George, cedi:

― Estou um pouco ocupada agora, George ― informei assim que atendi, sem nem mesmo cumprimentá-lo.

― Delilah, onde você está?

Seu tom de voz, tão sério e diferente do habitual me alarmou e franzi as sobrancelhas:

― No parque próximo à casa de Ian. Por quê?

― Estou indo te buscar ― informou antes de encerrar a ligação.

Encarei a tela do celular, confusa pela sua atitude, antes de notar que além das ligações perdidas do meu amigo também havia quatro de Ian e uma de Holly no período que eu estava dirigindo.

Guardei o celular de volta na bolsa, tentando não entrar em pânico com o que poderia ter levado a todo aquele desespero em minha procura. Minha mente automaticamente foi para Caroline e senti meu coração acelerar com a ideia.

Antes que eu pudesse enlouquecer com a possibilidade, George chegou de carro e buzinou para chamar minha atenção fazendo com que eu corresse até a sua janela:

― O que aconteceu? ― indaguei, as palavras em uma corrida, minhas mãos suando apesar da temperatura baixa.

― Entre ― demandou sem explicar coisa alguma.

― Não posso deixar minha vespa ― argumentei.

― Venha comigo, Del ― pediu ele. ― Eu volto para buscá-la depois, prometo.

No final das contas, foi seu tom e não seu argumento que me convenceu e circulei o carro para me sentar no banco do passageiro:

― O que houve, George? ― disparei me sentindo incerta.

― O cinto ― lembrou antes de arrancar com o carro.

Coloquei o cinto e reforcei meu questionamento:

― Para onde estamos indo?

― Para o hospital ― disse apenas.

― O que?! O que aconteceu? Quem está machucado? ― soltei em uma corrida, minha cabeça ficando leve, como se todo ar seguisse esse caminho.

― Houve um... acidente ― ele forçou entredentes.

― Quem? ― arfei, sentindo meu corpo todo enrijecer.

― Ian ― respondeu baixinho e eu senti como se fosse vomitar, aquilo não poderia estar acontecendo de novo, não no mesmo dia que meu pai faleceu. ― Ele estava desacordado quando chegou e ainda não despertou, mas não foi encontrado nenhum tipo de inchaço em seu cérebro e é nisso que temos que pensar agora.

― Como isso aconteceu? ― consegui forçar através da minha garganta apertada.

George estremeceu:

― Ele estava dirigindo.

― Não ― exclamei. ― Ian não dirige, não desde a morte de Inez.

― Ele estava preocupado ― respondeu apenas.

― O que poderia ser importante o suficiente para fazê-lo se sentar atrás de um volante, George?

Meu amigo me deu um olhar, um olhar cheio de pena, remorso e medo e não precisou dizer mais nada. Ian havia se disposto a dirigir, Ian havia sofrido aquele acidente porque estava preocupado comigo.

Senti a bile subindo quase na velocidade da luz e me inclinei para frente no banco, cabeça entre as pernas, tentando me lembrar dos exercícios de respiração que aprendi logo depois do meu incidente.

O resto da viagem foi um borrão e George teve que praticamente me arrastar para dentro do hospital pela entrada de funcionários porque minhas pernas pareciam incapazes de funcionar corretamente.

Foi só ao chegarmos à sala de espera que comecei a voltar a mim:

― George ― chamei puxando o braço dele, tanto as mãos quanto a voz tremendo. ― Precisamos avisar Isabelle.

Ele arregalou os olhos parecendo chocado por não ter pensado nisso antes:

― É claro que sim ― concordou ele pegando o celular e discando seu número.

― Eu quero falar com ela, por favor? ― pedi e ele me olhou com cautela antes de entregar o aparelho.

― George? ― soou a voz confusa do outro lado da linha.

― Isabelle, aqui é Delilah, namorada de Ian ― um soluço escapou. ― Ele sofreu um acidente...


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Toda vez que o Ian senta atras de um volante termina em desgraça, a maldição é tão real que mais adiante eu tive que mudar quem dirigia por medo de mais um acidente, ô rapaz barbeiro *fazendo a sonsa*.

Bem, eu disse que as coisas estavam muito bonitinhas, não disse? Mas estou animada para que vocês conheçam a Isabelle.

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