A Arte do Convencimento

Ian

― Hey, Delilah, venha comigo, eu tenho uma coisa para te mostrar ― chamei batendo na porta do seu quarto.

Ela abriu, o cabelo em um lenço de dormir e me encarou com um olho meio aberto e o outro completamente fechado.

― O que você quer? ― perguntou desconfiada e eu não podia culpá-la, pois eu estava, de fato, aprontando.

― Venha, venha ― declarei com um gesto de mão tentando parecer inofensivo.

A morena me seguiu de braços cruzados, a uma certa distância e respirei fundo antes de escancarar a porta do meu estúdio particular, o mesmo que eu a tinha proibido de entrar quando ela chegou. Como as coisas mudavam em um curso tão curto de tempo.

― Pode se sentar ― apontei para a poltrona no canto do quarto e peguei a partitura deixada sobre o teclado antes de deslizar a cadeira até onde ela estava. ― Veja isso.

A garota pegou a folha das minhas mãos e seus olhos correram rapidamente pelas letras e pelas notas antes de se voltarem para mim e uma de suas sobrancelhas subir:

― É uma bela música, mas porque você me acordou tão cedo em um sábado para me mostrar? Não sabia que teria que aprovar suas composições ― brincou.

Hesitei, mas sabia que era agora ou nunca, eu tinha que colocar para fora quer ela aceitasse, quer não.

― Sei que você ficou sabendo que eu e Annalise vamos lançar uma música e como ela me deixou responsável por toda e qualquer decisão artística, eu gostaria que você participasse do clipe ― finalmente soltei.

A estilista levantou a outra sobrancelha e deu uma risadinha:

― Não, obrigada ― então se levantou, me devolveu a partitura e saiu do estúdio.

Se ela achava que eu ia desistir fácil assim, certamente ela não me conhecia.

― Vamos, Delilah, por favor ― implorei da porta de seu quarto de costura pelo que parecia ser a milionésima vez naquela semana.

― Não ― respondeu segurando a porta em uma ameaça clara. ― Não concordei com isso em meu contrato.

― Delilah, por favor, você vai ficar perfeita... ― juntei as mãos como se orasse.

― Já disse que não, Ian ― completou fechando a porta na minha cara. Me afastei, já pensando na minha arma secreta e tive que segurar uma risadinha quando ela gritou: ― E não mande George para me convencer!

Assim, dois dias depois, nos encontramos em volta de um bolo ridiculamente decorado e cheio de velas, cantando parabéns para o aniversário de criação da Lantern.

― Parabéns para nós porque somos maneiros ― entoava George, com o cabelo parcialmente vermelho de sua ida ao shopping com Delilah, ele era o único minimamente animado com aquilo. Até Matt estava presente, mas nem de perto tão feliz. ― Parabéns para nós porque somos maneiros. Lantern! Lantern!

Delilah riu de prazer com a festa ridícula, cabeça jogada para trás e tudo.

― É muito legal que vocês comemorem o aniversário da banda como uma família ― anunciou ela quando o bolo foi servido.

Não comemorávamos, mas ela não precisava saber disso.

― Sabe o que seria um ótimo presente de aniversário para nós? ― questionou George como combinamos.

― Deixa eu adivinhar ― disse ela revirando os olhos. ― Eu participar do clipe de High Water?

― Exatamente! ― exclamou ele. ― Você leu minha mente ― completou e tentei, sem sucesso, esconder meu sorriso.

― Tudo bem ― concordou finalmente, dona de uma expressão de gato que engoliu o canário que não me deixava de todo tranquilo. ― Desde que vocês façam isso comigo. ― Abri a boca para concordar imediatamente, mas ela me cortou: ― Menos você, Ian, você já faz demais cantando.

E todos riram como se fosse ela que eles conheciam há anos e não eu. E sinceramente, tendo conhecido a Princesa do Oregon nos últimos dois meses e meio, eu meio que me sentia assim também.

Finalmente, tendo tudo pronto, um estúdio reservado para gravação do clipe e um Theo completamente agradado, me dediquei a minha tarefa diária de ligar para Isabelle.

O som do telefone tocando, sem parar, sempre me reconfortava, pois mesmo que sabendo que minha irmã não tinha a menor intenção de responder, ela nunca tinha mudado o número do celular e isso me dava esperanças de que talvez ela gostasse de ouvir o som do telefone tocando tanto quanto eu.

Delilah

Terminei de amarrar minhas botas sob o belo vestido vermelho que eu tinha costurado especialmente para aquela ocasião e tentei me lembrar, uma última vez, de tudo que eu precisava fazer para aquele take não ser um fracasso.

Eu não achava que o clipe combinasse com a música, afinal a letra falava sobre amor incondicional e eu interpretaria uma golpista, mas Ian tentou me convencer dizendo que eram as pessoas que você confiava mais que te traiam no final. Aquilo não era nem de longe saudável e eu não me senti reconfortada pelas palavras dele, dado o meu histórico.

Naev se aproximou de mim, vestido para gravar assim como eu, com um sorriso no rosto:

― Você parece nervosa demais, Princesa ― comentou ele.

― É porque eu estou, duh ― brinquei.

― Eu sei como você se sente, ainda me lembro de como estava nervoso quando gravamos nosso primeiro clipe mesmo que eu fosse só o tecladista no fundo ― ele colocou a mão no meu ombro. ― Se eu te contar um segredo você vai se sentir melhor?

― Talvez ― devolvi com sinceridade.

― Eu sou gay ― sussurrou como se tivesse medo de que a informação parasse em um site de fofocas.

Eu precisei cobrir minha boca para não rir alto:

― Desculpa, é que ― mais uma risadinha escapou ― as pessoas shippam você com o Matt há anos.

― O que é bastante nojento, porque ele é como um irmão para mim ― ele limpou a garganta. ― Sou negro, gay e texano, ter chegado à maioridade naquele lugar foi um milagre. É um pouco irônico que ter alcançado o patamar que tenho hoje fez com que o tratamento que recebo pela minha cor fosse um pouco amenizado, mas eu ainda não possa ser quem sou abertamente.

Abri a boca para tentar lhe oferecer um pouco de apoio, mas fomos interrompidos pelo diretor do clipe:

― Ei, pessoal. Vocês estão prontos?

Eu tentei parecer o mais confiante possível quando entrei no cenário da festa, sabendo que nesse momento a câmera focaria na expressão dos meus quatro alvos ao me verem chegar.

Through heaven and high water

Through the good and the bad

Encontrei Matt ― que havia sido designado o "Intelectual", como apareceria abaixo de seu rosto ― e o levei até a biblioteca e enquanto ele fingia me explicar sobre o que estava ali contido, eu o roubei.

Since the beginning till it lasts

Even when I get upset

Voltei para festa, após trancá-lo lá, e dessa vez escolhi Ash ― o "Tímido" ― e deixei que ele me levasse para a pista de dança, mostrando que era muito mais do que aparentava, enquanto o furtava da mesma forma.

Always by your side

Even if you threaten me with a knife

Me dirigindo para a saída já satisfeita com os ganhos da noite, dei de cara com George ― o "Galanteador", título que cabia muito bem a ele ― bebendo ao lado da porta, como se estivesse achando aquela festa terrível e não pudesse esperar a hora de ir embora e não podendo desperdiçar a oportunidade, o levei para a área da piscina, aproveitando para depená-lo quando, após tirar toda a roupa, ele entrou na água e eu me utilizando de sua distração, sai de fininho.

But the golden hour came

And you show me your real face

Passando pelo jardim, encontrei Naev ― o "Misterioso" ― e demonstrei surpresa pela sua presença, o deixando me rodear e lhe apontei as estrelas no céu, furtando, por fim, minha última vítima.

Now we never be the same

Yeah, we never be the same

O último take consistia em mim saindo da festa, pegando um taxi e na hora de descer, entregando uma nota de cem ao motorista e lhe dizendo que ele poderia ficar com o troco.

O clipe foi postado no canal da banda assim que terminou de ser editado e foi um sucesso instantâneo. Se Theo ainda estava preocupado com as vendas do Forgive, ele podia relaxar porque com High Water no topo das paradas, o Forgive subiu como um todo e assim, as primeiras datas da tour começaram a ser marcadas e seus ingressos esgotando quase imediatamente.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top